
Esta emocionante história, contada pelo famoso Maguid, o Rabino Shabsi Binyamin Yudelevitz zt”l (1924 - 1996), ilustra como uma frase pode mudar uma vida. A história foi publicada no Derashot Lemoadim pelo Rabino Aharon Zacay, um autor prolífico em Jerusalém, que a ouviu do próprio Rabino Shabsi alguns anos atrás.
Há mais de cem anos, um rabino extremamente pobre de Jerusalém, o Rabino Lipa Kalashefsky, precisou viajar para o exterior para coletar dinheiro. A primeira parada do rabino foi na Itália. Ele chegou em Milão numa sexta-feira de manhã. Lá ele não tinha nenhum endereço específico para onde se dirigir.
O Rabino Kalashefsky começou a andar pelas ruas da cidade tentando descobrir onde ficava o bairro judaico. Enquanto andava, percebeu uma carruagem puxada por cavalos vindo em sua direção. Ao passar ao lado do rabino, o dono da carruagem ordenou ao cocheiro que parasse. O homem olhou pela janela e chamou o Rabino Lipa:
- Shalom alechem! O que um judeu como o senhor está fazendo em Milão?
O rabino olhou para a carruagem, surpreso com o fato de que um homem tão rico parasse para ele, e disse:
- Vim de Jerusalém e estou procurando pelo bairro judaico.
- Pois você está com sorte! - disse o homem rico, enquanto descia da carruagem e cumprimentava calorosamente o Rabino Lipa. - Não encontramos muitas pessoas como o senhor nesta parte do mundo!
O Sr. Hilvitch ajudou o rabino a subir na carruagem e juntos foram para a mansão da família. No caminho, os dois judeus de partes diferentes do mundo conversaram amigavelmente e trocaram algumas informações sobre suas respectivas famílias.
Não demorou muito e o Sr. Hilvitch disse gentilmente:
- Por favor, rabino. Permaneça conosco para o Shabat. Ficaremos honrados em tê-lo em nossa casa.
O rabino ficou muito feliz com o convite. Quando a carruagem chegou na mansão, ele foi levado ao quarto de hóspedes e imediatamente começou a preparar-se para o Shabat.
Naquela noite, o Sr. Arie Leib Hilvitch e o rabino Lipa foram para a sinagoga. Após a reza, o Sr. Hilvitch e seus filhos orgulhosamente acompanharam seu convidado até a bela mansão.
Conforme o jantar era servido, o rabino ficou impressionado com as taças de cristal e as pratarias nas quais eram servidas as iguarias. Ele nunca tinha visto tanto ouro e prata num único lugar. De repente, o rabino percebeu algo estranho numa das prateleiras. Era um frasco de vidro quebrado. Pontas irregulares de vidro sobressaíam grotescamente - uma peça nada apropriada para uma mansão daquelas.
Enquanto o rabino olhava para o frasco quebrado, o senhor Hilvitch percebeu que ele se distraíra da conversa.
- Está tudo bem, rabino? - perguntou o Sr. Hilvitch.
- Por favor, não se incomode com a minha curiosidade - disse o rabino suavemente. - Aquele frasco quebrado parece deslocado em sua bela estante. Existe algum motivo especial para ele estar lá?
O Sr. Hilvitch deu um sorriso e olhou para seus filhos sentados ao redor da mesa. Eles já tinham ouvido a história muitas vezes, mas poucos visitantes chegaram a reparar sozinhos no frasco quebrado. Normalmente era o senhor Hilvitch que iniciava o assunto sobre ele, mas o rabino Kalashefsky era bastante perceptivo. “Como é maravilhoso ter um judeu de Jerusalém em minha casa”, pensou o senhor Hilvitch.
- Esta é uma longa história. Se o senhor permitir, ficarei feliz em contá-la - disse o anfitrião, esperando que o rabino concordasse.
- Estou ansioso para ouvi-la! - respondeu o convidado.
Então o Sr. Hilvitch contou a seguinte história:
“Eu nasci em Amsterdã. Quando tinha dezoito anos de idade, meu avô, que vivia aqui na Itália, escreveu para meus pais contando que sua saúde não estava muito boa. Ele precisava que alguém da família viesse ajudá-lo nos negócios e perguntou se eu poderia fazer a bondade de passar algum tempo com ele.
“Meus pais acharam uma boa ideia que eu tivesse alguma experiência comercial e me encorajaram a vir. Fiquei alguns meses com meu avô. Sua saúde piorou ainda mais e ele parou de comparecer à loja. Comecei a tocar o negócio sozinho, relatando tudo o que fazia ao vovô de noite. Após algumas semanas ele faleceu.
“Meus pais queriam que eu fechasse o negócio e voltasse para Amsterdã, mas eu tinha adorado a atmosfera do mundo dos negócios. Estava gostando de ganhar meu próprio dinheiro e pedi permissão aos meus pais para manter o negócio aberto por mais algum tempo.
“Para surpresa de todos, comecei a me dar muito bem aqui na Itália. Os clientes gostavam muito de mim e os negócios começaram a melhorar bastante. Eu estava vendendo mais mercadorias que meu avô jamais vendera. Então escrevi para meus pais dizendo que gostaria de permanecer na Itália.
“O negócio cresceu tanto que abri uma filial. Eu estava ocupado dia e noite. Certo dia, fiquei tão envolvido com meu trabalho, que não rezei Minchá. Este foi o início de meu afastamento do judaísmo. Logo, chegou um dia que perdi Shachrit também, com a desculpa que seria negligente em apenas um dia - e que certamente rezaria amanhã. O amanhã nunca chegou. Meu cumprimento de mitsvot também foi diminuindo.
