“Sobre o Pecado Que Pecamos Perante Ti” - “Al Chet Shechatánu Lefanêcha”
Na noite e no dia de Yom Kipur, nós cumprimos o preceito de Viduy (confissão) perante D’us algumas vezes. Além da especificação dos pecados, o principal do Viduy são as palavras: “Sobre o pecado que pecamos perante Ti”.
Com estas palavras, o indivíduo revisa diversas vezes duas verdades que são, na prática, as principais responsáveis pelo arrependimento em relação ao pecado e pela decisão de abandoná-lo, no que diz respeito ao futuro.
A primeira delas é “que pecamos”, ou seja, que o indivíduo reconhece o fato de ter pecado e cometido atos indevidos. Esta consciência não é nada simples. Existem muitas pessoas que, apesar de estarem atoladas no pecado e cometerem uma profusão de atos pecaminosos, todos os dias de suas vidas, não reconhecem sua culpa e consideram seu caminho reto como uma planície.
É necessário um grande autocontrole para que alguém esteja pronto a reconhecer que seu caminho estava completamente errado e que tenha se enganado em seus pensamentos e ações. Este é o início do caminho da teshuvá e bem-aventurado é aquele que chegou a esta consciência clara e pura.
A segunda destas causas é “perante Ti”, ou seja, que a pessoa sinta que seus pecados foram cometidos na frente ao Rei, perante o Rei de todos os reis, o Criador - Cujos “olhos” perscrutam tudo e de Cuja Presença não há nenhum lugar vazio. Ela deve sentir vergonha por ter trocado os mandamentos de D’us e as palavras de sua Torá por “poços quebrados, que não podem conter água” (expressão do profeta).
Todo o pecado é cometido “perante Ti”. É muito importante que o homem sinta que está sempre perante o Senhor de todas as coisas, para o Qual tudo é revelado e em relação ao Qual o não cumprimento de Sua vontade é comparável a uma rebelião contra o rei. Esta rebelião inclui tanto o grave crime contra o rei quanto a grande vergonha de ter cometido estes atos na residência do rei.
Aquele que tiver estes sentimentos, quando vier se confessar perante D’us, terá o mérito de cumprir o preceito do Viduy como se deve e vê-lo aceito com vontade por D’us, Que perdoa e desculpa nossos pecados.
“Sobre o Pecado que Pecamos Perante Ti com Atordoamento”
No texto do “Al Chêt” (“Sobre o Pecado”), uma das coisas que confessamos são os pecados que cometemos “betim’hon levav” - “com atordoamento (do coração)”. Tentaremos explicar o que é isso e como se cuidar disso a partir do que escreveu o Gaon Rav Yehudá Segal zt”l em seu livro, Yir’á Vadaat (parte 1, página 161).
Na parashá da admoestação Divina, em Sêfer Devarim, consta o seguinte versículo: “D’us te golpeará com a insanidade, a cegueira e a confusão mental”. Rashi explica que “confusão mental” quer dizer “o lacre do coração”, ou seja, algo espiritual. O coração fica, então, tampado e não recebe nem influências externas e nem internas, tornando-se os sentimentos e os pensamentos da pessoa escuros e nebulosos. Isso causa que ela peque e a impede de retornar em teshuvá.
Para que um indivíduo não peque e não se deixe levar por tudo que o arrasta ao pecado, ele deve ficar cuidadoso e atento. O lacre do coração o adormece, torna-o indiferente e ele não percebe que, pouco a pouco, a sociedade, os testes e as seduções mundanas o influenciam a abandonar o caminho do bem e da retidão. Se estivesse atento, se o temor aos Céus o dominasse, ele não se transformaria em alguém arrastado e sem essência própria - e serviria a D’us sem obstáculos.
O “lacre do coração” retira do ser humano sua vitalidade e o torna passível de ser derrotado com facilidade pelo mau instinto e suas tropas. Uma pessoa sem vitalidade espiritual é considerada quase como um morto.
Mesmo após o pecado ser cometido, o “lacre do coração” impede que a pessoa sinta que pecou e que precisa retornar com teshuvá completa. Ele não reconhecerá sua culpa e sairá como perdedor nas duas batalhas: a batalha dos atos, pois ele peca continuamente e a batalha da teshuvá, na qual ele não age por pensar que tudo o que fez de torto é correto.
A Vergonha
Uma das grandes bondades que D’us fez conosco foi nos dar a característica de sentir vergonha. Esta característica faz com que não ultrapassemos fronteiras, que andemos nos trilhos e que não façamos o que é incorreto. Nós sabemos que, se nos comportarmos impropriamente, ficaremos cobertos de vergonha e isto acaba nos salvando, muitas vezes, de cair espiritualmente.
O grande nível desta característica se dá quando a pessoa se envergonha de D’us. Uma pessoa assim sente claramente que D’us se encontra com ele em todo lugar e observa seus atos. Como consequência disso, ele sente que está o tempo inteiro perante o Rei e seu comportamento melhora sensivelmente. Ele toma cuidado com todos os seus atos e se afasta muito de todo pecado e iniquidade, por medo de deixar o próprio monarca zangado, além de refinar suas características de caráter, por saber que só assim ele é digno de servir ao Rei do Mundo.
