Sobre repreender o próximo
O indivíduo que vê alguém pecar ou seguir por um caminho errado, tem a mitsvá de trazê-lo de volta ao bom caminho, e avisá-lo de que está fazendo mal a si mesmo. Ele é o primeiro a se prejudicar, ao transgredir as mitsvot da Torá. “Repreenda, repreenda o próximo” (Vayicrá 19:17). Mas não o envergonhe, diz a Torá. A repreensão deve ser feita de maneira gentil e educada, sem causar constrangimento ao outro. Quem não souber como fazê-lo, está isento dessa mitsvá.
A repetição da palavra “repreenda” indica que a advertência deve ser feita até o ponto em que o repreendido levante sua mão contra quem o está admoestando. Se ele assim o fizer, tentando agredi-lo, o outro estará isento de repreendê-lo.
Há ainda uma importante observação com relação ao que está sendo infringido. Caso sejam mitsvot explícitas na Torá, é uma obrigação advertir o transgressor. Se forem mitsvot ordenadas por nossos chachamim, que não estão explícitas na Torá, só se deve alertar o outro se tiver certeza de que ele ouvirá e acatará a repreensão.
Nossos chachamim dizem: “É melhor não dizer aquilo que não será ouvido”. Mas essa avaliação cabe, exclusivamente, a nossos sábios, que conseguem analisar, exatamente, com quem estão lidando.
Aquele que repreende seu semelhante nos assuntos relacionados aos dois, ou a questões entre ele e o Criador, deve fazê-lo de forma particular, discreta, tranquila e com uma linguagem terna. Deve explicar ao transgressor que só está pensando no bem dele e que, em Am Yisrael, um é responsável pelo outro - Yisrael arevim zê bazê. Devemos imaginar que nós, yehudim, somos todos passageiros de um mesmo barco. Se um dos viajantes deliberadamente cavar um buraco no casco, todos afundarão com ele.
Esse comprometimento ocorreu no Har Sinay, entre todas as almas judias que ali estavam e proclamaram: “Naassê venishmá” (faremos e ouviremos). Ninguém se opôs à Outorga da Torá. Aprende-se a partir desse conceito que as mitsvot que dependem da audição - como kidush, tekiat shofar, leitura da meguilá - um yehudi pode isentar o outro. Desde que tenha esta intenção (cavaná) - a de eximir os ouvintes - e contanto que os ouvintes tenham também a intenção de se isentar da obrigação da mitsvá.
Caso o infrator não escute a advertência, que seja repreendido novamente e tanto mais vezes quanto forem necessárias. Só se deve desistir da reprimenda quando o indivíduo levantar a mão contra seu repreensor (como explicado anteriormente).
Finalizando, quem tem a condição de chamar a atenção de alguém, mas não o faz, carregará sobre si o pecado cometido pelo outro.
Não envergonhe seu semelhante
Aquele que repreende seu semelhante não deve falar palavras duras, a ponto de constrangê-lo, mudando até a cor de sua fisionomia. “Tome cuidado para não arcar com as consequências”, escreve o Rambam.
Daqui se aprende que não se pode envergonhar o próximo e, pior ainda, em público.
Diz o Rambam que alguém que envergonha o próximo comete um grande pecado. Todo aquele que envergonha seu semelhante em público não tem Olam Habá.
Sendo assim, é preciso ter cuidado para não constranger até mesmo quem não tenha atingido a idade de bar mitsvá. Também não se deve apelidar com alcunhas que ridicularizem, bem como relatar episódios que envolvam a pessoa e possam deixá-la constrangida. Por exemplo, quando alguém faz teshuvá e lembram-no de seu passado. Isso é proibido e muito grave.
Perdoe
Se um indivíduo faz algo para nós, mas nós não queremos repreendê-lo, pois ele é muito tolo ou desequilibrado, e, assim, aquele que foi agredido e ofendido o perdoa, isso se trata de um atributo de chassidut, extremamente nobre.
