Conduta do talmid chacham
Da mesma forma que um sábio é reconhecido por sua erudição e mentalidade, também o é por sua conduta, seu caráter, suas qualidades e principalmente por suas atitudes. Escreve o Rambam:
Ele é reconhecido pela maneira como se alimenta; desde o que come e como come, como se senta à mesa, como e o quanto bebe (sem se embriagar).
Por seu relacionamento com sua esposa.
Por seu comportamento até quando está sozinho, no toalete.
Por sua fala; de como ele se diferencia por usar palavras refinadas (não que seja um orador, mas que tenha bons modos e seja gentil ao falar).
Por sua maneira de andar.
Por suas vestimentas.
Por pesar suas atitudes, suas palavras.
Pela maneira como conduz seus negócios e como lida com seus sócios, clientes ou empregados.
Essas atitudes devem ser muito agradáveis e corretas. E para um sábio elas nunca são em demasia.
Um talmid chacham não pode ser um glutão. Mais propriamente deve escolher alimentos bons para sua saúde sem empanturrar-se. Aos que exageram na comida, comem e bebem fartamente, explicam nossos sábios, que estas são pessoas que fazem de todos os dias uma festa. “Vamos comer e beber, porque amanhã morreremos” (Yesha’yáhu 22:13). Essa conduta não é a daqueles que estão no caminho certo.
Um sujeito sábio consegue dosar sua alimentação. Come o estritamente necessário para sobreviver. “O tsadik come para poder sustentar seu corpo”, diz Shelomô Hamêlech em (Mishlê 13:25).
Quando o sábio come o pouco que lhe é devido, ele deve fazê-lo apenas em sua própria casa, à sua mesa. Ele não deve comer em uma loja ou no mercado, a menos que haja uma necessidade muito premente. Isso para que ele não se deprecie perante as criaturas.
Ele não deverá comer junto aos não estudados, nem às mesas que não estejam limpas e asseadas. Ele não fará suas refeições com frequência em outros lugares, mesmo na companhia de homens sábios; nem deve comer onde há uma grande aglomeração.
Não é apropriado que ele coma à mesa de outra pessoa, exceto em uma refeição associada a uma mitsvá, como uma festa de noivado ou casamento - e neste caso, quando um sábio está se casando com a filha de um sábio.
Os justos e os piedosos dos tempos de outrora nunca participaram de uma refeição que não fosse sua. Esta conduta é exclusiva de pessoas diferenciadas conforme consta na Guemará (Chulin 7b).
Quando um sábio beber vinho, beberá apenas o suficiente para auxiliar a digestão.
Todo aquele que se embebeda está pecando, se depreciando e prejudicando sua sabedoria. Se ele se embriaga diante de pessoas não estudadas (ignorantes em sabedoria de Torá), ele está profanando o Nome de D’us.
É proibido beber até mesmo uma pequena quantidade de vinho nas horas da tarde, a menos que o vinho seja tomado junto com alimentos. Pois a bebida que é tomada junto com a alimentação não é inebriante. Somente o vinho após a refeição deve ser evitado.
Conduta correta na intimidade do casal
Embora a mulher casada seja sempre permitida a seu marido - evidentemente somente ao cumprir as leis de Taharat Hamishpachá - é apropriado que um sábio se comporte com santidade. Diz o Rambam que ele deveria limitar suas relações a uma vez por semana, da noite do shabat à próxima noite do shabat, se ele tiver o vigor físico.
Hoje em dia nossos legisladores recomendam duas vezes na semana. De acordo com a Torá, já que o marido tem a mitsvá de “onatá lo yigrá” - não reduzir suas obrigações conjugais para com sua esposa - ele deverá cumprir esta mitsvá ao menos na noite da tevilá e todas as vezes que perceber que sua esposa está interessada nesta mitsvá; como por exemplo, quando ele notar que ela está vestida de modo a chamar a atenção dele, ou ainda na noite que antecede sua viagem.
Ele não deverá ter relações íntimas no início da noite, quando está saciado (e sua barriga cheia), nem no final da noite, quando já estiver com fome. Mas sim, no meio da noite, quando já tiver digerido o que comeu.