O Caminho dos Grandes Sábios de Israel
Conta-se que, quando o Rav Chayim de Volodjin chegava no trecho das selichot que diz: “Para Ti, D’us, é a justiça e, para nós, a vergonha”, desmaiava de tanta vergonha e rubor. As palavras escritas no texto das selichot eram muito vivas para ele. A Grandeza Divina, com todo seu esplendor, era palpável para ele e ele sentia que D’us nos trata sempre com uma misericórdia e uma caridade enormes, enquanto nós não apenas deixamos de “pagar” por isso - intensificando o cumprimento das mitsvot e atos de caridade e misericórdia - como, ainda por cima, nós ignoramos Seus comandos e abolimos Suas palavras, fazendo pecados. Estes pensamentos faziam com que o Rav Chayim de Volodjin desmaiasse de vergonha.
Muitas histórias são contadas sobre como os grandes sábios de Israel temiam o pecado e como se envergonhavam quando lhes parecia terem tropeçado, alguma vez, em algo que se assemelhasse a um traço de pecado. Como um exemplo disso, traremos uma história, sobre o Gaon Rav Eliyáhu de Vilna, que mostra o quanto o temor destes grandes sábios precedia sua sabedoria.
Conta-se que, certa vez, ele tocou em uma casca de fruta no Shabat e, imediatamente, desmaiou por vergonha e por temor ao pecado. Ao despertar e ver novamente a casca, tornou a desmaiar. Para salvá-lo, sua esposa pegou a casca e comeu-a, mostrando que em casos de extrema necessidade ela pode ser comida e, portanto, não é considerada muktsê.
Aprendemos desta história quão grande era a reverência à Santidade que sentiam os sábios de todas as gerações. O pecado era, para eles, a pior coisa que poderia acontecer. Sua sensível fé os levava a uma consciência clara da gravidade das transgressões e sua resposta a elas era extremamente severa. Isso acontecia principalmente no que dizia respeito a eles próprios, mesmo quando essas transgressões eram pequenas e quando eram cometidas sem intenção.
Temor Pelo Julgamento
Em Massêchet Chaguigá 4, é comentado o episódio do Rei Shaul com a Baalát Ov - necromante (pessoa que invoca os espíritos) e o seguinte versículo deste trecho: “E disse Shemuel a Shaul: por que você me enervou, me fazendo subir? A Guemará comenta que Shemuel trouxe Moshê junto. Falou para ele: “talvez, chas veshalom, estão me chamando para ser julgado. Venha junto comigo, pois não há algo que (você) tenha escrito na Torá e que eu não tenha cumprido.
Shemuel tremeu em seu lugar no Gan Êden e temeu que talvez estivessem lhe chamando novamente para ser julgado no Tribunal Celestial. Portanto, ele toma o próprio Moshê Rabênu como testemunha de ter cumprido a Torá em sua plenitude.
Obviamente, não temos nenhuma compreensão em assuntos tão graves e elevados como o que acontece no Tribunal Celestial e como são julgadas as almas dos mortos. Aprendemos, porém, de um modo extremamente claro, como há um temor perante o pavor do julgamento - e que se deve tomar muito cuidado para não cair nas armadilhas do pecado.
Se isso assustou justos e profetas, espíritos elevados, quanto mais deve fazê-lo conosco. O medo e a vergonha perante o que pode acontecer são capazes, com a ajuda de D’us, de nos auxiliarem a aumentar nossos esforços em relação a Torá e mitsvot e em fugir dos pecados que nos emboscam.
“Voltem, Voltem de seus Maus Caminhos”
Consta em Yechezkel (33:10-11): “E você, filho do homem, diga para a Casa de Israel que assim vocês disseram: ‘pois nossas transgressões e nossos pecados estão sobre nós, neles nos consumimos, como viveremos?’ Fale a eles ‘por Minha vida’, assim diz o Eterno seu D’us, se Eu desejo a morte do perverso. O que sim (Eu desejo) é que retorne o perverso de seu caminho e viva. Voltem, voltem de seus maus caminhos - e porque (vocês) morrerão, Casa de Israel”.
O sentido destas palavras é que o povo se envergonhou tanto de seus pecados que decidiu ser impossível continuar vivendo. Assim, ele se perderia em sua perversidade. O Rabi Yitschac Blazer explica que isso estava tão enraizado na consciência do povo que D’us precisou jurar a eles que não deseja sua morte - e sim seu retorno em teshuvá, para serem meritórios da vida. Mesmo que eles tenham pecado muito, não devem desistir, pois D’us espera por eles em qualquer estado e, com seu retorno, terão o mérito de serem perdoados por Ele e recebidos como filhos que voltaram a seu pai. A teshuvá outorga vida e afasta do pecado, que causa o contrário.