Consideração por órfãos e viúvas
É necessário ter um grande cuidado ao lidar com órfãos e viúvas, porque seu estado emocional e seus sentimentos estão moralmente abalados. Este cuidado deve existir até mesmo se eles forem ricos. Somos obrigados a ter esta consideração até mesmo pela viúva e órfãos de um rei.
Deve-se falar com eles de forma gentil e tratar de forma honrada e respeitosa. Não se pode causar-lhes dor física com excesso de trabalho ou agravar seus sentimentos com palavras duras. É preciso demonstrar mais consideração por seus interesses monetários do que para com os nossos próprios. Qualquer pessoa que os envergonhe, os deixe irritados, magoe seus sentimentos, os oprima ou lhes cause perdas financeiras transgride esta proibição. Certamente isto se aplica também se alguém bater neles ou os amaldiçoar.
Embora alguém que transgrida esta proibição não é passível de penas ou sanções infligidas por tribunais, a punição que se sofre por esta proibição é mencionada na Torá de forma explícita (Shemot 22:23): “E acender-se-á Minha ira e matar-vos-ei com a espada.” Há um pacto entre eles e o Criador, que quando quer que eles chorem porque foram prejudicados, maltratados ou ofendidos, serão atendidos conforme citado (Shemot 22:22): “Se os afligirdes e se clamarem a Mim, certamente escutarei o seu clamor.”
Quando é que isso se aplica? Quando alguém faz com que eles sofram para seu próprio proveito. Entretanto, um rabino tem permissão de causar sofrimento a eles se estiver lhes ensinando Torá, ou alguém que estiver lhes ensinando um ofício, ou para treiná-los a ter um comportamento adequado. No entanto, ele não poderá proceder da mesma forma como trataria outros alunos, mas sim, deve fazer uma distinção em consideração a eles e tratá-los gentilmente, com piedade e respeito, porque conforme mencionado: “Pois Hashem abraçará sua causa”.
Isto se aplica tanto a órfãos de pai quanto de mãe. Até quando são considerados órfãos no contexto desta mitsvá? Até que não necessitem mais de um indivíduo maduro para ampará-los, instruí-los e cuidar deles, e eles estiverem aptos a cuidar de todas as suas necessidades sozinhos, como outras pessoas adultas e maduras.
Lashon hará: a origem da Galut
Neste capítulo, o último de sua obra, o Rambam dedica-se intensamente a nos alertar sobre quão grave é o pecado de lashon hará (maledicência e intriga).
Como sabemos, o Primeiro Bet Hamikdash foi destruído como consequência pela transgressão dos três pecados capitais: avodá zará (idolatria), violações às proibições ligadas à sexualidade e assassinato. O Segundo Bet Hamikdash foi destruído por sin’at chinam (ódio gratuito). Interessante notar que o Bet Hamikdash foi reconstruído após a destruição do primeiro, com a inauguração do Segundo Templo, após 70 anos, num sinal de que Hashem havia perdoado as faltas do povo. O segundo (que será o Terceiro Bet Hamikdash) ainda não foi reconstruído. Ansiamos fervorosamente por isso, que acontecerá na era de Mashiach. Assim, nossos chachamim concluíram que, enquanto a causa da destruição do Segundo Bet Hamikdash (sin’at chinam) não for retificada, o Templo não será reerguido. Isso é a prova de que sin’at chinam, infelizmente, ainda persiste entre nós.
No século XIX, viveu na Alemanha um grande rabino chamado Rav Shimshon Refael Hirsch z”l. Sua contribuição ao Judaísmo foi muito importante, pois ele foi contemporâneo do florescimento do Iluminismo. Ele sabia muito bem alemão e, assim, escreveu e falou extensivamente sobre a necessidade de preservar o Judaísmo. Com o tempo, seus livros foram traduzidos para o hebraico e para outros idiomas.
