Yossi ben Yoêzer, ish Tseredá, Veyossi ben Yochanan,  ish Yerushaláyim, kibelu mehem. Yossi ben Yoêzer ish Tseredá omer, yehi vetechá  bêt váad lachachamim, vehevê mit’abec baafar raglehem, vehevê shotê vatsamá et  divrehem.
  “Yossi ben Yoêzer, da cidade de Tseredá, e Yossi ben  Yochanan, da cidade de Jerusalém, receberam deles (de Antignos, de Socho).  Yossi ben Yoêzer, da cidade de Tseredá, disse: ‘Que na sua casa sempre se  encontrem rabinos e sábios, que você fique junto à ‘poeira de seus pés’, e beba  com sede as suas palavras (dos rabinos).’”
Esta mishná nos apresenta à nova geração de sábios da Torá. Antignos, o autor da Mishná anterior, viveu na geração  imediatamente após os Homens do Grande Conselho Rabínico. Sua geração era de  transição. Com os Sábios desta mishná inicia-se uma nova era na história  religiosa judaica, conhecida como a era dos zugot (pares de líderes),  que continuou pelo restante do período do Segundo Templo Sagrado de Jerusalém.
  Uma alta corte constituída de 71 sábios, conhecida por  San’hedrin, determinava a liderança religiosa e frequentemente política do Povo  Judeu. Era liderada por um par de sábios: primeiramente o Nassi (príncipe)  e em segundo o Av Bêt Din (líder da corte).
  A maior parte do restante deste capítulo do livro Pirkê  Avot nos apresentará sucessivas gerações de líderes do San’hedrin. A era  dos zugot pode ser considerada o início do período da Mishná, uma  vez que os sábios desta geração eram ocasionalmente mencionados na Mishná (ver Mishná Chaguigá 2:2). Yossi ben Yoêzer e Yossi ben Yochanan  viveram aproximadamente na época da revolta dos Chashmonaim contra os gregos e  do milagre de Chanucá.
  Esta mishná trata sobre “Torá” e nos ensina  três coisas:
  “Que na sua casa sempre se encontrem rabinos e sábios”
  Ofereça sempre sua casa para os chachamim (sábios) se  reunirem. Por quê? Explica o Rabino Ovadyá de Bartenura que, ao ouvir suas  palavras, com certeza adquiriremos sabedoria. Mesmo que não entendamos o que  estão estudando, alguma coisa sempre “fica”. O Rabino Bartenura compara esta  situação a alguém que entra numa loja de perfumes: mesmo que não compre nada,  sempre acaba saindo um pouco perfumado. Aqui é a mesma coisa: algum “cheiro” da Torá que foi estudada lá sempre fica, mesmo que seja pouco. Faça a  reunião dos rabinos na sua casa para que algum “perfume” de Torá permaneça no ambiente.
Outro ensinamento que esta mishná quer nos transmitir  é que devemos aprender a aprimorar nosso lado espiritual, tomando como exemplo  as pessoas que têm seu sustento de várias fontes. Por exemplo, pessoas que têm  uma loja, que em suas casas também vendem roupas e, além disso, fazem  importação. Todos sabem que sustentar uma família não é algo fácil. Muitas  vezes a pessoa precisa se esforçar em várias frentes de trabalho. O mesmo  devemos aplicar à Torá: não estude apenas na sinagoga. Assim como muitos  aproveitam sua casa para o trabalho, use-a também para o lado espiritual. Os meios  e locais onde a pessoa procura ganhar dinheiro para se sustentar, podem também  ser utilizados para ganhar em espiritualidade.
  Sobre isto, dizia o Rabino Avigdor Miller (EUA, 1908-2001):  “Uma migalha de ruchaniut (espiritualidade) é muito maior do que uma  montanha de gashmiut (materialismo)”. Toda vez que nos empenharmos na  busca do lado material, empenhemo-nos ainda mais na procura do lado espiritual.
“Que você fique junto à ‘poeira de seus pés’”
  Seja submisso aos rabinos, com toda a humildade. Devemos  ficar colados à poeira dos pés dos chachamim (sábios); ou seja, sempre  perto deles, aprendendo de seus atos e comportamentos.
“E beba com sede as suas palavras (dos rabinos)”
  Deve-se “beber com sede” as suas palavras. O termo que a mishná utiliza é “batsamá” e não “ketsamá”, ou seja, não é para bebermos  “como se” estivéssemos com sede, mas sim com sede mesmo, como alguém que  precisa muito dessa água, os lindos ensinamentos da Torá.
O Chassid Yaavets pergunta: Por que a ordem das  recomendações na mishná é “receba rabinos em casa” e depois “beba com  sede as suas palavras”? O que esta sequência vem nos ensinar?
  Existe uma característica presente em todas as pessoas,  chamada midat hahistaglut - adaptação - o fato de nos acostumarmos com  as coisas. Ela pode ser utilizada para o lado bom ou ruim; como toda conduta  que tem seu lado bom e ruim.
  Eis um exemplo do lado positivo da “adaptação”: quando a  pessoa tem algum problema ou sofrimento e se acostuma com ele, esta  característica “alivia” seu fardo. Esta é a única maneira de conseguirmos  conviver com os testes e desafios que a vida nos traz.
