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Pirkê Avot – Capítulo I, Mishná V

Rabino Ari Friedman

A Guemará nos diz que uma pessoa que quer ser "chassid" - bondoso - que é um degrau acima do "tsadic" - justo - deve cumprir tudo o que está escrito na "Ética dos Pais". Assim, esta seção traz, de forma simples, a sabedoria da Mishá por meio dos maravilhosos conselhos do "Pirkê Avot".

Yossi ben Yochanan ish Yerushaláyim omer yehi vetechá patúach lirvachá veyihyu aniyim benê vetecha veal tarbê sichá im haishá, beishtô ameru cal vachômer beêshet chaverô; mican ameru chachamim, col zeman sheadam marbê sichá im haishá gorem raá leatsmô uvotel midivrê Torá vessofô yoresh Guehinam.

“Yossi ben Yochanan, da cidade de Jerusalém, disse: Que sua casa esteja plenamente aberta; sejam os carentes parte de sua própria família; E não converse excessivamente com a mulher. Isto foi dito em relação à sua própria mulher, quanto mais sobre a mulher dos outros. Baseados nisto, nossos sábios disseram: Todo aquele que conversa excessivamente com mulheres faz mal a si próprio, desperdiça seu tempo de estudo de Torá e está fadado a um lugar no Guehinam (inferno).”

Esta mishná trata sobre chêssed, bondade, e nos ensina lições a respeito de guemilut chassadim:

“Que sua casa esteja plenamente aberta”

O significado simples desta frase é que nossas casas devem estar realmente abertas às pessoas que precisam, e devemos servi-las com abundância, dando-lhes tudo o que necessitam.

Já o Rabênu Yoná explica de outro modo. Ele diz que a tenda de Avraham, nosso patriarca, era aberta aos quatro pontos cardeais. Tinha uma porta em cada lado da casa, para que fosse fácil ao visitante entrar e não precisasse dar uma volta. Assim também deve ser a nossa casa, sempre aberta de todos os lados. Por isso, a Mishná usou o termo “plenamente aberta”.

“Sejam os carentes parte de sua própria família”

A Mishná nos chama a atenção de que não basta ajudarmos o carente fora de casa e nunca recebê-lo. Existe certo egoísmo no fato de que algumas pessoas estão dispostas a dar tsedacá (ajuda financeira) na sinagoga ou em instituições, mas receber o pobre em casa, já não aceitam. “Tudo bem ajudá-los, mas que atrapalhem nossa privacidade, nossa vida particular, isto não!” Então a Mishná nos diz que temos de receber os pobres em casa e, ainda mais, tratá-los e fazê-los sentirem-se como se fossem mais um dos membros de nossa família.

Outra vantagem de acolher os rabinos ou pobres em casa é para a educação dos filhos. É muito importante que as crianças vejam o pai recebendo um pobre ou um rabino em casa e ajudando-os, dando tsedacá para eles. É o único modo de elas aprenderem.

Conta-se uma história sobre o Chafets Chayim que comprova este assunto. Havia uma cidade na qual muitos rabinos e pessoas necessitadas passavam para pedir dinheiro para alguma causa. Os moradores da cidade, para evitar que essas pessoas ficassem batendo em suas portas o tempo todo, decidiram nomear alguém como gabay (coletor) de tsedacá, que seria encarregado de juntar o dinheiro dos ricos da cidade. Aqueles que precisassem se dirigiriam a esse gabay e ele lhes daria a quantia necessária.

O Chafets Chayim, ao ouvir isso, ficou muito irritado. Ele disse que nunca deveriam fazer isto. Mas por que não? A priori parecia uma ideia muito boa! O Chafets Chayim explicou que existe uma grande vantagem para os ricos (aqueles que não estudam tanta Torá) em receber os rabinos em casa, pois escutam algumas palavras de Torá e aprendem deles.

Por outro lado, é muito desagradável para o rabino ter de ficar indo às casas dos outros e pedir dinheiro. A verdade é que D’us fez assim exatamente por esse motivo. Quando o rabino entra na casa de um rico, ele logo fala alguma palavra bonita ou age de uma boa forma e assim o rico pode aprender dele.

Não apenas isto, disse o Chafets Chayim, mas também para que as crianças vejam o seu pai recebendo o rabino ou o pobre em casa, e aprendam como receber visitas, como ajudá-las e como fazer que se sintam bem. Se instituíssem um gabay, como sugeriram os moradores, os mais abastados perderiam toda essa oportunidade!

Não só dinheiro devemos oferecer em nossas casas àqueles que precisam de ajuda, mas também apoio moral. Muitas vezes alguém liga perguntando se pode vir em casa conversar conosco, e nós respondemos: “Não precisa vir não, pode falar pelo telefone.” Isto não está certo! Pode ser que custou muito à pessoa criar coragem e ligar! Devemos recebê-la em casa com um grande sorriso e ajudá-la o máximo que pudermos.

O Rabênu Yoná traz mais uma explicação incrível. Quando recebemos pobres em casa, muitas vezes não damos para eles do bom e do melhor que temos. Por que dar carne, que é mais cara, se podemos dar frango, que também é bom - e a carne guardamos para a nossa família! Diz o Rabênu Yoná que a Mishná nos ensina que temos de tratar os pobres ou visitas da mesma forma que tratamos as pessoas de nossa casa e nossa família. Temos que dar para eles do bom e do melhor, da mesma qualidade que utilizamos para nós mesmos. Deixar a geladeira “aberta” para eles. Enfim, fazer com que se sintam como se fossem realmente um de nós!

