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Uma Carta Sobre o Passado

Alguns anos atrás, o senhor Leibel Acker, que morava no Brooklin, em Nova Iorque, recebeu uma carta de sua neta de Israel.
A carta era tão emocionante e memorável, que ele a guarda até hoje, orgulhosamente repartindo seu conteúdo com muitas pessoas.

Jóias do Maguid

Um conhecido professor, o Rabino Moshê Grosman, que ensinava na Yeshivá Darchê Torá, em Far Rockaway, Nova Iorque, recontava este episódio muitas e muitas vezes a seus alunos. Eu lhe sou muito grato por tê-lo compartilhado comigo também, pois acredito que existem excelentes lições a serem extraídas desta história.

A senhora Henya Lerman, neta do senhor Leibel Acker, estava trabalhando em uma companhia em Ramat Gan, Israel, cujo dono era um judeu observante, o senhor Hershy Fleisher. As condições econômicas em Israel estavam difíceis: empregos eram muito disputados e a senhora Lerman sabia que tinha muita sorte por manter um bom emprego naquelas circunstâncias.

Entretanto, ela estava preocupada sobre seu futuro na companhia. Em três meses daria à luz sua primeira criança. Ela tinha dúvidas se o seu emprego estaria esperando quando ela estivesse pronta para voltar ao trabalho, depois do período de licença maternidade.

Além de tudo, aquele emprego era muito importante para a senhora Lerman porque, infelizmente, seu marido estava desempregado há seis meses e seu irmão, que vivia com eles, também estava procurando emprego. Desta forma, naquele momento, ela era a única que sustentava a família.

Certo dia, o senhor Hershy Fleisher, o dono da companhia, estava almoçando junto com um grupo de funcionários. A senhora Lerman também participava daquele almoço. Era um encontro informal e a conversa passava amigavelmente de um assunto para outro.

A certa altura do almoço, a senhora Lerman expressou seu receio de perder o emprego num futuro próximo. Enquanto outros presentes comentavam preocupações financeiras, ela também explicou brevemente sua situação em casa.

O senhor Fleisher, sem intenção de comprometer-se, não fez nenhum comentário sobre as colocações dos funcionários. Graciosamente ele mudou o assunto da conversa. A partir de então, eles começaram a falar um pouco sobre seus passados e suas famílias: onde cada um nascera, quem eram seus pais, por que tinham imigrado para Israel... enfim, sobre os “velhos tempos”.

Quando a senhora Lerman mencionou que vinha de Flatbush, no Brooklin, o senhor Fleisher virou-se para ela interessado e disse: “Em que época sua família viveu lá?”.

A senhora Lerman tentou arriscar o ano exato que seus avós moraram naquele bairro, mas não foi o suficiente para o senhor Fleisher. Ele quis saber o nome do pai dela, o nome de solteira de sua mãe, o nome de seu avô, a ocupação dele, onde rezava, se ainda estava vivo... A senhora Lerman ficou um tanto surpresa com a quantidade de perguntas realizadas pelo patrão.

Depois de várias explicações, após uma das respostas da senhora Lerman, subitamente o senhor Fleisher saiu da sala. Quando voltou, seus olhos estavam vermelhos, e era óbvio que estivera chorando. Depois que se recompôs, desculpou-se pela demora e pediu licença aos presentes para contar a seguinte história:

“Muitos anos atrás”, começou ele, “havia dois eletricistas que viviam na mesma vizinhança em East Flatbush, Nova Iorque. Um deles era membro do sindicato dos eletricistas e tinha sido muito bem-sucedido em seu trabalho. O outro, não filiado ao sindicato, ganhava um magro sustento, andando pela cidade em busca de pequenos serviços.

“Os dois homens rezavam na mesma sinagoga e eram razoavelmente amigos. Entretanto, suas famílias não se conheciam. Ocasionalmente, quando eles saiam da sinagoga, voltavam conversando juntos no caminho para casa.