Ao abordar os pecados de avodá zará, relações ilícitas e assassinato, ele afirma o seguinte: “Avodá zará - idolatria - é uma falta contra Hashem; relações ilícitas ligadas à sexualidade é um pecado contra a própria pessoa, e assassinato é, obviamente, um erro cometido para com o semelhante”. Assim, Rav Hirsch escreve que o que destruiu os dois Batê Hamikdash foram nossas atitudes. Durante a época final do Primeiro Bet Hamikdash, o pecado mais transgredido foi o das relações ilícitas, que estão ligadas a tirar o máximo proveito deste mundo. O Segundo Templo foi destruído pelo ódio. E Rav Hirsch define o ódio como um amor extremado que a pessoa sente por si mesma e que, automaticamente, a leva a não gostar de mais ninguém. Trata-se de egoísmo.
Assim, a reconstrução do Terceiro e definitivo Bet Hamikdash só será possível quando forem retificados esses dois pecados: o das relações sexuais ilícitas, vinculadas a extrair o maior proveito possível deste mundo (causa principal da destruição do Primeiro Templo) e o egoísmo (sin’at chinam), fator determinante para a destruição do Segundo Templo.
Camtsa e Bar Camtsa
Nossos chachamin dizem que Jerusalém foi destruída por conta do caso Camtsa e Bar Camtsa (Guitin 54b).
O Talmud relata que, à época do segundo Bet Hamikdash, um homem resolveu dar uma grande festa e para ela convidaria toda a cidade, exceto seu arqui-inimigo, Bar Camtsa. Por um erro de seus mensageiros, porém, o convite endereçado a Camtsa, que era amigo do anfitrião, foi parar nas mãos de Bar Camtsa, que se sentiu lisonjeado, ao ser convidado para a festa. Ao chegar ao banquete, porém, Bar Camtsa foi recebido de modo agressivo pelo dono da casa, que exigiu que se retirasse imediatamente. Já envergonhado em público e tentando evitar maior constrangimento, Bar Camtsa pediu para que o anfitrião o deixasse ficar. Se ele assim o fizesse, Bar Camtsa arcaria com o valor de tudo o que consumisse na festa. O homem negou. Bar Camtsa, então, se ofereceu para pagar metade das despesas da festa. O homem novamente disse não. Bar Camtsa dobrou sua oferta, comprometendo-se a pagar por toda a festa. O anfitrião estava irredutível. Humilhado, Bar Camtsa deixou o lugar jurando vingança. Em sua mente, todos os presentes ao banquete, incluindo sábios da Torá, eram culpados, pois não tinham se levantado em sua defesa. Assim, Bar Camtsa decidiu caluniar o povo judeu para o imperador romano e, dessa maneira, teve início a destruição do Segundo Templo.
Nosso trabalho para que o Terceiro Bet Hamikdash seja construído deve ser o de limpar nosso coração de todo e qualquer ódio contra nosso semelhante. De maneira inversa, como o templo foi destruído pelo ódio, ele será reerguido pela erradicação desse sentimento, a raiz do problema. Tanto o Ben Ish Chay quanto o Chafets Chayim, em suas respectivas obras, citam que o ódio está ligado a lashon hará. Por exemplo, se uma pessoa tem um filho, e o mesmo cometeu um erro, o pai fará de tudo para limpar a honra dele. Jamais fará lashon hará contra o mesmo. Assim, todas as vezes que o indivíduo estiver na iminência de fazer um comentário maldoso ou um mexerico, deve pensar que seu filho poderia estar no lugar daquele sobre quem se está falando. Dessa forma, abster-se-á de fazer lashon hará, pois nunca um pai faria isso contra seu filho.