Ao tratar deste assunto, não podemos deixar de citar a história do Rabino Chayim de Brisk (Rabino Chayim Soloveitchik, Lituânia, 1853-1918). É sabido que sua casa não possuía chaves e que todo aquele que quisesse, podia entrar e servir-se. E assim realmente acontecia: as pessoas entravam, dormiam, comiam, liam, como se fosse a casa deles de fato!

Perguntaram ao rabino por que ele tinha uma porta, se não tinha a chave? Que deixasse a casa sem porta e pronto! O Rav Chayim Respondeu que, por ele, realmente a casa poderia ficar sem a porta, mas de acordo com o Rambam, uma casa sem porta não exige que se coloque uma mezuzá no batente. Vejam que incrível: somente para poder colocar a mezuzá de acordo com a opinião do Rambam é que ele mantinha a porta!

Sua hospitalidade chegava a tal ponto que seu filho, o Rabino Yitschac Zeev (conhecido como Hagriz - Lituânia e Israel, 1889-1959), contou que muitas vezes chegava em casa e sua cama já estava ocupada por alguém! E até com o próprio Rav Chayim isto acontecia, obrigando-o a dormir sentado numa cadeira ou no chão!

É claro que isto está muito longe de nossa realidade, mas precisamos aprender desses atos tão grandes e, cada um de nós, tentar fazer o melhor que pode em sua vida particular. Sem dúvida, eles cumpriam esta mishná literalmente: “Que sua casa esteja plenamente aberta e sejam os carentes parte de sua família”.

O Rabino Yitschac Zeev contou também que certa vez bateram à porta da casa de seu pai às duas da manhã. Era a vizinha que fora pedir uma caneta para poder assinar e finalizar o noivado de sua filha que acontecia àquela hora. Rav Chayim emprestou. Às quatro da manhã novamente bateram na porta. Era a vizinha que agora fora devolver a caneta.

Quando o Rabino Yitschac Zeev contou esta história aos seus alunos, perguntou: Podemos entender por que foram pedir a caneta às duas da manhã, afinal, precisavam assinar o documento de noivado. Mas não podiam esperar para devolver a caneta no dia seguinte? Precisavam bater na casa do rabino às quatro da manhã? A resposta é que eles sabiam que na casa do Rav Chayim não havia horários: duas, quatro ou dez da manhã dava no mesmo! Ela estava aberta o tempo todo para quem precisasse.

Há mais um ponto sobre a mitsvá de hachnassat orechim - receber pessoas. Muitos deixam de convidar alguém por acharem necessário preparar coisas especiais para os convidados. Esta mishná nos diz que os convidados devem ser como os moradores da sua casa: o que é bom para vocês, é bom para todos, não precisa ser especial.

O Midrash em Bereshit conta que receber visitas é uma segulá para ter filhos. Certa vez viajei à Bélgica para visitar um grande rabino, conhecido como Rebe Yankele, para pedir uma berachá (bênção) para ter filhos. O rebe, ao ler o papel com o meu nome e o pedido, perguntou: “Ari, você recebe visitas em casa?” Respondi que sim. Continuou o rebe: “Você sabe que essa é uma mitsvá muito importante? É maior do que o estudo da Torá!” Sobre isto não respondi que sim, afinal sabemos que há uma mishná que diz que o estudo da Torá é equivalente a todas as outras mitsvot juntas! Mas entendi o recado. Rebe Yankele estava dizendo que eu deveria melhorar na mitsvá de receber visitas para alcançar o mérito de ter filhos.

Conta-se sobre o Rabino Isser Zalman Meltser (Bielo-Rússia e Israel, 1870-1953) que, em sua época, o governo lituano havia ordenado às yeshivot que estudassem também matérias laicas em seu currículo. A yeshivá do Rabino Isser Zalman não mudou sua rotina e continuou lecionando somente Torá. O governo, ao perceber isto, mandou fechar a yeshivá. O Rabino Isser Zalman não tomou conhecimento e continuou com os estudos. Algum tempo depois, alguém denunciou a yeshivá e policiais foram prendê-lo.

A caminho da prisão, o Rabino Isser Zalman avistou um rabino de outro local que, a cada vez que viajava para a Lituânia, ficava em sua casa. Este rabino estava chegando para passar algum tempo na Lituânia. Ao ver seu amigo, o Rabino Isser Zalman pediu aos policiais: “Por favor, me dêem um minuto só, podem vir comigo, não vou fugir!” Os policiais concordaram e o Rabino Isser Zalman foi conversar com aquele rabino para dizer-lhe que ficasse novamente em sua casa. Por mais fantástico que pareça, mesmo a caminho da prisão, o Rabino Isser Zalman Meltser não quis perder a oportunidade de cumprir a mitsvá de receber visitas!

Nossos livros sagrados explicam que essa mitsvá é tão grande que devemos até fazer messirut nêfesh por ela. Conta-se sobre o “Granat”, Rabino Naftali Trop (Polônia, 1871-1930), que certa vez sua mãe não quis receber em casa uma pessoa que tinha fama de ladrão. O Rabino Naftali disse a ela que não era correto rejeitar uma mitsvá, mas que poderiam ficar mais vigilantes para que a visita não roubasse nada. O mesmo aconteceu em outra oportunidade com uma visita que possuía uma doença contagiosa.