Hilel Veshamai kibelu mehem. Hilel omer: hevê mitalmidav shel Aharon, ohev shalom verodef shalom, ohev et haberiyot umcarevan Latorá.
“Hilel e Shamai receberam deles (dos sábios citados anteriormente). Hilel diz: Seja como os discípulos de Aharon: Ame a paz e procure a paz. Ame as criaturas e aproxime-as da Torá.”
Aharon era o irmão mais velho de Moshê e co-líder do Povo Judeu quando da saída do Egito e da viagem pelo deserto. Depois da construção do Tabernáculo, o Mishcan, ele serviu como sumo-sacerdote. Todos os cohanim são descendentes seus. Ele era também um profeta e o líder do Povo Judeu no Egito antes do retorno de Moshê da terra de Midyan e da Saída do Egito.
Devemos ser como os discípulos de Aharon, copiando a sua conduta. Em quê?
“Ame a paz”
Precisamos gostar da paz. Se alguém fizer algo para nos aborrecer, não devemos reagir, mas ficar quietos, deixando passar, para evitar atritos e manter a paz.
A Guemará pergunta o seguinte no Tratado de Shabat (23b): Se uma pessoa se encontra às vésperas do Shabat de Chanucá e tem dinheiro suficiente para comprar somente uma vela, deve comprar a vela para Shabat ou para Chanucá?A Guemará responde que deve comprar uma vela para Shabat, para ter “shalom báyit” - paz no lar. Sem a luz da vela de Shabat dentro de casa, sua família ficaria na escuridão - as pessoas esbarrariam umas nas outras, tropeçariam nos móveis ou derrubariam objetos e coisas do gênero, o que acabaria gerando brigas.
O Rambam sustenta que assim devemos proceder neste caso. Apesar de a vela de Chanucá ser muito importante, a paz é mais ainda.
Tão grande é a importância da paz, que D’us até permitiu que Seu Nome fosse apagado para que existisse a paz entre marido e mulher. Antigamente, em certos casos que o marido desconfiava de infidelidade da sua esposa, ela era levada ao sacerdote da época. Entre outros procedimentos, escreviam uma passagem com o nome de D’us em um pergaminho e dissolviam sua tinta na água. A mulher, então, bebia desta água. Se fosse inocente, permanecia viva, era abençoada e podia voltar a conviver com seu marido.
O Rambam, quando traz esta lei, conclui que toda a Torá foi entregue a nós neste mundo somente para que haja paz entre as pessoas.
“Procure a paz”
Os comentaristas do Pirkê Avot explicam que não é suficiente apenas não “comprar brigas” e procurar a paz para nós. Também precisamos tentar fazer as pazes entre os demais. Ao conhecermos pessoas que estão brigadas, devemos tentar reconciliá-las para que voltem a ficar juntas.
Aharon Hacohen sempre procurava fazer as pazes entre as pessoas. Como? Ele conversava com uma das pessoas que estava brigada e dizia que o outro já se arrependera do que havia feito. Dizia que o companheiro queria voltar a ser seu amigo, mas estava com vergonha de falar-lhe. Depois Aharon ia ao outro indivíduo e dizia o mesmo. Mais tarde, ao encontrarem-se, estas duas pessoas se abraçavam e voltavam a ficar de bem. A verdade é que ambas as partes não haviam se arrependido nem pedido desculpas um ao outro, mas Aharon lhes dizia que sim, para que a paz reinasse no povo.
Será que Aharon Hacohen estava mentindo? Como é possível, se sabemos que mentir é um pecado muito grave?
O Chassid Yaavets responde a esta pergunta citando uma guemará (Bavá Metsiá) segundo a qual, pela paz a Torá permite a pessoa modificar um pouco suas palavras, de forma que o outro entenda a informação de modo diferente, para não haver brigas. Vejam só o quão importante é a paz e o quanto devemos lutar por ela!
“Ame as criaturas e aproxime-as da Torá”
Aharon Hacohen gostava dos demais, não importando quem fossem. Ele andava com um escudo contendo o nome das doze tribos em seu peito, mostrando que gostava de todos os membros de todas as tribos com todo seu coração. Desta forma ele fazia kiruv - aproximava os demais da Torá.
Ao ver uma pessoa pecando, Aharon se aproximava e ficava amigo dela. O pecador, por sua vez, pensava: “Se o grande Aharon soubesse dos pecados que ando fazendo, ele nunca seria meu amigo! Preciso parar de pecar para que continue nossa amizade e ele não se decepcione comigo!”
Vemos que Aharon encontrou um jeito muito sutil de conseguir que o companheiro fizesse teshuvá (arrependimento) e se aproximasse da Torá. Talvez este seja o melhor método. Se nos dirigirmos a alguém dizendo que o que fez é errado, ele encontrará várias desculpas para justificar-se e não nos escutará. Ninguém gosta de ser criticado. Aharon atingia seu objetivo sem que o indivíduo percebesse que seu intuito era fazê-lo arrepender-se e tornar-se um báal teshuvá. Ele apenas se tornava amigo da pessoa e com isso aproximava-a da Torá.