O Ben Ish Chay, em um de seus livros sobre agadot do Talmud, “Ben Yehoyadá” - Guitin 56a - nos apresenta uma ilustração muito interessante sobre essa questão. Há uma passagem no Talmud que relata sobre a destruição do Segundo Bet Hamikdash. Àquela época vivia um grupo de valentes e fortes yehudim - os biryonim (pessoas que têm ímpeto para guerrear). Quando nossos sábios propuseram que se fizesse paz com os romanos, os biryonim rejeitaram a ideia. Queriam fazer guerra de qualquer forma. Explica o Ben Ish Chay que o grupo de valentes se apoiava no fato de a voz da Torá ser forte à época, ou seja, o povo se mantinha permanentemente ocupado com o estudo da Torá. Os chachamim disseram que não teríamos a ajuda de Hashem nessa batalha, por conta do pecado de lashon hará, que deriva do ódio, pois só se fala mal de quem se odeia. A voz de lashon hará abafa a voz da Torá.
Ainda à época do Primeiro Templo, o profeta Yirmeyáhu, autor da Meguilat Echá (que versa, justamente, sobre a destruição do Bet Hamikdash), alertava a população para as consequências de não se fazer teshuvá pelos pecados cometidos e isso levaria à destruição do Templo. De tanto falar sobre isso, Yirmeyáhu despertou a ira das pessoas, que acabaram jogando o profeta num poço cheio de barro, tudo para evitar sua tochachá (admoestação).
Há um passuk, na Meguilat Echá, que diz: “Você encobriu o céu com nuvens para que a tefilá passe”. Rabi Yonatan Eibischutz explica esse passuk da seguinte maneira: O que impede que a tefilá suba aos Céus? As conversas fúteis e banais no Bet Hakenêsset de forma geral e mais ainda durante a tefilá. Essas tefilot impedidas ficarão esperando o momento em que a pessoa fará teshuvá - rezando com concentração e lágrimas - e, então, poderem ascender até Hashem. Mas a exceção é se o indivídio fizer juramentos, disser palavras de baixo calão ou se (chalila) denunciar até mesmo a respeito dos bens do próximo (???? ???? ?????) - mosser mamon Yisrael. Com essas transgressões, nem com o tempo suas tefilot se juntarão e subirão às Alturas. Assim, as nuvens às quais se refere o profeta são formadas por palavras proferidas por nossas próprias bocas.
Rechilut (mexerico)
O Rambam diz que aquele que espiona (fuxicando, bisbilhotando) o próximo transgride uma mitsvá ativa, conforme escrito na Torá, “não andarás com mexericos no meio do povo”. Embora quem a transgredisse, à época do Templo, não recebesse 39 chicotadas, ainda assim, trata-se de um grande pecado. É o causador de muitas mortes em Am Yisrael. Ou seja, a pessoa colhe informações num lugar e vai andando, levando a outros, falando mal de seus semelhantes - fazendo lashon hará. O termo que a Torá usa para isso é rachil. Em hebraico, rochel quer dizer ambulante, mascate. Isto é, alguém que ouve comentários, notícias e, como um vendedor ambulante “vende” essas histórias para outros, não importando se são boas ou ruins, verdadeiras ou falsas.
Diz o Rambam que o passuk após a proibição de rechilut é não permaneça quieto, não fique indiferente enquanto o sangue do seu irmão está sendo derramado. Ou seja, aquele que faz rechilut gera intrigas e difama as pessoas, arrasando seu prestígio, denegrindo sua honra, causando danos irreparáveis ao seu bom nome. Isso, até mesmo, em se tratando de informações verdadeiras. Esse tipo de conduta destrói o mundo (como o foi o Bet Hamikdash).
Lashon hará (falar mal):
Há um tipo pior que o mexeriqueiro. Aquele que fala mal do próximo, ressaltando seus erros (ainda que sejam verdadeiros). Isso é Lashon Hará.
Motsi shem rá (caluniar):
Há aquele que inventa coisas sobre o próximo, que o calunia. Isso é motsi shem rá.
