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Sucot – A Época de Nossa Alegria

Rabino I. Dichi

O Atordoamento do Coração e Vergonha Pelo Pecado

Comemorando III

“Meu Vinhedo Não Guardei”

É trazido no livro Olelot Efráyim - do mesmo autor de Keli Yacar sobre a Torá - (parte 2, maamar 150), em nome do Sêfer Haakedá, que o Sol simboliza a porção material do mundo. Quando se quer descrever uma pessoa que é influenciada pelo materialismo, ou corre atrás deste, fala-se dele como alguém sobre quem o Sol nasce ou que é atingido por seus raios. Assim também consta em Shir Hashirim, capítulo 1: “Não repare que estou enegrecida, pois me bronzeou o Sol. Os filhos de minha mãe dominaram a mim, puseram-me para guardar os vinhedos - e o meu vinhedo não guardei”.

A explicação deste versículo é que a Congregação de Israel diz que correu atrás dos desejos deste mundo. O Sol a queimou, ou seja, estes conseguiram transformá-la em alguém cujo materialismo é a principal ocupação. “Os filhos de minha mãe dominaram a mim” significa que outros a influenciaram e a fizeram “guardar seus vinhedos”, ou seja, fazer com que prestasse atenção em assuntos para os quais não fora criada e que não condizem com ela. Ela guardou outros campos, do qual não tiraria o verdadeiro proveito.

“Meu vinhedo não guardei” - minha principal parte da vida, que é a meta espiritual, foi abandonada. A correria atrás dos desejos e deleites deste mundo a fez descuidar-se da espiritualidade, para a qual foi criada e para a qual veio ao mundo.

Além disso, cada um possui uma parte especial na Torá e na espiritualidade, que ninguém mais é capaz de alcançar. Muitas vezes, o indivíduo se dirige a outros campos, a metas e funções que não lhe cabem, enquanto sua verdadeira parte, “meu vinhedo”, é abandonada por ele, sem que lhe dirija nenhuma atenção.

A inveja quanto aos outros e a falta de vontade de se contentar com o que se possui deixam o indivíduo sem alcançar nenhum objetivo, pois o seu ele deixa de lado e o dos outros ele não é capaz de atingir.

A conclusão disso é que cada um deve se esforçar para atingir sua porção, a ele destinada por D’us, chegando assim a grandes conquistas espirituais e à verdadeira alegria da vida.

A Sucá Como Símbolo da Mobilidade

Baseado no princípio trazido no parágrafo anterior, o Olelot Efráyim explica por que uma sucá que possui mais sol do que sombra é inválida. Seu comentário é baseado na ideia de a sucá e os outros preceitos desta festa terem como meta retirar do coração a importância que o indivíduo dedica aos assuntos mundanos, fazendo-o perceber o valor do que está ligado ao Mundo Vindouro, aos preceitos e à espiritualidade.

O objetivo da saída de uma moradia fixa para outra provisória é demonstrar que todo este mundo é, na prática, provisório - enquanto o lugar fixo é, efetivamente, apenas o Mundo Vindouro.

Aquele que vive neste mundo, pode facilmente chegar a pensar que este é o principal objetivo da vida. Por isso, este preceito foi ordenado, para demonstrar que ele é provisório e que toda a sua importância provém do fato de ser ele uma preliminar para o Mundo Vindouro.

“A Época de Nossa Alegria”

A festa de Sucot é a “época de nossa alegria”, conforme se fala nas orações especiais destes dias. À primeira vista, a essência da sucá não combina com um tempo de alegria. Afinal, ela retira o indivíduo do lugar ao qual está habituado e no qual se sente confiante.

No livro Darkê Mussar (página 283) é explicado que a ligação estrita com este mundo não acrescenta alegria. Esta ligação significa correr atrás do materialismo, falta de contentamento, inveja e tristeza pelo que talvez fosse possível conseguir e que não se alcançou.

Nossos sábios ensinam no Pirkê Avot, que a inveja, a cobiça e a honra removem o indivíduo não só do Mundo Vindouro quanto também deste. Estas três características fazem com que a pessoa esteja sempre correndo atrás de seus desejos e nunca aproveitando do que possui.

Portanto, o passo de entrar na sucá, que é uma moradia provisória, simboliza a libertação desta corrida e o começo de uma vida sem estas três qualidades, que levam à tristeza e à decepção. Para chegar à verdadeira alegria, é preciso se sacudir deste mundo.

Ao perceber que as posses materiais não são o principal e que este mundo constitui apenas um corredor para o Mundo Vindouro, aumentam a alegria e o sentimento de possuir conquistas verdadeiras e preciosas.

No Darkê Mussar (página 284) são trazidas também as palavras do Rav Moshê Rosenstein, que exlica o porquê de se ler Meguilat Cohêlet no Shabat da Festa de Sucot. Segundo ele, este livro mostra como são fúteis os assuntos mundanos e aquele que o lê profundamente é capaz de interiorizar que “vão entre os vãos - é tudo vão” e que a principal meta é “a D’us tema e Seus preceitos guarde”, não havendo nenhuma outra verdade, exceto esta.

Aquele que chega a esta consciência está apto a se juntar a todo o Povo de Israel e se alegrar com a Torá, as mitsvot e todos os valores concedidos em grande número por D’us. A alegria é um conceito espiritual, só sendo verdadeira quando provém de algo obtido neste campo. Quanto a alegria ligada a assuntos materiais, ela nunca é completa, conforme se diz: “aquele que possui cem deseja duzentos”. Somente a alegria espiritual absoluta é considerada o “tempo de nossa alegria” verdadeiro.

Há aqueles que explicam que se lê Cohêlet em Sucot,porque este é o tempo da colheita e, uma vez que a alegria dessa época é capaz de fazer com que a verdadeira meta neste mundo seja esquecida, deve-se diminuí-la.

