
Quando percebi que o livro “Around The Maggid’s Table” estava completo, decidi fazer uma “seudá hodaá”, uma refeição festiva para agradecer a D’us por ter me dado a oportunidade de terminar este trabalho. Desejando festejar a ocasião com todos os que me ajudaram a escrever o livro, convidei o pessoal da editora Artscroll para a comemoração, bem como os amigos que revisaram e comentaram cada uma das histórias e parábolas.
Minha mãe, Sra. Hindy Krohn, também tinha acabado de escrever um livro de sua autoria, chamado “The Way It Was”, publicado pela mesma editora.
No livro, ela descrevia os anos que passou na Filadélfia. Contei a ela sobre a seudá que eu estava organizando. Então minha mãe perguntou se ela e aqueles que a ajudaram a publicar seu livro poderiam se reunir na mesma ocasião e comemorar o término da sua publicação também. Naturalmente eu concordei com a ideia.
Entre outros convidados da minha mãe, estava a sua editora, uma senhora chamada Chavi Willig Levy. Chavi tinha publicado muitos livros, editado grandes trabalhos e gerenciado sua própria firma de consultoria de comunicação. O que tornava o trabalho de Chavi extraordinário era que, desde criança, ela contraíra poliomelite, o que deixou seus músculos paralisados, tanto dos braços quanto das pernas. Por causa dessa imobilidade, ela utilizava uma cadeira de rodas para se locomover.
Poucas pessoas imaginavam que Chavi poderia um dia se casar. Entretanto, nossos sábios (Bereshit Rabá 68:4) escrevem: Hacadosh Baruch Hu yoshev umzaveg zivuguim - O Todo-Poderoso se ocupa de juntar casais. Assim, fazia parte dos planos Divinos que, em 1982, Chavi, com sua cadeira de rodas e tudo, conhecesse um jovem chamado Michael Levy. Além de seus muitos talentos, Michael possuía uma simpatia especial por pessoas que enfrentavam dificuldades na vida, porque ele também vivia desta forma - Michael era cego.
Independentemente do que a vida tinha preparado para eles, Michael e Chavi descobriram que compartilhavam interesses em comum. Os dois eram completamente comprometidos com o judaísmo, tinham uma profunda apreciação por música e por palavras. Eles se casaram e, no final de seis longos anos, tiveram a primeira filha, uma menina chamada Tehila.
Observar a forma com que Chavi e Michael compensavam suas deficiências físicas era inspirador. Com grande sensibilidade eles graciosamente se complementavam e se apoiavam mutuamente. Todos os que se encontravam na presença deles ficavam emocionados e surpresos.
Na nossa comemoração estava também um amigo meu chamado David Stein, da cidade de Stanford, Connecticut, e sua esposa. David passara incontáveis horas nos últimos dois anos ajudando-me com suas opiniões sobre as histórias contidas no livro. Como muitos outros naquela ocasião, era a primeira vez que David e sua esposa se encontravam com o casal Levy. Eles ficaram impressionados ao notar como os dois se davam tão bem. David não podia ajudar, mas ficou surpreso com o jeito que Michael segurava sua pequena filha Tehila, pois para Chavi era difícil fazê-lo, e como Chavi alimentava a menina, porque para Michael era difícil.
Os Steins e os Levys foram apresentados e passaram a conversar amigavelmente. Quando a reunião se aproximava do final, David disse para Michael e Chavi: “Minha esposa e eu ficaremos muito felizes de convidá-los para passar um Shabat conosco. Vocês nos honrariam em vir?”. David pensou que além de fazer a mitsvá de receber visitas, as lições que ele e seus filhos aprenderiam ao passar um Shabat com um casal tão extraordinário ficariam gravadas para sempre. Os Levys responderam que ficariam muito contentes de ir para Stanford, mas explicaram que, devido à sua dificuldade de locomoção, alguém teria de buscá-los em seu apartamento em Manhattan. Os Steins concordaram prontamente em ir apanhá-los e ficou combinado que, dali a três semanas, eles passariam o Shabat juntos.
Na semana anterior à que os Levys iriam para Stanford, o pai de Michael faleceu. Michael ligou para os Steins contando a triste notícia e explicou que teriam de adiar o encontro, pois eles observariam o shivá - os sete dias de luto.
Depois do período de shivá, novos planos foram feitos. Então, duas semanas depois do Shabat combinado originalmente, numa quinta-feira à noite, David apareceu na casa dos Levys para buscá-los. Ele os ajudou no que foi preciso e levou-os para passar o Shabat com sua família.