O baal lashon hará (aquele que faz maledicência), que está habituado a fazê-lo diz: “Assim eram também seus antepassados...” ou “É, assim ouvi sobre ele...”. E, nessa conversa banal, procura de forma leviana, maldosa, difamar o sujeito em questão. Sobre isso, escreveu David Hamêlech no Tehilim: “Que Hashem extermine todo aquele que possui esse tipo de linguajar”.
Caret é uma das penas capitais da Torá. Entre os pecados sobre os quais recai a pena de caret, estão os que não jejuam no Yom Kipur, os que comem chamets em Pêssach e os que mantêm relações proibidas. Não está escrito que há caret para quem fala lashon hará. Mas nossos sábios dizem que, ao escrever o trecho acima, no Tehilim, David Hamêlech determinou que caret fosse, sim, a pena para quem faz maledicências.
Os três pecados mais graves
Há três pecados pelos quais se cobram do indivíduo neste mundo e que, caso ele não faça teshuvá, perderá seu lugar no Olam Habá. São eles: idolatria, relações sexuais proibidas pela Torá e assassinato. Nossos sábios concluíram que lashon hará é mais grave que esses três, a partir dos exemplos de Cáyin, Yossef Hatsadik e Moshê Rabênu. Todos falaram no singular ao se referirem aos episódios nos quais, de uma maneira ou outra, estavam envolvidos e que diziam respeito, respectivamente, a assassinato, relações proibidas e idolatria: Cáyin ao matar seu irmão, Hêvel; a esposa de Potifar ao tentar seduzir Yossef e Moshê Rabênu ao pedir perdão a Hashem por Am Yisrael logo após o pecado do Bezerro de Ouro.
Sobre lashon hará, está escrito no plural, conforme o passuk do Tehilim (12:4) que diz: “Lashon medaberet guedolot” - “A língua que fala coisas com soberba”. Daí se conclui o fato de sua gravidade ser maior, se comparada com os outros três pecados.
A boca tem duas proteções!
Em seu livro “Shaarê Teshuvá” (Portões do Arrependimento), Rabênu Yoná Guirondi z’l escreve, que um pecado cometido repetidas vezes torna-se grave, não importando qual seja ele. A partir dessa afirmação, entendemos o porquê de lashon hará ser pior do que assassinato, idolatria e relações sexuais ilícitas. Uma pessoa que está habituada à maledicência a faz repetidas vezes, como um vício. Daí a gravidade dessa infração.
Além disso, quem se entrega ao lashon hará é como se não acreditasse em Hashem. É como se não aceitasse que Hashem comanda sua fala. Conforme mencionado sobre aquele que faz lashon hará, no Tehilim 12:5, “Asher ameru: lilshonênu nagbir, sefatênu itánu, mi adon lánu?” - “Aqueles que disseram: Com nossas línguas prevaleceremos, nossos lábios estão conosco, quem é senhor sobre nós?”. Ou seja, nós queremos falar o que nós temos vontade. Quem é dono de nossas bocas?
Hashem nos ordenou que comêssemos casher, guardássemos o Shabat, colocássemos tefilin. E nós cumprimos essas mitsvot de bom grado. Mas, em relação à nossa fala, Ele também proibiu que disséssemos lashon hará. Mas nós não aceitamos esse preceito. Segundo David Hamêlech, dizemos: “Na minha boca, mando eu!”. A isso se chama cofer baicar - negar os fundamentos do judaísmo - (como se Hashem não tivesse poder sobre nossa fala).
Em Massêchet Arachin (15b), a Guemará define a gravidade e os detalhes ligados a lashon hará. Ali, está escrito que, para cada orifício do nosso corpo, Hashem colocou uma só proteção. A exceção é a boca, que possui duas: os dentes e os lábios. Hashem quis, assim, demonstrar a importância do cuidado com a fala.
Nossos sábios ainda disseram que três pessoas, no mínimo, podem ser vítimas fatais de lashon hará: quem falou, quem ouviu e acreditou no que escutou e sobre quem se falou.