De acordo com as palavras do Rav Rosenstein, isto não é necessário. A alegria dessa época é positiva, devendo ser conduzida a um canal de reconhecimento dos tesouros espirituais e da futilidade das posses materiais, se comparados a estes, conforme consta em Cohêlet.

O Valor das Posses Monetárias

A época da Festa de Sucot é também propícia para refletir sobre o valor das posses materiais. No livro Olelot Efráyim é explicado que a riqueza se relaciona não só ao que se possui como também ao que já se gastou.

Quando alguém gasta dinheiro com algo necessário, seja no plano material - como sustento da família, saúde, etc. - quanto no espiritual - tsedacá, bondade, mitsvot, sustento de estudiosos da Torá, etc. - eis que ele cumpriu sua função e chegou a seu destino, sendo isto chamado de riqueza. O dinheiro que está guardado, não estando ainda claro se será utilizado para o bem ou para o mal, não é assim considerado.

Isto é oposto ao modo comum de pensar, segundo o qual quanto mais dinheiro possui guardado, mais rico o indivíduo é.

Na Festa de Sucot, quando nos libertamos do jugo material e saímos da morada fixa, é possível também chegar a uma consciência mais clara sobre o materialismo. Então, é possível compreender que o apego ao dinheiro não é bom e não traz felicidade àqueles que o possuem. A riqueza é a capacidade de aproveitar do dinheiro e retirar dele o proveito que se espera. Feliz é aquele que utiliza suas posses para ajudar os outros, incrementar o estudo da Torá e patrocinar atos que levem à santificação do Nome de D’us.

A Alegria com o Sucesso dos Outros

Após compreender isso, é possível também entender como se relacionar ao outro e ao seu sucesso. Na prática, existem três níveis em relação a isto, um mais elevado que o outro: sentir o sofrimento do outro, alegrar-se com a felicidade alheia e alegrar-se com o sucesso daqueles que se odeia.

O primeiro nível não é tão alto, sendo encontrado mesmo entre pessoas perversas e entre os animais. O Saba de Kelm diz que existem animais carnívoros que, após atacarem suas presas, devorarem-nas e, ao aplacarem seu desejo, são capazes de serem melhores. Do mesmo modo, existem pessoas que, após se alegrarem com a queda do outro, participam então de sua tristeza.

Alegrar-se realmente quando o outro está feliz, entretanto, já é um nível espiritual elevado. Isto é difícil para uma pessoa comum, pois a inveja é capaz de aflorar, o desejo de ser honrado se fortalecer e o indivíduo acabará não se alegrando. Aquele que domina tudo isso é abençoado.

É muito mais difícil ainda se alegrar com o sucesso de alguém que se odeia. Neste caso, é possível que apareçam diversos instintos: ódio, vingança, gosto pela vitória, inveja e outros, que são capazes de confundir os bons pensamentos. Consequentemente, aquele que é capaz de se dominar e vencer tudo isto, alegrando-se com o sucesso de seu inimigo, é extremamente valente, espiritualmente.

A estes níveis se referiu o Rei David no Livro do Tehilim, ao dizer: “Pusestes a alegria em meu coração, desde o instante que sua produção de trigo e de vinho aumentou”. Quando os frutos de outras pessoas se multiplicam, penetrava a alegria em seu coração.

Feliz e sagrado é aquele que é capaz de se alegrar com a felicidade dos outros.

“Todo Cidadão em Israel Sentará em Cabanas”

Na Festa de Sucot, cada membro do Povo de Israel recebe também a denominação especial de cidadão” (ezrach).

No livro Col Yehudá (página 132) é explicado que em Sucot, com a saída da casa e a ida para a sucá, percebe-se a temporariedade deste mundo e como o único lugar fixo é o Mundo Vindouro. Com isto, cada um torna-se um cidadão fixo do Mundo Vindouro, quando habita a sucá.

O Nível do Povo de Israel

Na haftará do primeiro dia de Sucot está escrito: “Este será o pecado do Egito e o pecado de todos os povos, que não subirem para festejar a Festa de Sucot”. Por que é exigido que eles cumpram justamente a Festa de Sucot e não outras? Por que sobre isto eles são julgados, se não cumprem também os outros preceitos?

Parece que a resposta é que na Festividade de Sucot estão implícitos conceitos essenciais, sendo que seus preceitos ensinam o que é fundamental na vida e o que não é. Os membros do Povo de Israel, que cumprem este preceito, são capazes de saber isso e se sentirem parte do Mundo Divino. Os outros povos, que não o fazem, são incapazes de atingir este nível de entendimento da verdade e viver à sua luz.

Deste modo, eles são castigados por não terem “subido para festejar a Festividade de Sucot” - por não entenderem a essência deste preceito e, consequentemente, ficarem afastados de seu conteúdo. Bem-aventurados são os Filhos de Israel, que entendem o que é uma moradia provisória e são felizes com o tesouro espiritual imenso concedido a eles por D’us.

Os Ushpizin

Em Sucot, recebemos, a cada dia, os ushpizin (visitantes), mencionados anteriormente. O Admor de Slonim zt”l se detém sobre o fato de que eles vêm justamente nesta época e não em outras festividades. Segundo ele, quando uma pessoa considera muito os assuntos mundanos e pensa em seu próprio bem, falta espaço em sua casa, para que entrem outros. Ao parar de agir apenas em benefício próprio, porém, utilizando tudo o que possui para ajudar a atingir metas espirituais, há espaço em seu mundo para receber visitas.

Assim, estas vêm na festa de Sucot, quando saímos da morada fixa e, com as ideias contidas nela, abre-se um lugar espiritual apropriado para tão ilustres hóspedes.