Em boa companhia
Além de médico brilhante, o Rambam também tinha um feeling muito apurado para tendências, temperamento e natureza dos seres humanos, como veremos nos próximos trechos.
Ele diz que é comum ao ser humano ser influenciado mentalmente, com ideologias e com atitudes, por seus amigos, pelo meio ambiente e pelo país em que vive. Entretanto, não devemos observar passivamente essas influências e nos deixarmos levar por elas.
Em primeiro lugar, as pessoas devem estar cercadas por outras, mas que sejam corretas e justas. E sempre ter a companhia dos nossos sábios, pois eles têm como meta de vida seguir as determinações da nossa Torá e, assim, evitam as influências negativas. Unindo-nos a eles, estaremos também imunes a essas influências, assimilando e aprendendo de suas condutas.
Por outro lado, torna-se necessário afastar-se das más pessoas, que vivem no escuro, para que não se assimile suas atitudes e ensinamentos. Shelomô Hamêlech escreve (Mishlê 13:20): “Este que vai junto com os sábios, também se tornará sábio; e o pastor dos tolos também será um tolo”. Nossos chachamim arremataram, em Pirkê Avot: “Seja a cauda dos leões, e não o líder das raposas”. Diz ainda David Hamêlech, no Tehilim (capítulo 1): “Bem-aventurada a pessoa que não seguiu os conselhos dos maus e não andou no caminho dos pecadores”... Afastando-se das más companhias, todo o desejo do indivíduo é a Torá de Hashem.
E se alguém vive em um país ou numa cidade com pessoas de hábitos negativos, que não se comportam com retidão, que mude para outro lugar, junto aos justos que se conduzem corretamente.
Diz o Rambam, se todos os países sobre os quais se tem conhecimento, as pessoas não se comportam de maneira adequada como nos dias de hoje (o Rambam já dizia isso naquela época!); ou se por motivo de saúde - no caso de regiões que favoreçam alergias respiratórias, por exemplo - o indivíduo não puder viver em países que as pessoas possuem uma conduta reta, então que ele viva isolado e sozinho. Como disse o profeta Yirmeyáhu (Echá 3:28): “Que sente sozinho”.
Caso seja um país que não permita o exercício de condutas corretas, como Sedom, onde era proibida a prática de bondade e de ajuda ao próximo, que o indivíduo vá residir em cavernas ou no deserto, para que não siga pelo caminho errado. Devemos procurar lugares onde estejamos cercados, em maioria, por pessoas corretas. “Quem me dera estar no deserto; isso me pouparia de influências negativas”, diz o profeta Yirmeyáhu (Yirmeyáhu 9:1).
O Rambam nos exorta a tomar atitudes corajosas e coerentes na escolha de nosso ambiente. Temos que dar absoluta importância de viver em locais onde a ética, a moral e a honestidade prevaleçam. Devemos viver em kehilot (comunidades) baseadas nos alicerces de temor a Hashem, cumprimento de Suas mitsvot e estudo de Sua Torá - comunidades cujo público dá ouvidos ao rabino que as dirige.
É imprescindível dar uma educação baseada nos conceitos milenares da Torá eterna e suas mitsvot imutáveis. É necessário passar a nossos filhos estes conceitos relevantes desde a tenra infância, para que o crescimento deles tenha fundamentos seguros e firmes, com valores éticos e morais tão necessários para sua formação. Assim poderão enfrentar os desafios que a vida inadvertidamente lhes apresentará.
Logo no início do Pirkê Avot, onde consta “Moshê kibel Torá Missinay” - Moshê recebeu a Torá no Monte Sinai - o Rav Ovadyá Mibartenura acrescenta as seguintes palavras: “’de Quem Se revelou’ no Monte Sinai”. Isso porque até mesmo os bons modos, o caráter ideal, a moral e a ética que constam no Pirkê Avot, todos estes foram ensinados por Hashem a Moshê, que transmitiu adiante para o povo.
Apesar das dificuldades de viver em tempos nos quais todos estes preceitos morais foram deixados de lado por muitos, nosso dever é nos unirmos a todos os que preservam estes princípios e não abrem mão deles em hipótese alguma. David Hamêlech declarou “lô yimná tov laholechim betamim” (Tehilim 84:12) - Hashem não privará do bem a todos aqueles que mantém sua integridade, sua lealdade à Torá e Suas mitsvot.