O que falou, por exemplo, pode ter de dar satisfações àquele de quem falou (as consequências podem ser trágicas); ou aquele que ouviu e acreditou no que ouviu pode despertar, igualmente, a ira sobre o sujeito de quem se falou (e, da mesma maneira, as consequências poderão ser fatais).
A propósito, quem acredita em lashon hará é pior do que aquele que fala.
Avak lashon hará (“poeira” de maledicência)
Depois de o Rambam escrever que lashon hará é pior do que assassinato, relações sexuais ilícitas e idolatria, ele segue dizendo que mesmo avak lashon hará (literalmente “poeira” de lashon hará, não a maledicência propriamente dita) também é grave. Por exemplo, se um indivíduo pergunta a respeito de alguém e a resposta é um gesto de desprezo, como um sinal com as mãos ou com os olhos, isso é avak lashon hará. Ou mesmo se a pessoa disser que prefere se calar a dizer algo sobre alguém, isso já é considerado avak lashon hará, não lashon hará. Afinal, o indivíduo não se expressou verbalmente, mas por outros meios se fez entender que não tem nada de positivo para falar sobre o sujeito em questão. E isso também é proibido.
E todo aquele que elogia seu colega perante os que não gostam do indivíduo que está sendo louvado também comete avak lashon hará. Já que a audiência não gosta do sujeito de quem se está falando, isso fará com que as pessoas passem a maldizê-lo ainda mais. Assim, aquele que disse o elogio é provocador dessa situação. Sobre isso, disse Shelomô Hamêlech: “Quem abençoa seu amigo em voz alta, logo cedo ao amanhecer, será considerado como uma maldição para ele”, porque suscitou que outros falassem do indivíduo elogiado. Quem relata as virtudes de alguém perante aqueles que não gostam dele, despertará a maledicência.
Uma pessoa que fala lashon hará com frivolidade, leviandade e diversão, como se ele não estivesse falando com ódio, também é considerado “avak lashon hará”. Isso se refere ao que disse Shelomô Hamêlech em sua sabedoria (Mishlê 26:18-19): “Como um louco que atira com armas de fogo, flechas e morte e declara: ‘Estou só brincando...’” O mesmo ocorre com aquele que fala lashon hará sobre um colega de forma maliciosa, fingindo estar relatando uma história sem saber que é lashon hará. Quando é alertado a respeito, ele se desculpa dizendo: “Eu não sabia que a história era lashon hará”ou “eu não sabia que este sujeito estava envolvido nestes atos”.
Difamação
Lashon hará não é feito, necessariamente, diante da pessoa de quem se fala. Pode ser pela frente ou pelas costas. Uma pessoa que fala de alguém e, com isso, provoca danos físicos ou materiais ao sujeito em questão, ou mesmo o amedronta ou o aflige, isso é lashon hará.
Se o lashon hará for dito perante três pessoas, tornou-se público. Assim, se uma destas três pessoas passar a informação citada para outros indivíduos, sem a intenção de difamar o sujeito da história ou se a “palavra correr mais rápido”, não se tratará de uma transgressão à proibição de lashon hará. Isso porque a partir do momento que passa a ser conhecido por três pessoas ou mais, torna-se manifesto. Mas, assim que uma dessas três pessoas relatar o fato, com a intenção de difamar o sujeito, aí sim, tratar-se-á de algo gravíssimo. Também é lashon hará.
A partir desses exemplos, vemos, claramente, que não se pode viver de maneira impetuosa, sem pensar em cada uma de nossas atitudes.
É preciso, sempre, ponderar sobre o que falamos e o que ouvimos, como e
quando agimos. A yahadut exige reflexão constante.
Proibição de viver entre maledicentes
Todos aqueles sobre os quais se falou nos parágrafos anteriores, que fazem lashon hará, são denominados baalê lashon hará (habituados aos mexericos, à maledicência). A partir dessa denominação, vemos que há níveis diferentes de gravidade, entre aquele que faz lashon hará esporadicamente e o que a pratica como um vício, de forma sistemática. Esse último é chamado báal lashon hará. Mas ambos, tanto o transgressor esporádico quanto o habitual, são tipos condenados pela Torá.
