Matérias >> Edição 185 >> Comemorando III

Desvendando a História

R. Elie Bahbout

Uma breve análise sobre o "plano Divino" oculto por trás da História do Povo Judeu no exílio até os dias de hoje

Com a aproximação dos jejuns de Shiv’á Assar Betamuz e Tish’á Beav, é adequado refletirmos sobre o sentido dos quatro exílios pelos quais passou, e ainda passa, o Povo de Israel.

Devemos enfatizar que a análise aqui citada é tão somente uma das explicações no mar de motivos por trás dos passos Divinos. Pois quase toda decisão Divina é o resultado de inúmeras razões entrelaçadas. De fato, não é possível neste mundo material termos uma visão ampla e totalmente clara dos motivos Divinos, realmente complexos.

Albert Einstein declarou em uma entrevista: “Acredito em D’us apesar de ter questionamentos sobre Sua conduta, pois coitado do deus cuja conduta é tão simples que pode ser compreendida por um ser humano”.

Ainda assim, podemos tentar entender de uma forma geral algumas das bases de Seus caminhos.

Adam Harishon, o primeiro ser humano, não era um ser material. Seu corpo era espiritual como uma alma, e sua alma era ainda mais elevada 1. O mundo em que ele vivia - o Gan Êden - também era espiritual. Quando cometeu o pecado do “êts hadáat”, comendo o fruto da árvore proibida, ocorreram três consequências principais: sua alma desceu ao nível de seu corpo, seu corpo tornou-se material, e até o seu hábitat - ou seja, o “mundo inteiro” - desceu de nível espiritual 2.

Sendo assim, restou a necessidade de “consertar” os danos ocorridos, para que Adam Harishon possa voltar a seu antigo nível espiritual. Voltar a tão alto nível é um trabalho que exige varias gerações. Explica o Ari zal, que todas as almas do povo de Israel são partículas derivadas da alma de Adam Harishon.A função de cada alma judia é, portanto, reconstituir o perdido.

Tendo em vista este objetivo, D’us decretou que os filhos de Yaacov fossem escravos no Egito, local no qual os judeus tiveram a oportunidade de se purificar nos mesmos três tópicos que foram afetados pelo pecado de Adam Harishon: a) O corpo começou a se purificar por meio dos serviços forçados. b) A alma iniciou o processo de ascensão pelo fato de os judeus se esforçarem em guardar sua identidade, mesmo estando no lugar mais impuro do mundo 3. c) Até mesmo obtiveram expiação sobre a materialização do hábitat, decorrente do sofrimento de Yaacov e seus descendentes por saírem da Terra Santa e assentarem-se em uma terra estranha e impura.

O processo completou-se quando o povo judeu saiu do Egito e, durante 49 dias (equivalentes aos 49 níveis de impureza), purificou-se por meio do trabalho de auto-aperfeiçoamento das virtudes. Quando receberam a Torá no Sinai, alcançaram o nível de Adam Harishon antes do pecado 4.

No entanto, quando o povo pecou com o bezerro de ouro - que foi um pecado semelhante ao pecado do “êts hadaát” 5- voltaram novamente à sua situação anterior 6.

O motivo pelo qual nossos antepassados retornaram tão rapidamente ao nível antigo, deu-se devido ao fato de que toda ascensão espiritual rápida tem como perigo a queda imediata. Neste caso, a elevação não chega a se tornar “parte integral” do judeu. O Criador nos deu a chance de uma subida rápida, porém falhamos. Passamos então para uma nova fase, a de retornar para o nível de Adam Harishon antes do pecado por meio de uma maneira gradual e moderada.

Com esta finalidade, o Povo de Israel foi submetido a mais quatro exílios, sendo eles 7: a) Bavel - Babilônia, no atual Iraque, b) Maday - Média, no atual Irã, c) Yavan - os gregos, que invadiram a terra de Israel, e d) Edom - povos europeus diversos 8.

Mesmo que, geograficamente, os judeus foram espalhados por todo o mundo como previsto em vários versículos da Torá 9, nossos sábios numeraram apenas quatro povos, pois o caráter e a essência dos exílios foram somente quatro.