Sempre que a Mishná diz “hu hayá omer” - ele costumava dizer - sobre alguém, refere-se a algo que a pessoa dizia e realmente cumpria na prática.
Nossa mishná é de autoria de Hilel, um dos mais famosos sábios da Mishná. Encontramos em muitos lugares do Talmud que ele vivia conforme seus ensinamentos, sendo uma pessoa muito boa e paciente, que respeitava todos e tratava-as bem, como um verdadeiro discípulo de Aharon.
Existe, porém, uma Guemará (Pessachim 66) que conta a seguinte história:
Na época em que os membros de Benê Betera eram os líderes do povo, o dia quatorze de nissan (a véspera de Pêssach) caiu num Shabat. Nesta oportunidade eles não sabiam como era a halachá: se deveriam fazer a oferenda de Pêssach no Shabat ou postergá-la até o dia seguinte.
Então eles perguntaram:
“Existe alguém aqui que sabe a halachá?”
Algumas pessoas responderam:
“Sim, existe um homem que veio recentemente da Babilônia. Ele se chama Hilel, estudou com os grandes sábios da geração, Shemayá e Avtalyon, e sabe a resposta”.
Rapidamente Benê Betera chamaram Hilel e perguntaram-no se deveriam fazer a oferenda no Shabat ou não. Prontamente ele respondeu que sim e explicou os motivos.
Após este episódio, Hilel foi nomeado príncipe sobre o Povo Judeu e passou o dia inteiro dando aulas sobre as leis de Pêssach.
Algum tempo depois, Hilel criticou Benê Betera, os antigos líderes, dizendo:
“Sabem o que fez com que vocês perdessem o cargo e eu fosse colocado como nassi - o príncipe e líder do povo? O fato de que vocês foram preguiçosos e não estudaram Torá com Shemayá e Avtalyon, os dois líderes da geração!”
Sobre esse episódio, o Rabino Chayim Shmuelevits pergunta o seguinte: Sabemos perfeitamente que Hilel era muito bom e paciente, delicado e extremamente cuidadoso com o que falava. Como pôde se expressar de forma tão rude com os antigos líderes do Povo?
Antes da resposta, cabe explicar um conceito muito importante do judaísmo.
Moshê Rabênu era uma pessoa que criticava e discutia com o Povo de Israel toda vez que se fazia necessário. Aharon, seu irmão, por outro lado, era agradável e paciente. Esta diferença de comportamento chegou a tal ponto que, quando Aharon faleceu, consta na Torá: “e chorou todo o Povo de Israel”. Quando Moshê faleceu, a Torá diz: “e chorou o Povo de Israel”. Sobre isso, o Midrash explica que nem todos os judeus ficaram tristes com a morte de Moshê Rabênu, pois nem sempre suas ordens beneficiavam a todos. Por exemplo: nos casos em que um litígio era levado para Moshê julgar, alguém saía perdedor! Foram essas pessoas que não choraram quando ele faleceu. Aharon, por sua vez, era bom com todos e em seu velório não houve um judeu que não derramasse lágrimas.
Como pôde haver uma diferença tão grande entre estes dois grandes personagens de nossa história?
A resposta é que o líder do Povo Judeu não pode ser afável e bonzinho com todos. Ele precisa ser rígido e transmitir a lei da Torá como ela é, mesmo que alguns não gostem. O caminho da Torá deve estar muito claro para o povo. Para isso, é necessária uma pessoa rígida, que possa estabelecer as leis sem medo do que vão pensar ou dizer.
Moshê Rabênu, como líder, tinha que ser rígido com o povo. Ele não gostava de ser assim. Prova disso é que, quando D’us Se revelou a ele e pediu que se tornasse o líder, Moshê recusou e tentou passar o cargo a seu irmão. Já Aharon, na época em que Moshê era o líder do povo, podia “se dar ao luxo” de ser bom e gentil com todos para conseguir fazer prevalecer a paz. Disso vemos que ele amava a paz e corria atrás dela. Mas não era da natureza de cada um ser como eram. Eles agiam da forma que entendiam fazer parte da missão que deviam desempenhar!
Voltemos agora ao nosso assunto, sobre Hilel. Antes de tornar-se líder, Hilel realmente era bom com todos e muito paciente. No momento que foi nomeado líder do povo, tornou-se necessário que fosse mais rígido. Não que sua natureza tenha mudado ou que tenha ficado orgulhoso. Ele desejava cumprir da melhor forma sua tarefa como líder do Povo Judeu.
Nossa mishná ensina a sermos discípulos de Aharon da mesma forma que Hilel o fez até se tornar o líder do povo - amando a paz e procurando-a. Amando as criaturas e aproximando-as da Torá com paciência e amor.
Do livro “Mussar Avicha”.