A Guemará, em Massêchet Sotá 42a, afirma que há quatro categorias de indivíduos que não terão o mérito de ver o esplendor da Shechiná (Presença Divina). São eles: os fofoqueiros, os mentirosos, os bajuladores e os zombadores. O Rav Tsadok Hacohen de Lublin z’l escreve que essas atitudes acabam impedindo as pessoas de rezarem e cumprirem as mitsvot de forma correta e clara. Daí o porquê de não conseguirem ver o esplendor da Shechiná.
E depois de o Rambam citar os diversos tipos de baalê lashon hará, daqueles que passam o tempo fazendo fofocas, intrigas e que tais, ele nos diz que é proibido vivermos perto deles.
O decreto sobre os nossos antepassados, obrigados a permanecer 40 anos no deserto e sobre aqueles que contavam com mais de 20 anos que tiveram de morrer ali, impedidos de entrar em Êrets Yisrael, deveu-se ao lashon hará feito pelos meraguelim (espiões). Estes haviam sido enviados por 40 dias a Kenáan - que no futuro passou a ser chamado de Êrets Yisrael. Para cada dia que eles permaneceram em Êrets Yisrael e depois fizeram lashon hará sobre a terra, foi decretado um ano de permanência no deserto. Tudo porque falaram mal do lugar. Não falaram de seres humanos, “apenas” da terra. E são muitas as explicações de nossos chachamim para os meraguelim terem falado mal da Terra de Israel. Mas um fato bem significativo e ilustrativo é que, ao serem enviados até lá, não lhes foi pedida sua opinião, uma vez que Hashem já havia garantido que a terra era boa.
A incumbência deles era descobrir como conquistar o lugar. Não deveriam dar opiniões ou pareceres sobre ele. Outro ponto é que, de acordo com o Zôhar Hakadosh, os meraguelim pensaram: “Nós perderemos a liderança assim que entrarmos em Êrets Yisrael. Portanto, vamos falar mal da terra para que o povo desista de conquistá-la”.
De qualquer forma, por que eles opinaram, já que isso não foi pedido a eles?
O ser humano tem um yetser hará, que o instiga a expressar sua opinião sobre todo e qualquer assunto. Só que, muitas vezes, não há o que achar ou opinar. Se Hashem orientou que isso é desnecessário ou proibido, não nos cabe dar opiniões. E essa foi uma das transgressões graves que os meraguelim cometeram. Eles se autocredenciaram aptos a opinar, embora Hashem já tivesse assegurado que a terra era realmente boa.
O Rambam está querendo nos alertar para a gravidade do lashon hará, até mesmo aquele que foi falado da Terra de Israel. E isso porque nem falaram de seres humanos, como observado anteriormente.
A primeira vez em que a Torá cita os Assêret Hadiberot - o Decálogo - na Parashat Yitrô, conclui com o passuk: “Não faças degraus para a rampa do altar do Mishcan”. Tudo isso para proteger uma possível exposição desnecessária do corpo do Cohen Gadol, que iria usar essa rampa para fazer os trabalhos necessários no altar (por exemplo, recolher as cinzas dali). Se ele tivesse de subir escada, poderia expor suas pernas aos degraus. O ponto é que ele usava calças. Mas, ao dar um passo maior, isso já seria falta de discrição em relação às pedras do Mizbeach. Por isso, era usada uma rampa, em vez de uma escada.
Rashi conclui e diz: Se Hakadosh Baruch Hu preocupou-Se com as pedras, para que elas não se envergonhassem em relação a uma possível falta de discrição do Cohen Gadol, o que dirá da discrição que devemos ter em relação a outro ser humano? Um mineral nem tem sensibilidade... Já para com outro ser humano, que é dotado de sensibilidade, quanto devemos ser cuidadosos!