Oremos a Hashem que nos auxilie, para que sejamos exemplo deste estilo de vida para as próximas gerações e assim mereçamos as palavras do Rei David no último versículo do capítulo citado: “Hashem Tsevakot, ashrê adam boteach Bach” - “Hashem, bem-aventurada a pessoa que confia em Ti”.
Apegue-se aos sábios e seus discípulos
É uma mistvá, da Torá, viver perto dos sábios e de seus discípulos, para que se possa assimilar suas boas atitudes e aprender com eles.
Está escrito na Torá que é preciso estar unido à Shechiná (Presença Divina). O Rambam, então, pergunta: “É possível que um ser humano consiga se ligar à Shechiná?”. Nossos chachamim explicaram que isso é atingido por intermédio da ligação que se tem com os sábios.
Cada indivíduo tem de se esforçar para casar-se com a filha de um talmid chacham, pois sendo que ela cresceu num ambiente de muito boa influência, transmitirá isso a seus filhos. O Chazon Ish z’l escreveu que todas as moças que estudam em instituições religiosas como o “Beit Yakov” - escolas para meninas e moças, instituídas pela Sra. Sara Sznirer (lê-se “Shnirer”) e que têm o apoio dos grandes sábios da época, como o Chafets Chayim, o Admor de Gur, entre outros - são denominadas “filhas de talmidê chachamim”, pois recebem uma educação correta.
No decorrer dos anos foram fundadas escolas para meninas em todo o mundo com outros nomes, mas com o mesmo propósito do “Beit Yakov” - o de dar às meninas e moças uma educação para uma verdadeira “bat Yisrael”. Educação esta baseada nos preceitos da Torá e com a visão correta dos conceitos da Torá, não sendo necessário ressaltar a importância incomparável da tseniut (recato e discrição).
Deve-se também ajudar o talmid chacham a vender suas mercadorias o mais rápido possível na feira, para que este possa voltar ao estudo da Torá. Essa observação refere-se aos tempos antigos, nos quais o comércio de feira era a principal fonte de sustento das pessoas. Atualmente a ajuda ao talmid chacham seria conforme o comércio vigente.
O ser humano deve procurar unir-se aos sábios da Torá de todas as maneiras possíveis. Que coma e beba ao lado de um talmid chacham; que conviva, sempre que possível, com um estudioso de Torá, para adquirir sua postura e seu comportamento éticos.
Em Pirkê Avot, os chachamim usaram a seguinte expressão: “Procure estar próximo da terra onde os chachamim pisam”. Tudo para que veja e assimile sua boa conduta.
“E que beba com sede as palavras de nossos sábios”, conclui o Rambam.
Ame o próximo como a si mesmo
Uma das principais mitsvot da Torá é a de amar todo e qualquer semelhante como a si mesmo (camocha).
Para colocar essa mitsvá em prática, diz o Rambam, primeiramente, é necessário relatar as virtudes do próximo, louvando-o, por exemplo, mencionando sua bondade, sabedoria, etc. Ao fazer isso, internaliza-se o sentimento de afeição pelo semelhante.
Deve-se zelar pelo patrimônio do outro como se fosse seu. Isso se aprende no Pirkê Avot, onde está escrito: “Que os bens do próximo sejam valorizados por você como você valoriza os seus”.
Também se deve ser cuidadoso com relação à honra concedida para seu semelhante como se fosse para sua própria honra.
O Rambam encerra este parágrafo com as seguintes palavras: “Aquele que se faz respeitar em detrimento ao próximo não tem Olam Habá”. Ou seja, aquele que costuma criticar os erros dos outros e, em seguida, emenda dizendo que ele próprio não comete essas faltas, está tentando se fazer respeitar apontando as falhas dos outros.