Cada um dos três primeiros exílios citados tinha a função de reparar um dos três tópicos afetados: o corpo, a alma e o hábitat do judeu.

No exílio de Bavel não houve agressão física (exceto a necessária na conquista) e nem tampouco perseguição à fé judaica. O ponto mais destacado deste exílio foi o sofrimento dos judeus por terem sido tirados da Terra Santa, o que foi uma expiação semelhante à da expulsão de Adam Harishon do Gan Êden.

Em Maday (o episódio de Purim) houve a tentativa de exterminar todos os judeus, homens mulheres e crianças, num único dia. O ataque foi ao “corpo” do povo judeu. Neste exílio não houve expulsão da Terra Santa, pois os judeus já estavam fora da Terra de Israel como consequência do exílio de Bavel. Tampouco ocorreu uma perseguição ao cumprimento do judaísmo.

Em Yavan os judeus moravam na Terra de Israel e não foram agredidos fisicamente. Mas os gregos proibiram o cumprimento do Shabat, do Berit Milá e do estudo da Torá, entre outras perseguições à fé judaica. O esforço dos judeus em não aceitar tais decretos e permanecerem fiéis às leis da Torá foi o começo do reparo sobre a decadência espiritual das almas do nosso povo.

Tendo em vista a necessidade de ascensão gradual, como explicado acima, entendemos por que os judeus necessitaram de três exílios para os três pontos afetados - e não somente um exílio que envolvesse os três pontos.

Após esta “preparação” dos três primeiros exílios, foi possível dar início ao exílio de “Edom”, que é o principal e verdadeiro exílio. Os exílios anteriores representaram, por assim dizer, somente uma “amostra” de exílio 10. Neste quarto exílio se juntam os três pontos: expulsão da Terra Santa, agressões físicas e perseguição ao cumprimento do judaísmo. Este é o processo no qual nos encontramos até a era messiânica. Como previsto por nossos sábios em San’hedrin (97a), este processo pode perdurar até o fim do sexto milênio do calendário judaico, bem como encerrar-se ainda hoje (D’us o permita).

Podemos entender agora o que se oculta por trás das palavras de Rabi Yochanan em Vayicrá Rabá (13:5). Diz o Midrash: “Daniel profetizou os três primeiros (exílios) em uma noite, e este (quarto exílio) em uma noite. Por quê? Rabi Yochanan disse: ‘Pois (o quarto) é equivalente aos três juntos’”. Como explicado, o exílio de Edom inclui as três características dos três primeiros exílios.

Pelo explicado, podemos compreender outro ponto curioso na História. Dizem nossos sábios 11 que mesmo sem ter terminado ainda o exílio de Edom (Europa) começará também o exílio de Yishmael (árabes), sendo que os dois exílios coexistirão. Também o Zôhar 12prevê que existirá um exílio de Yishmael, acrescentando que será um exílio extremamente difícil. Explica ainda o Ramban zt”l 13 que o novo exílio (Yishmael) começará somente no sexto milênio (iniciado no ano 5001) do calendário judaico. Como é sabido, a expulsão da Espanha (Europa) foi em Tish’á Beav de 5252. Seis anos depois ocorreu a expulsão de Portugal. A maioria dos expulsos destes países foram aceitos somente pelos países árabes, quando então começou o exílio de Yishmael.

A pergunta é clara: Por que nossos sábios consideram que existem quatro exílios, quando eles mesmos apontam a existência de um quinto exílio? Esta pergunta foi respondida pelo Maharal zt”l 14, dizendo que o exílio de Yishmael é, na verdade, um complemento do exílio de Maday, pois nossos sábios dizem (Avodá Zará 2b) que os exílios de Maday e de Edom existirão até a era messiânica.

