
No final do século passado, o Rabino Yossef Yisrael Reichner e sua esposa, Feiguele, viviam com seus onze filhos na cidade de Pressburg, na Hungria.
Oito das crianças eram meninos. Cada um deles frequentou uma yeshivá para crianças pequenas e depois a yeshivá para adolescentes chamada “Yessodê Hatorá”.
Em Yessodê Hatorá eles tiveram o privilégio de ser alunos de um professor excepcional, um senhor de idade chamado Rabino Leizer Hacohen Katz.
O Rabino Leizer era um homem muito piedoso. Ele era amado por todos os membros da comunidade judaica de Pressburg. As pessoas se referiam a ele como “o tsadic de Pressburg” - o justo de Pressburg. Antes de cada yom tov, muitos pais da cidade enviavam seus filhos para pedir uma bênção ao tsadic.
Rav Leizer vivia sozinho num pequeno apartamento na rua conhecida como “Zidovska Ulitza” - a rua judaica - por causa das lojas e negócios judaicos nela instalados.
Quando os garotos da família Reichner cresceram, tornaram-se imbuídos de amor pela Torá e pelas mitsvot, principalmente devido à influência do Rav Leizer. A yirat Shamáyim e hatmadá - temor aos Céus e diligência no estudo da Torá - daquele mestre eram realmente merecedores de serem imitados. Os garotos de sua classe não só o admiravam, mas se esforçavam para ser como ele.
Os anos se passaram e Rav Leizer foi ficando fraco e com saúde frágil. Chegou um tempo que ele não conseguia mais ensinar seus jovens alunos. Ele simplesmente não tinha forças para continuar lecionando. Relutante, aposentou-se do ensino. Nessa época, ele passava a maior parte do tempo sozinho em seu apartamento.
Em Pressburg, entretanto, existia uma organização chamada “Torat Chêssed” que fornecia um pequeno salário às pessoas idosas que estudavam Torá pelo mérito de pessoas falecidas. Rav Leizer foi contratado para estudar Torá diariamente e aquela magra pensão tornou-se sua única fonte de renda.
A senhora Feiguele Reichner, entretanto, não tinha se esquecido de tudo o que Rav Leizer fizera por seus oito filhos. Assim, todos os dias, na hora do almoço, ela lhe enviava um pacote com uma refeição, que continha o suficiente para o jantar também. Além disso, antes de cada yom tov ela colocava um pouco de dinheiro no pacote para que Rav Leizer pudesse comprar algo novo - uma roupa talvez - para a festividade que se aproximava. Isto durou mais de duas décadas!
Pouco após Pressburg se tornar parte da Tchecoslováquia, em 1925, Rav Leizer faleceu. Alguns anos depois, ambos, a senhora Reichner e seu marido, Rav Yisrael, também faleceram.
* * *
Uma geração se passou.
Era a noite seguinte a Yom Kipur de 1944. Os soldados nazistas estavam invadindo furiosamente a cidade de Pressburg. Desvairados, buscavam pelos judeus em todas as casas da cidade. Eles estavam deportando o máximo possível de judeus para campos de concentração. Embora os nazistas já tivessem percebido que o final da guerra estava próximo, seu terrível ódio os impulsionava a tentar eliminar cada judeu que pudessem.
Todos os judeus encontrados, independente do passaporte que portavam, eram arrastados de suas casas e empurrados para seu amargo destino.
Certa tarde, dois jovens soldados nazistas chegaram à casa de Ashi Reichner - um dos oito filhos da senhora Reichner. Em resposta às furiosas batidas, Ashi abriu a porta e os nazistas irromperam:
- Quantos judeus há nesta casa? - vociferou o soldado no comando.
- Somente minha esposa está aqui comigo - respondeu Ashi num tom de voz equilibrado.
- Chame-a e venha conosco! - ordenou o nazista.
- Vocês deveriam se envergonhar - disse Ashi com dignidade. - Incomodando pessoas de idade em seus lares... Que utilidade pode ter um velho como eu num campo de trabalho?
- Fora! - gritou o soldado. - Siga as ordens e mexa-se ou vai ver o que é bom para você! - ele ameaçou. - Vocês dois! - gritou novamente, virando-se de Ashi para Miriam, que agora estava parada ao lado da porta.
- Desçam já! - foram as últimas palavras que o casal ouviu antes de sair.
Eles obedeceram o soldado e saíram da casa no mesmo instante. Lá fora, de repente, os nazistas haviam desaparecido.
Ashi e Miriam não podiam imaginar aonde teriam ido. “Talvez”, pensaram os dois, “os jovens soldados acharam que aquele casal de velhos judeus aterrorizados não se moveria até que seus captores retornassem de sua procura casa a casa por mais judeus”.