Ame o guer tsêdek
Aqui o Rambam menciona que a mitsvá de amar um guer (convertido) engloba duas mitsvot: a de amar o próximo como a si mesmo e a propriamente dita, de amar o guer. A partir do momento em que o indivíduo se incorpora ao povo judeu e cumpre as mitsvot, recebendo sobre si as obrigações da nossa Torá, passa a ser denominado guer tsêdek, porque Hashem gosta dele como mencionado na Torá “veohev guer” - e ama o guer (Devarim 10:18).
Guer Tsêdek (prosélito justo) é denominado assim, porque ao se converter de coração, ele abraça os conceitos da Torá que a partir desse momento regerão sua vida. Passa a acreditar nos valores de emuná (fé), bitachon (confiança) e hashgachá peratit (Providência e Supervisão Divina) - sem nenhuma segunda intenção - mas unicamente pelos ideais que regem o povo yehudi. Ele poderia ter-se contentado com as “Sete Mitsvot de Benê Noach”, porém após reflexão profunda decidiu converter-se para fazer parte do Povo de Yisrael. Assim poderá ficar mais próximo de Hashem por intermédio do cumprimento das mitsvot da Torá.
Não odeie seu irmão em seu coração
O Rambam nos diz que todo aquele que odeia um yehudi transgride a mitsvá lô taassê de “não odeie seu irmão em seu coração”. É importante prestarmos atenção no ponto que enfatiza “em seu coração”. Essa é uma das coisas mais difíceis que existem e, se não seguirmos as orientações do Rambam para tirar esse sentimento do coração, a cada momento de nossas vidas essa proibição estará sendo transgredida.
O Rambam ainda chama a atenção para o fato de a Torá proibir o ódio no coração. Uma pessoa que agride fisicamente ou verbalmente o próximo, ainda que isso não seja permitido, ela não transgride a mitsvá de “não odiar o próximo em seu coração”. Nesse caso outras mitsvot estão sendo violadas. Por exemplo, um indivíduo que levanta a mão para golpear alguém é considerado rashá (perverso). Já aquele que dá um tapa no rosto de alguém, é como se estivesse batendo na própria Shechiná, pois o homem foi feito à semelhança de Hashem.
Não guarde rancor
Quando um indivíduo ofende alguém, ou briga com ele, a pessoa magoada não deve guardar isso no coração e ficar quieta, pois alimentará o ódio interno. Como nos conta o profeta Shemuel (Shemuel 2 13:22): “Avshalom, filho de David, não falou com seu irmão Amnon nem bem nem mal, porque Avshalom odiava Amnon”. Por isso, não conversava com ele.
É mitsvá esperar o momento adequado e se aproximar daquele que o ofendeu para questionar suas atitudes, caso acredite que elas foram agressivas. Mas isso deve ser feito de maneira gentil e educada, em uma oportunidade na qual ambos estejam equilibrados e tranquilos. Ao fazer isso, a pessoa estará cumprindo a mistvá de repreender o próximo.
Os chachamim dizem, em Pirkê Avot: “Quem é a pessoa respeitada? Aquela que respeita os outros”. Assim, concluímos que a pessoa deve ser objetiva, humilde e deve reconhecer seus erros, pedindo perdão a quem, eventualmente, tenha magoado.
Por outro lado, aquele que foi ofendido e, agora, recebe o pedido de desculpas, deve perdoar de bom grado. Não deve ser cruel e demorar a aceitar as desculpas. Assim, seu coração estará limpo de ódio e de qualquer outro tipo de ressentimento.
Avraham Avínu não foi muito bem tratado por Avimelech, que chegou a raptar Sará - para se casar com ela - pois pensava que ela fosse irmã de Avraham. Depois, o rei foi avisado por Hashem que Sará era esposa de Avraham. Ele a devolveu para seu marido, que, em troca, perdoou o rei e, mais ainda; rezou para que ele tivesse filhos, já que, até então, não possuía herdeiros para seu trono. Como resultado, o próprio Avraham, que ainda não tinha filhos com Sará, foi abençoado com o nascimento de Yitschak Avínu. Nossos sábios inferem deste episódio que aquele que reza em benefício de seu semelhante é atendido em primeiro lugar.
Quando perdoamos o outro rapidamente, evitamos transgredir - a cada instante que passa - a mitsvá de “não odiar o outro no seu coração”.
Do livro “Íntegro”.