  O Rabino Chayim Shmuelevits traz outro exemplo de quando a  adaptação é algo positivo. Ele explica que, na história da Akedat Yitschac (o  quase sacrifício de Isaac), Avraham recebeu uma ordem de D’us para sacrificar  seu filho e estava pronto a fazê-lo. Sua esposa Sará, por sua vez, mal escutou  que seu filho estava para ser morto e faleceu. Perguntam os comentaristas da Torá:  A Torá já nos informara anteriormente que Sará era mais elevada  espiritualmente do que Avraham, então como é possível ela não ter aguentado o  teste e Avraham sim?
  Uma das respostas é que, quando D’us envia um teste para a  pessoa, Ele manda também forças para poder superá-lo. O sacrifício de Yitschac  foi um teste para Avraham e não para Sará. Por isso ele o superou e ela não  aguentou.
  Essa explicação, a priori, é difícil de entender. Está certo  que o sacrifício era um teste para Avraham, mas alguém foi contar a Sará. E  esse alguém foi enviado por D’us. Sendo assim, consequentemente também houve um  teste para Sará!
  A resposta é que a informação do quase sacrifício de  Yitschac não foi para testá-la. O seu falecimento ocorreu porque havia chegado  a sua hora de partir deste mundo. D’us, por Sua vez, sabendo que Sará não teria  condições de aguentar esta situação, dirigiu as coisas de modo que a informação  chegasse exatamente antes de seu falecimento.
  Existe, porém, uma outra resposta. Desde o momento que  Avraham recebeu o mandamento de sacrificar seu filho, passaram-se três dias até  chegar ao local designado. Esse tempo foi o suficiente para Avraham “digerir” a  idéia e acostumar-se a ela - a adaptação. Por outro lado, Sará recebeu a  notícia errônea de que seu filho havia sido sacrificado, sem nenhum aviso  prévio, não passando por essa adaptação, o que a levou à morte. Caso tivesse o  tempo que Avraham teve para digerir a idéia de seu filho ser sacrificado,  talvez não tivesse falecido.
  O Rabino Chayim Shmuelevits conclui que, nesse caso, a  característica de adaptação foi algo positivo, ajudando Avraham a superar o  teste.
No entanto, existe um lado negativo dessa característica,  que é o de a pessoa se acostumar, acomodar-se com as coisas boas. Às vezes  acostumamo-nos a fazer as mitsvot e perdemos a empolgação por elas. Por  exemplo, no caso de uma sequência de palestras que decidimos frequentar. No  começo nos parece ser algo lindo, incrível. Mas após algumas vezes, acostumamo-nos  à rotina e as palestras perdem a graça. Toda a empolgação logo passa, mesmo que  o palestrante e a matéria continuem os mesmos!
  Nem precisamos ir tão longe. Quem hoje em dia agradece por  ter pernas para andar, olhos para ver, um Sol que raia todos os dias? Tudo isso  são milagres incríveis e deveríamos agradecer por eles diariamente! A rotina  faz com que tudo pareça normal e óbvio aos nossos olhos - perdemos toda a  empolgação!
  O Rabino Shmuelevits cita um midrash que conta sobre  uma moça que queria casar com seu tio. Toda sua vida ela vivera na casa do tio  e agora queria se casar com ele. Grande foi a sua surpresa ao ver que o tio  escolhera outra mulher para se casar! “Eu sou muito mais bonita do que ela!  Como é possível?!”, exclamou a sobrinha. Explica o Rabino Chayim que o tio  simplesmente se acostumara com a sobrinha. Portanto, sua beleza já não lhe era  relevante. Quando a pessoa se adapta, se acostuma ou se acomoda a alguma  situação, não consegue mais perceber a beleza que existe por trás dela.
  Também vemos que D’us nos ordenou certas mitsvot para  evitar que caiamos na rotina. No Bêt Hamicdash (Templo Sagrado), por  exemplo, quando alguém entrava por uma determinada porta, deveria sair por  outra. Não podia sair pela mesma porta que entrou! Tudo para não se acostumar a  ver aquela porta e perder a admiração por ela. Não só isto, também vemos que  D’us nos ordenou subir a Jerusalém somente três vezes por ano - em Pêssach,  Shavuot e Sucot - e não mais! A razão disto é para que o Templo  Sagrado não perca o brilho aos olhos das pessoas.
Esta adaptação e acomodação acabam com toda a hit’orerut -  o despertar espiritual da pessoa para que aumente seu empenho na observação do  judaísmo. O Rabino Chayim Shmuelevits explica que podemos lutar contra essa  característica controlando o coração, que apaga o brilho das coisas perante os  nossos olhos. Como? Por meio do amor pela Torá! Somente este amor é  capaz de gerar ânimo para podermos fazer as mitsvot e ouvir as palavras  de Torá cada vez com um novo brilho. Apesar de haver uma rotina, o gosto  e a admiração pela Torá conseguirão sobrepujar a acomodação do  dia-a-dia.
  Explica o Chassid Yaavets que é justamente esta lição  que a mishná nos ensina aqui. “Que na sua casa sempre se encontrem  rabinos e sábios”. Mas, assim, logo a pessoa se acostumará e não dará mais  valor. Com o tempo a empolgação passará! Para neutralizar a força do hábito, a mishná continua: “e beba com sede as suas palavras” - não como quem já se  acostumou, mas sim “com sede”, com vontade, como quem está ouvindo algo novo  pela primeira vez!