Ashi sabia que eles não podiam desperdiçar aquela inesperada chance de liberdade. Imediatamente, contou à sua esposa que sabia que em um lugar, no lado oeste da cidade, os judeus estavam sendo abrigados num bunker - um abrigo subterrâneo. Sua esposa logo argumentou que existia um lugar mais seguro no lado leste da cidade. Ela achava que eles deveriam tentar correr para lá. Aterrorizados, os dois discutiam freneticamente a direção para a qual deveriam correr.
A tensão aumentava a cada segundo. Suas vidas poderiam depender da decisão que estavam prestes a tomar. No entanto, não havia tempo para muita reflexão, para encontrar a solução mais lógica. Teriam que agir instintivamente. Naquele momento, Ashi se lembrou de um ensinamento de nossos sábios (Talmud, Nidá 45b), segundo o qual D’us infundiu nas mulheres um sentido extra de percepção, e resolveu ouvir sua esposa.
Os Reichner corriam o mais rápido possível, nunca olhando para trás, em direção à zona leste da cidade. Eles iam em direção ao suposto prédio que abrigava judeus. Miriam ouvira alguém comentar que aquele prédio abrigava refugiados judeus, mas eles definitivamente não estavam certos do que encontrariam naquela construção.
Os fugitivos assustados entraram correndo no prédio, dirigiram-se ao segundo andar e bateram violentamente na porta. Uma senhora não judia abriu a porta, reconheceu-os como judeus e rapidamente conduziu-os para dentro. Aquela mulher alta e magra recepcionou os aterrorizados Reichner e apresentou-os rapidamente às outras doze pessoas que já estava acolhendo no pequeno apartamento.
Extraordinariamente, entre os abrigados havia outros membros da família Reichner: a própria filha de Ashi e Miriam, o genro e um neto. Todos tinham se esgueirado secretamente para lá.
A moradora do apartamento era chamada carinhosamente por seus protegidos de Anna “néni” - Dona Anna. Por oito meses, até que os russos chegaram para libertar a Tchecoslováquia, aquela nobre senhora arriscou sua vida a cada dia, quando ia ao mercado comprar comida para as pessoas que estava mantendo vivas. Ela cobria a comida que comprava com madeira ou carvão, para que não levantasse suspeitas. Se os nazistas com os quais ela cruzava pela rua percebessem para quem eram as compras, Anna néni seria morta imediatamente a sangue-frio.
No apartamento havia um imenso armário. Atrás do armário existiam dois quartos onde quatorze pessoas se alojavam. Todos os que ficaram com Anna néni se salvaram. Soube-se posteriormente que todos os judeus que procuraram refúgio no bunker do outro lado da cidade, entretanto, foram descobertos e assassinados.
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O detalhe mais incrível e admirável de toda esta história é a resposta à seguinte pergunta: Qual a ligação entre o professor Rav Leizer e a salvação de seu aluno Ashi Reichner.
O apartamento em que Ashi Reichner, sua esposa, filha, genro e neto foram salvos era o mesmo apartamento no qual aquele professor da yeshivá, Rav Leizer Hacohen Katz, vivera seus últimos anos de vida! Foi exatamente naquele apartamento que a generosa senhora Feiguele Reichner tinha mantido o tsadic de Pressburg vivo. Naquele exato lugar, D’us também providenciou, anos mais tarde, um abrigo e a salvação para os filhos, netos e bisneto da senhora Reichner.
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No segundo livro da Torá (Shemot 34:7) está escrito: “Notser chêssed laalafim - (D’us) preserva atos de bondade por milhares de gerações”. O Rabino Shimshon Refael Hirsch (1808-1888) aponta que a palavra “notser” também significa “criar” ou “fazer florescer”. Assim, D’us faz florescer a bondade (realizada por alguém) para suas gerações futuras.
Em outras palavras, essa expressão também pode se referir à seguinte característica da benevolência Divina: D’us faz com que um ato de bondade (chêssed) feito por um indivíduo não permaneça meramente como uma entidade isolada em si, mas que se torne uma semente da qual brotarão a redenção e a alegria. No entanto, muitas vezes acontece de a recompensa florescer numa data posterior, para um descendente em outra geração, como aconteceu com os Reichner.
Nosso papel é “plantar sementes”, mas é o “Matsmiach Yeshuot”, Aquele que faz a salvação florescer, que em Sua infinita sabedoria decide o momento certo para a colheita.
do livro “In the Footsteps of the Maggid” do Rabino Pessach J. Krohn. Publicado com permissão da Mesorah Publications.