“Casei aqui na Itália, tive filhos e tornei-me muito rico, mas abandonei o caminho de meus pais e avós. Embora sempre me lembrasse que era judeu, minha prática de mitsvot era quase nula.
“Certo dia, estava andando por uma rua onde algumas crianças judias brincavam. Todas pareciam felizes - como as crianças frequentemente o são. Então ouvi uma delas chorando. Era um menininho que chorava amargamente e nenhum dos amigos conseguia consolá-lo. Fiquei observando a cena por alguns momentos. Enquanto os outros garotos rodeavam o menino, ele repetia a mesma frase entre amargos soluços. ‘O que direi para o meu pai?’ ele choramingava. ‘O que direi para o meu pai?’
“Aproximei-me dos garotos e perguntei: ‘O que está acontecendo?’
“Todos se voltaram para o pobre garoto, que disse: ‘Estou com um grande problema. O que direi para o meu pai?’
“‘Mas o que aconteceu?’ perguntei novamente. ‘Talvez eu possa ajudá-lo’.
“Os outros garotos explicaram que o menino era de uma família muito pobre. Seu pai havia poupado algumas preciosas moedas durante todo o inverno para poder comprar um frasco de óleo para acender as luzes de Chanucá. Naquela tarde ele tinha mandado seu filho comprar o óleo e advertiu-o para sair da loja e ir direto para casa. Ele não deveria ficar brincando com os amigos, pois o frasco de óleo poderia se quebrar. O garoto comprou o óleo, mas quando viu seus amigos brincando, juntou-se a eles. Não demorou para o frasco quebrar e esparramar o óleo pelo chão.
“Depois da explicação, olhei novamente para o menino, que continuava se lastimando e dizendo preocupado para si mesmo: ‘O que direi para o meu pai?’
“Senti um grande pesar pela situação do garotinho e disse que iria ajudá-lo. Voltei com ele à loja e comprei-lhe um frasco de óleo muito maior que o outro. Disse-lhe para ser cuidadoso e, para a alegria de todos os meninos que tinham nos acompanhado, mandei-o exultante de volta para casa.
“Enquanto eu voltava para casa naquela noite, as palavras do garoto ecoavam em meus ouvidos: ‘O que direi para o meu pai? O que direi para meu pai?’
“Comecei a pensar comigo mesmo: ‘E eu? O que direi para o meu pai? O que direi para o meu Pai no Céu - depois dos meus 120 anos?’
“Eu me afastara tanto do judaísmo que quase tinha esquecido que já era Chanucá! Que desculpa teria quando me apresentasse ao Criador, no Dia do Julgamento?
“Voltei para o lugar onde as crianças tinham brincado, recolhi o frasco quebrado junto com os cacos espalhados e levei-os comigo para casa. Naquela noite, para surpresa de minha esposa e de meus filhos, acendi uma vela de Chanucá.
“Na noite seguinte acendi duas. A cada noite, acrescentei uma vela. Olhei para as velas enquanto cintilavam, lembrando-me da casa de meus pais em Amsterdã. Afastara-me demais - talvez além da conta.
“Aquele Chanucá foi o início de meu retorno ao judaísmo. Ao final, com a ajuda de minha esposa, começamos a ensinar aos nossos filhos o caminho de nossos pais.
“Nosso caminho de volta iniciou-se com este frasco quebrado e com as palavras do garoto: ‘O que direi para o meu pai?’ É por isso que guardo o frasco - como um tesouro, relembrando aquele momento que transformou minha vida.”
O Rabino Lipa sorriu. Sua face brilhava com a história que acabara de ouvir. Pensou consigo mesmo que aqueles momentos já fizeram valer sua viagem. A face do Sr. Hilvitch também estava radiante. Apesar de já ter contado aquela história muitas vezes, sempre ficava emocionado.
Espontaneamente, ambos se levantaram e aproximaram-se do armário para contemplar o precioso frasco partido.
* * *
Quando Yossef era o vice-rei do Egito, ele acusou seu irmão Binyamin de ter roubado uma taça de prata e insistiu que o jovem permanecesse como escravo no Egito. Então seu irmão Yehudá opôs-se veementemente, porque havia assumido a responsabilidade de levar Binyamin de volta para seu idoso pai.
Naquela oportunidade, Yehudá exclamou para Yossef (Bereshit 44:16): “Como voltarei ao meu pai se o jovem não estiver comigo?”
O grande sábio chassídico discípulo do Báal Shem Tov, o Rabino Meir de Premishlan, explicou que esta questão também é a mesma que devemos nos fazer: “Como podemos nos apresentar ao nosso Criador no Dia do Julgamento se nossos jovens (nossos filhos) não estão conosco - isto é, se não os educamos no caminho da Torá?”
Analogamente, o primeiro Rebe de Gur, o Rabino Yitschac Meir Alter (1789-1866) - Chidushê Harim - também vê na pergunta de Yehudá uma questão que devemos fazer a nós mesmos: “Como podemos chegar ao nosso Pai no Céu sem trazer ‘nosso jovem’, ou seja, sem consertar nossa juventude, arrependendo-nos dos pecados que fizemos quando jovens?”
Esta foi a lição que Arie Leib Hilvitch conseguiu entender, graças a um frasco quebrado de óleo.
do livro “Echoes of the Maggid” do Rabino Pessach J. Krohn.
Publicado com permissão da Mesorah Publications.