“Certo dia, o eletricista não sindicalizado, que era pobre, sofreu um forte ataque do coração e foi internado em um hospital. Apesar dos esforços dos médicos locais, depois de poucos dias seu organismo não aguentou e ele acabou falecendo.

“Entrando na casa do falecido pela primeira vez, não deixou de reparar no modo de vida humilde e empobrecido em que os enlutados viviam. Enquanto conversava com a viúva, ele perguntou se na casa havia comida suficiente para ela e para as crianças. A viúva agradeceu a preocupação do visitante e respondeu afirmativamente. No entanto, quando o homem entrou na cozinha, olhou dentro da geladeira e percebeu que estava quase vazia.

“Naquela tarde, o eletricista comprou comida suficiente para encher a geladeira e os armários da cozinha. Cada dia de ‘shivá’, os sete dias de luto, ele reabastecia e ainda acrescentava mantimentos ao estoque da casa. Logo que a viúva percebeu o que ele estava fazendo, agradeceu seu gesto nobre, mas tentou dissuadi-lo de continuar ajudando. Entretanto, com tantas pessoas entrando e saindo da casa durante aqueles sete dias, ela realmente não teve possibilidade de fazê-lo desistir.

“Cerca de dois meses depois do falecimento de seu marido, a viúva ligou para o eletricista. Ela lhe disse que seu porão estava cheio de cabos elétricos, brocas, chaves elétricas, chaves de fenda, martelos, tomadas e outros materiais elétricos para os quais ela não tinha nenhum uso.

“- Por cem dólares eu lhe vendo todo o material elétrico que está no porão - ofereceu a viúva.

“Na noite seguinte, o eletricista foi à casa da mulher para verificar o material que antes pertencera ao seu amigo. Ele constatou que era grande a quantidade de ferramentas e materiais elétricos acumulados naquele porão com o passar dos anos. Ele começou a mexer um pouco nos montes de materiais e logo viu que havia muita coisa que poderia ser útil. O grande problema era que todo o material estava armazenado em uma completa desordem. Então o eletricista começou a trabalhar no porão. Durante três semanas passou suas noites separando, organizando, classificando e arrumando os diversos equipamentos.

“Quando o material ficou bem organizado, o homem ligou para todos os eletricistas e carpinteiros que conhecia. Informou-os que na tarde do domingo seguinte haveria uma liquidação de ferramentas e materiais elétricos na casa daquela viúva e que valeria a pena eles comparecerem.

“Naquele domingo, muitos profissionais foram verificar o que poderia lhes interessar dentre tantos materiais elétricos. A liquidação rendeu mais de três mil dólares, todos entregues à viúva e a sua família. Os cem dólares que ela esperava receber por todo o material transformaram-se em uma considerável reserva financeira para a família. Naquela época, três mil dólares representavam mais do que a viúva ganharia em muitos meses de trabalho.

Quando o senhor Fleisher acabou de contar esta história para sua fascinada audiência, voltou-se para a senhora Lerman e disse com os olhos úmidos.

-Senhora Lerman, saiba que o eletricista sindicalizado desta história é o seu avô e eu sou um dos filhos do eletricista que faleceu. Quando meu pai faleceu, eu, minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs fomos beneficiados pela tsidcut, pela grande bondade, retidão e honestidade de seu avô.

-Senhora Lerman -ele continuou emocionado -a senhora sempre terá um emprego em minha companhia. Amanhã de manhã, se o seu marido e o seu irmão vierem ao meu escritório, certamente terei um emprego para eles também!

*  *  *

“Obrigado, zeide”, a senhora Lerman tinha escrito ao seu avô. “Tenho muito orgulho de ser sua neta!”.

*  *  *

O Rei Shelomô escreveu em seu livro “Cohêlet” (11:1): “Jogue seu pão sobre as águas, que após muitos dias você o encontrará”.

O bem que é feito hoje renderá recompensas amanhã. É somente questão de tempo até o amanhã chegar.

“Connections” no livro “In the Footsteps of the Maggid” do Rabino Pessach J. Krohn. Publicado com permissão da Mesorah Publications.