Ele não deve ser leviano, nem deverá aviltar seus lábios com conversas fúteis, até mesmo com sua esposa. Eis que o profeta anunciou (Amôs 4:13): “...(Hashem) declara ao homem como ele deve falar”. Nossos Sábios nos explicam que até mesmo sobre uma conversa leve e descontraída que um indivíduo tiver com sua esposa, ele terá de prestar contas no futuro.
(No momento das relações), não devem estar embriagados, nem apáticos, ou tensos; nenhum dos dois. Ela não pode estar dormindo, e ele não deve forçá-la - contra a vontade dela. Pelo contrário, (as relações devem ocorrer) em meio à vontade e o consentimento mútuos e com alegria. Ele deverá conversar um pouco com ela e afagá-la, para que ela fique relaxada. Ele deve ser íntimo (com ela) de forma modesta - não com ousadia.
Todo aquele que se conduz desse modo não apenas santifica sua alma, purifica-se e aperfeiçoa seu caráter; mas, além disso, se ele tiver filhos, eles serão belos e modestos, dignos de sabedoria e piedade.
Em contrapartida, aquele que se conduz nos costumes do restante das pessoas, que caminham na escuridão, terá filhos como o são essas pessoas.
Discrição até mesmo a sós
Neste parágrafo, o Rambam orienta qual deve ser nossa conduta quando estamos sós. Não devemos revelar as partes que devem ficar cobertas nem mesmo em lugares absolutamente privados. Ele diz que devemos ser discretos até mesmo no toalete. Portanto, só devemos nos despir quando isso for, de fato, necessário, como na hora do banho, por exemplo. Também não se deve conversar quando estiver fazendo suas necessidades fisiológicas, mesmo no caso de ser extremamente necessário. De uma forma geral deve-se evitar conversar no toalete.
Nestas sequências, o Rambam trata da conduta de um talmid chacham. Mas o leitor mais atento perceberá que esse comportamento não deve ficar restrito a um estudioso de Torá, mas deve ser adotado por todos: homens, mulheres, jovens ou idosos.
Baixe o tom
O talmid chacham não deve gritar, nem mesmo levantar a voz, quando estiver conversando. Deve falar com as criaturas calmamente. “Que não grite como gritam os animais”, acrescenta o Rambam.
Ao conversar que o faça com tranquilidade, sossego, em voz baixa, com um vocabulário adequado e de maneira apropriada. Quem está acostumado a comunicar-se falando alto, deve esforçar-se para mudar. Que passe a baixar o tom da voz e a falar de modo sereno.
No Pirkê Avot, está escrito: “As palavras do sábio são ouvidas, porque são ditas com tranquilidade”.
Se para um homem não é adequado gritar, muito menos o é para uma mulher. Assim, compreendemos que todo o nosso trabalho neste mundo é ter autocontrole. O Gaon de Vilna z’l escreve que a principal tarefa do indivíduo no Olam Hazê (neste mundo) é trabalhar seus traços de caráter. Caso contrário, que justificativa tem sua vida, se o sujeito não estiver aqui para refinar suas midot?
Nos conceitos da Torá, não é aceitável a alegação: “Eu sou assim e pronto”. Ouvimos várias vezes, pessoas lançando mão desse argumento para não ter de aprimorar suas midot. Ora, o indivíduo pode até “ser assim”, mas Hashem lhe deu instrumentos, ferramentas e capacidade para que se aperfeiçoe, tornando-se mais calmo e equilibrado.
Não se deve elevar o tom de voz. A fala deve ser suave para com todas as pessoas. Não devemos fazer diferença na maneira de nos expressar diante daqueles que julgamos serem mais ou menos importantes. A conduta deve ser igual, em relação a todos.
Também há o perigo de que a pessoa vá para o outro extremo, falando muito baixo. O Rambam observa que não é isso o que está sendo orientado aqui. Se o indivíduo agir assim, vai parecer um sujeito orgulhoso, que não consegue nem falar. Mais uma vez, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio. Aliás, como temos visto, ele é necessário em todas as nossas condutas.