Na sexta-feira antes do pôr-do-sol, David explicou para Michael que ele pensara em duas opções para a reza de Shabat do dia seguinte. A sinagoga na qual normalmente David rezava ficava a cerca de uma milha. A outra, onde eles iriam rezar na sexta-feira à noite, ficava logo do outro lado da rua. Então David perguntou em qual das duas sinagogas Michael gostaria de rezar no dia seguinte: “Eu imaginei que seria mais fácil para nós irmos amanhã nesta mesma sinagoga”, explicou. “No entanto, haverá a comemoração de um bar mitsvá neste Shabat. Com isso, as orações vão se prolongar um pouco mais, por causa do discurso do rabino, da leitura da Torá que será feita pelo garoto e também pelos vários convidados que serão chamados para a leitura da Torá. Qual sinagoga você prefere, Michael?”.
Michael respondeu que, para ele, seria mais fácil rezar nesta sinagoga mais próxima, e que ele não se importava com a demora. Ficou combinado, então, que rezariam naquela sinagoga no dia seguinte também.
Michael, como sempre, levou seu chumash e seu sidur em braile para a sinagoga antes do horário de acender as velas de Shabat.
Michael e David, conforme combinado, foram à sinagoga mais próxima da casa de David na sexta-feira à noite e também no sábado de manhã.
Sábado à tarde, quando David e Michael estavam indo novamente para a sinagoga para a oração de Minchá, o professor do menino que fizera Bar Mitsvá pela manhã aproximou-se rapidamente deles.
- David! - gritou o rabino com grande excitação. - Você não vai acreditar no milagre que aconteceu na sinagoga esta manhã!
David não podia imaginar do que o rabino estava falando. Ele não tinha visto ou ouvido nada diferente na sinagoga de manhã, exceto um garoto fazendo bar mitsvá.
- É inacreditável! - o rabino exclamou novamente. - Eu trabalhei com aquele garoto para ensiná-lo a ler na Torá por mais de um ano e meio. Ele enfrentou muitas dificuldades para aprender. Para complicar mais ainda a situação, os seus pais se divorciaram neste ano, o que somente aumentou a pressão sobre tudo o que já acontecia. Nós revisamos a leitura da Torá inúmeras vezes, mas eu nunca tive certeza se ele conseguiria realizá-la a contento no dia do Bar Mitsvá.
- Há alguns dias, o pai do menino prometera ao jovem que viria à sinagoga hoje de manhã - continuou contando o rabino. - No entanto, quando ele estava pronto para subir na bimá e fazer a leitura, olhou em volta procurando seu pai, mas não o encontrou. Isso deixou o garoto mais ansioso. Naquele momento eu tive certeza de que ele não conseguiria ler mais do que duas das sete partes da porção semanal. Ou pior ainda! Que ele acabaria desmaiando em cima da bimá.
- Mas não foi o que aconteceu! - prosseguiu o rabino ainda mais entusiasmado. - Pelo contrário! Ele leu na Torá de forma tão admirável que eu fiquei surpreso. Eu nunca o tinha ouvido ler tão bem! Depois de tudo, virei-me para o menino e perguntei: “Ezra, como você conseguiu ler tão bem? Eu nunca o vi ler desta forma?”. Ele olhou fixamente para mim e perguntou: “Rabino, o senhor se lembra o que o senhor me disse na primeira vez, quando começamos a estudar esta parashá juntos?”. Mas eu não me lembrava. Então Ezra respondeu: “O senhor me disse, logo no início, que eu teria de fazer a leitura da Torá tão bem e tão claramente que mesmo se houvesse um homem cego na sinagoga, ele deveria ser capaz de acompanhá-la. Hoje eu estava muito nervoso por causa da leitura em si e porque meu pai não tinha aparecido. Porém, quando olhei em volta da bimá, vi um homem cego sentado com seu chumash em braile. Decidi, então, bloquear tudo o que passava pela minha cabeça e me concentrar em ler bem para que ele fosse capaz de seguir a leitura perfeitamente”.
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O encontro na comemoração de encerramento do livro, o acordo para passarem o Shabat juntos, o atraso na visita, a escolha da sinagoga, o assento onde o homem cego sentou...
O Rei David escreveu (Tehilim 92:6): Má gadelu maassecha Hashem - Como são grandes Seus atos, Hashem! De fato, o Mestre do Universo promoveu tantos eventos para coincidirem em perfeita harmonia!... Isso é música para os ouvidos que são sábios o suficiente para ouvi-la.
“Celebrations”, no livro “In the Footsteps of the Maggid” do Rabino Pessach J. Krohn.
Publicado com permissão da Mesorah Publications.