Como citado, o exílio de Maday tem como ponto principal o ataque à vida (corpo) dos judeus, e não a perseguição religiosa. Tampouco o exílio de Maday causou a saída da Terra Santa (que já tinha ocorrido anteriormente, no exílio de Bavel). Da mesma forma, o exílio árabe (complemento de Maday) se destaca principalmente pela agressão física. Em pouquíssimas épocas os árabes perseguiram a fé judaica, apesar de sempre apoiarem a “conversão” ao islamismo. Como em relação ao exílio de Maday, os judeus, no exílio de Yishmael, estão assentados fora da Terra Santa, não por causa dos árabes, mas sim como consequência da invasão romana (Edom), mais de um milênio antes. É interessante notar que mesmo nos dias de hoje, quando os árabes tentam retirar os judeus que se assentaram na Terra Santa, não têm sucesso, apesar de constituírem um dos maiores povos do mundo em número de indivíduos. No entanto, eles conseguem obter determinados territórios somente graças à intervenção de “Edom” (povos europeus, o que inclui os Estados Unidos, que são descendentes de europeus). A característica de Edom, esta sim, inclui a expiação por meio da expulsão dos judeus da Terra de Israel.

O fato de nos últimos 50 anos ter crescido o assentamento de judeus na Terra de Israel, ainda não significa que não estamos no exílio. A era messiânica começará somente quando tivermos um rei sábio e justo, descendente de David, entre outros acontecimentos, como explicado pelo Rambam no livro de Melachim. O porquê da mudança drástica do número de judeus na Terra de Israel nas últimas décadas é um assunto delicado e não será tratado neste artigo.

Mais motivos e explicações sobre os exílios encontram-se nos livros Ner Mitsvá parte 1, Nêtsach Yisrael cap. 1 a 25, Michtav Meeliyáhu vol. 3 pág. 202 a 223 e Siftê Chayim vol. 3, entre outros.

Que seja a vontade do Criador que em nossos dias cumpram-se as palavras do Profeta Zecharyá (8:19): “O jejum do quarto (mês, ou seja, 17 de tamuz), o jejum do quinto (9 de av), o jejum do sétimo (Tsom Guedalyá) e o jejum do décimo (10 de tevet) serão para a casa de Yehudá (o Povo Judeu) (comemorados com) júbilo, alegria e boas festas”. Na Era Messiânica estas datas relembrarão que conseguimos cumprir nossa pesada tarefa de voltar ao nível espiritual de Adam Harishon antes do pecado, e então serão dias festivos e não de pesar.

Referências Bibliográficas

1. Ramchal zt"l em Dáat Tevunot cap. 126.
2. Com exceção do Gan Êden, do qual Adam Harishon teve que se retirar, sendo a sua nova identidade incompatível com um mundo espiritual.
3. O Egito é considerado a "abominação do planeta". Mesmo assim, os judeus se fortificaram e não se misturaram com os Egípcios, pois não mudaram seus nomes, vestimentas e linguagem.
4. Gaon de Vilna no livro Or Yahel vol. 3 pág. 16. Esta é a intenção dos nossos sábios no tratado de Shabat 146a e em Yevamot 103b.
5. Vide Shemot Rabá fim de parashat Mishpatim.
6. Embora de forma mais amenizada, como explica o Ramchal em Maamar Hachomá, na parte sobre Malchuyot Zichronot Veshofarot.
7. Segundo Yerushalmi Taanit (2, 4), Bereshit Rabá (42, 2 - 44, 17 - 56, 9), Tanchumá Vayetsê (2, 2), Yalcut Shim'oni Vayetsê e diversos outros.
8. Por exemplo, a Alemanha, como citado no Tratado de Meguilá 6b. Vide Gra na pagina citada.
9. Por exemplo, Devarim 28:64.
10. Dalyot Yechezkel vol. 3 pág. 291.
11. Echá Rabá parashá 1 dibur hamatchil Má (livro compilado há aproximadamente 1.500 anos).
12. Vol. 2 pág. 17a, compilado há aproximadamente 1.800 anos.
13. Em seu comentário sobre Bereshit cap. 2 fim do versículo 3 (o Ramban faleceu no ano judaico de 5030 do calendário judaico).
14. No seu livro Nêtsach Yisrael, cap. 21.