Tratar bem a todos e julgar favoravelmente
O Rambam menciona a importância de antecipar-se, tomar a dianteira ao cumprimentar as pessoas. Rabi Yochanan disse que nunca ninguém conseguiu cumprimentá-lo antes que ele o fizesse. Ele ainda acrescentava que essa atitude deve se estender a um não yehudi, que também merece a nossa educação e respeito.
“Shalom” (saudação em hebraico) é um dos nomes de Hashem. Cumprimentar os outros é uma maneira de manter um convívio saudável. É a conduta de alguém educado e ético, que não faz diferença se o outro é mais ou menos influente ou admirado. Há pessoas que se impressionam com o grau de importância de alguém, mas o comportamento deve ser o mesmo para com todos, pois os seres humanos foram criados à Imagem Divina. Todos devem ser respeitados.
Podemos testar nossas midot quando temos de lidar com nossos “subordinados”. Não é nenhuma glória que se seja educado ou se fale bonito com pessoas para com as quais se deseja parecer assim. Nosso teste é quando estamos diante, por exemplo, das pessoas que trabalham para nós, em nossa casa. Devemos saber tratá-las corretamente, respeitosamente, sem levantar a voz. É assim que comprovamos e avaliamos nossas características.
É importante cumprimentar todas as pessoas para que elas nos vejam com bons olhos, que o espírito delas fique tranquilo em relação a nós. Que sempre julguemos toda e qualquer pessoa de modo favorável, especialmente quando todas as suas atitudes sempre tenderem para esse lado. E, mesmo que a lógica leve para o lado oposto, é preciso julgá-la de forma benigna, segundo nos ordena a Torá. No caso de alguém, cujas atitudes se revezam entre positivas e negativas, ainda assim, é necessário que o julguemos em seu favor.
Virtudes, nervos à flor da pele
e promessas
Deve-se sempre falar das qualidades do outro, e não de seus vícios. Isso é uma prática que, infelizmente, os indivíduos deixam de lado, aproveitando toda e qualquer ocasião para criticar os defeitos dos outros. Isso não é correto. Pelo contrário - devemos olhar para as pessoas tentando entrever suas virtudes, seus pontos positivos.
É necessário que gostemos e persigamos a paz (shalom).
Caso alguém esteja falando e perceba que, com seu discurso, está beneficiando as pessoas, que continue. De outra maneira, se perceber que suas palavras não estão sendo ouvidas, é preferível optar pelo silêncio.
Não adianta se aproximar da pessoa que está zangada, no auge de sua ira, e tentar acalmá-la. Isso só vai irritá-la ainda mais. “Não procure agradar seu amigo quando ele estiver encolerizado”, diz o Pirkê Avot.
Alguém escuta um indivíduo fazer uma promessa. Sabendo que isso não é correto - “é melhor que você não faça promessas, do que o contrário”, ensinam nossos chachamim - não adianta dissuadi-lo de seu propósito logo em seguida de ele tê-lo feito. Ele não aceitará procurar três chachamim e desfazer seu compromisso. É preciso esperar um pouco e conversar com ele mais tarde, tentando convencê-lo a anular sua promessa.
Também de nada adianta tentar consolar alguém quando ele acabou de perder um ente querido - especialmente quando o morto ainda não foi enterrado (no funeral, por exemplo), dizendo: “Não chore”. Isso só o deixará ainda mais aborrecido e triste. Antigamente, as pessoas iam à casa dos enlutados apenas três dias após o sepultamento. Tudo para que tivessem tempo de se acalmar, de se recuperar da perda. Hoje, a halachá permite que se visite já no primeiro dia do luto, mas é preciso saber como se comportar nesse momento. E o silêncio é o melhor companheiro nessas visitas.
Diz o Rambam: Eu trouxe perante vocês alguns exemplos de como agir com os outros em determinadas situações - perda de um ente querido, cólera, promessa, etc. A vida é repleta de casos assim, nos quais é preciso saber agir. Para isso, a pessoa deve ter uma mente sã, sóbria, para poder escolher a atitude correta em cada situação. Não deve manter o conhecimento, a sabedoria, somente no nível intelectual, mas levá-los até o coração, à sua sensibilidade, ao seu íntimo.