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Rosh Hashaná que Coincide com o Shabat

Rabino I. Dichi

Neste ano, o primeiro dia de Rosh Hashaná será comemorado no Shabat, dia 15 de setembro à noite e 16 de setembro de dia.

O cumprimento das mitsvot na prática e no pensamento

Diz a mishná, em Massêchet Rosh Hashaná (29): “Quando o primeiro dia de Rosh Hashaná coincidia com o Shabat, no Bêt Hamicdash (no Templo Sagrado) se tocava, mas não no resto da Mediná (País)”.

Nossos sábios decretaram que não se tocasse o shofar em Rosh Hashaná quando este coincidisse com o Shabat, por receio que se venha a transportá-lo em via pública (que é proibido no Shabat) mas não incluíram nisto o Templo Sagrado. No Netivot Shalom é trazida uma maravilhosa ideia do Bêt Avraham, baseada nesta mishná.

Como é conhecido, em cada preceito há duas partes: a da execução e a do pensamento. A primeira inclui o próprio ato e tudo o que é necessário para se cumprir a obrigação. A segunda inclui a preparação intelectual e as intenções que se deve possuir, no pensamento e no coração, ao se cumprir o preceito.

A parte da execução é denominada “Mediná” (País), que é o lugar onde se dá a ação, enquanto a do pensamento é chamada de “Micdash” (Templo). Ela é mais interior e recôndita, sendo também considerada mais elevada e sagrada, a ponto de receber este nome especial.

“Quando o primeiro dia de Rosh Hashaná coincidia com o Shabat, no Bêt Hamicdash (Templo) se tocava, mas não no resto da Mediná (País)”. No Shabat, não existe o aspecto do cumprimento prático da mitsvá, chamado de “País”, mas no “Templo” se tocava.

A parte do pensamento ligada ao cérebro - que é o “Templo” - existe também no Shabat. Todos as ideias e os assuntos internos ligados ao toque do shofar continuam no Shabat e não são anulados, de modo algum. O decreto de nossos sábios diz respeito ao ato, enquanto a santidade da mitsvá e suas intenções continuam válidas.

O grau mais elevado no cumprimento do toque do shofar

Além disso, isto demonstra que, no Shabat, a mitsvá é cumprida em seu mais alto nível. A santidade do Shabat se mescla à santidade das intenções e ideias do shofar e eleva seu nível à qualidade de “Templo”.

Isto é indicado também nas primeiras letras do versículo “Tik’u bechôdesh shofar, bakêsse leyom chaguênu” (Toquem no mês shofar, quando se encobre o dia de nossa festa), que formam a palavra “Beshabat” (no Shabat). Ou seja, neste dia se cumprem todos os assuntos especiais e as intenções sagradas deste preceito.

No Chovot Halevavot (sháar cheshbon hanêfesh, capítulo 21, ofen 21) está escrito que somente por meio da ação o indivíduo se aparta de seus desejos e obriga sua natureza a mudar positivamente. Uma vez que nossos sábios proibiram o toque do shofar no Shabat, a mitsvá só é cumprida passivamente, com o pensamento. Nos outros dias, entretanto, ela só se completa com a junção dos atos e das intenções a ela relacionados.

No entanto, no Talmud Yerushalmi (Massêchet Rosh Hashaná, capítulo 4, halachá 1) se aprende isto do fato de trazer a Torá dois versículos sobre Rosh Hashaná. Em um deles está escrito “um dia de toque” e no outro consta “uma lembrança do toque”.

No Yerushalmi é explicado que o primeiro versículo trata de quando a festa cai nos outros dias da semana e se toca efetivamente, enquanto o segundo fala sobre o Rosh Hashaná que cai no Shabat, quando apenas se lembra do shofar nas orações especiais do dia, sem que seu som seja efetivamente ouvido.

À primeira vista, isto é difícil de entender. Ao se analisar o texto da Torá, percebe-se que na porção que trata das próprias festividades, em Parashat Emor, aparece apenas a “lembrança do toque”. Em compensação, o “dia do toque” aparece somente na porção que trata das oferendas das festividades, em Parashat Pinechás, não no principal trecho sobre a própria festividade!

É possível compreender isto com base no que foi dito anteriormente. A “lembrança do toque” no Shabat não é uma simples lembrança e sim, parte integrante do cumprimento da mitsvá mediante o pensamento, aprofundamento e intenção. Assim, isto pode ser trazido no trecho que trata da própria festividade.

Além disso, foi explicado que o modo de cumprir este preceito no Shabat é ainda mais elevado que nos outros dias da semana, sendo chamado de “Templo”, quando comparado ao “País”. Deste modo, ele constitui a principal parte da mitsvá e convém que seja trazido no trecho mais importante.

Com base nisto, é possível entender que a “lembrança do toque” não vem apenas recordar algo externo e que é executado em outros dias, durante as orações. A lembrança é intrínseca ao próprio dia, incluindo intenções e diversos assuntos elevados e profundos, com os quais cada um se ocupa em pensamento e fala, trazendo a si um espírito de santidade.

De acordo com o Talmud Bavli, a Torá ordena que o shofar seja tocado mesmo durante o Shabat, sendo que nossos sábios o proibiram. O próprio cumprimento desta ordem preenche a Vontade Divina, uma vez que a autoridade deles provém do que está escrito na Torá: “Não se desvie do que lhe falarem, nem para a direita e nem para a esquerda” (Devarim 17:11). Conforme explica o Sêfer Hachinuch: “que os escutemos e estejamos todos aos cuidados de suas boas mãos”.

Deste modo, ao se escutar sua voz, é considerado como se todos os preceitos fossem integralmente guardados e a Vontade de D’us é cumprida.