Matérias >> Edição 193 >> Leis e Costumes I

Leis Referentes à Fala

Rabino I. Dichi

Introdução

Cumprindo o Shabat, nós estamos testemunhando que Hashem criou o mundo em seis dias e que no sétimo Se absteve de criar.

“Keli Yacar”, em parashat Yitrô, faz uma análise sobre os Dez Mandamentos. Ele estabelece uma relação entre os cinco primeiros mandamentos (que estão na primeira tábua) e os cinco últimos (da segunda tábua). O primeiro mandamento está relacionado com o sexto, o segundo com o sétimo, e assim sucessivamente. Os Dez Mandamentos poderiam ter sido escritos em uma só tábua; o fato de estarem em duas colunas torna indispensável uma explicação da proximidade entre eles.

Vejamos a relação entre o quarto e o nono mandamento: o quarto mandamento é “Zachor et Yom Hashabat Lecadeshô” - lembra-te do dia do Shabat para santificá-lo. O nono mandamento é “Lô Taanê Bereachá Ed Sháker” - não testemunhes em falso contra teu próximo. Assim como não podemos testemunhar em falso contra o próximo, temos o dever de testemunhar, que foi D’us Quem criou o mundo em seis dias e que no sétimo Se absteve de criar e ordenou que Suas criaturas também fizessem assim.

Como sabemos, a Criação do Mundo foi realizada por D’us por intermédio de assará maamarot - dez falas: nove vezes o termo “vayômer” e uma vez “bereshit”. Tudo isso sem nenhum esforço físico por parte do Criador (Meguilá 21b). Uma vez que Ele não empregou esforço físico e o seu “descanso” foi deixar de criar por intermédio da fala (maamar), do mesmo modo, cabe a nós, seres humanos, por um lado descansar dos labores proibidos no Shabat, pois esta é a nossa maneira de “criar”, e por outro lado, sermos cuidadosos nos assuntos abordados verbalmente no Shabat, realçando ainda mais o testemunho da Criação do Mundo por intermédio da fala Divina.

No livro do Profeta Yesha’yáhu (58:13-14) consta o versículo, que trata do deleite alcançado pelos que cumprem o Shabat“Im tashiv Mishabat raglecha... mimetsô cheftsechá vedaber davar” - Se restringires teus pés no Shabat, de fazer tuas próprias necessidades no Meu dia sagrado, e se chamares o Shabat de deleite, o santo do Senhor, honrado, e o honrares não fazendo teus negócios, ou buscando teu próprio prazer e de falar no Shabat sobre futilidades (coisas que são proibidas de fazer no Shabat); então encontrarás deleite no Senhor e Ele te fará cavalgar sobre os altos lugares da Terra e te alimentará com a herança de teu pai Yaacov... Das palavras “vedaber davar” - e de falar no Shabat sobre futilidades (coisas que são proibidas de fazer no Shabat) - nossos sábios aprenderam que no Shabat é proibido ter uma conversa profana nos mesmos moldes da conversa semanal.

Falar sobre atividades proibidas

1. Tudo aquilo que é proibido fazer no Shabat é proibido também falar sobre tal assunto durante o Shabat. Assim, não podemos dizer, por exemplo, “amanhã comprarei isto ou aquilo”.

Da mesma forma, é proibido dizer: “amanhã viajarei”, ”vou de carro, de avião ou de qualquer outro meio de transporte”, pois tudo isso é proibido de ser realizado no Shabat. Porém, pode-se dizer: “amanhã irei a tal lugar”, sem mencionar o termo viagem nem o meio de transporte, pois andar no Shabat é permitido.

Contratar

2. É proibido contratar diretamente ou pedir a um não judeu que contrate no Shabat qualquer profissional, judeu ou não, para realizar qualquer serviço, mesmo que este seja feito nos dias de semana e mesmo que não se estipule o preço no Shabat. É permitido, porém, dizer no Shabat, a um profissional judeu ou não, algo como: “Hanir’ê beenecha shetuchal laamod imi laêrev? - Você gostaria de se encontrar comigo no motsaê Shabat?”, ou: “Ficaria contente em vê-lo no motsaê Shabat”, mesmo que o outro entenda que pretende-se contratá-lo. Entretanto, não se deve dizer: “Esteja pronto no motsaê Shabat”.

Fazer cálculos

3. É proibido fazer cálculos no Shabat sobre contas a serem pagas ou previsões de custos. Isto é permitido somente em pensamento. Sobre as contas que já foram saldadas, como não têm mais utilidade, pode-se falar a respeito. Vide item 9 adiante.

Falar sobre preços

4. É permitido falar sobre o preço de objetos que já foram adquiridos e pagos ou que não foram pagos mas têm seu preço fixo e estabelecido na praça.

5. Não deve falar que comprou uma determinada coisa em tal lugar, ou quanto pagou por determinado objeto, diante de um colega que também pretenda adquiri-lo, quando sua intenção seja que seu colega tenha proveito das informações.

Cartas e documentos (shitrê hediotot)

6. Cartas comerciais, documentos, duplicatas, extratos de banco, contas a pagar, etc., são muctsê no Shabat e não podem ser lidos nem mesmo com os olhos, sem mexer os lábios. Cartas não comerciais (iguêret shalom) que já foram lidas seguem a mesma lei.

Nossos sábios proibiram outros detalhes relacionados, por causa do conceito de shitrê hediotot. Vide, por exemplo, Shulchan Aruch (cap. 307 item 12), Chayê Adam (kelal 61, item 9), e ainda o livro Shitrê Hediotot, recém editado sobre estas halachot.

7. Cartas não comerciais, que chegarem no Shabat, já que não se sabe o seu conteúdo e pode ser que contenham alguma notícia importante para o dia ou para a pessoa, podem ser lidas somente com os olhos.

Atualmente quando alguém quer dar uma notícia necessária, há outros meios de comunicação. Por isso, há quem sustente ser proibido ler cartas mesmo que seja somente com os olhos.

Para abrir estas cartas, de acordo com aqueles que permitem lê-la com os olhos, pode-se insinuar ao não judeu com frases do tipo: “Não posso ler esta carta enquanto não estiver aberta”, mas não se deve dizer diretamente: “Abra esta carta”.

Este procedimento é válido somente para cartas. Não se deve concluir o mesmo para outras atividades proibidas no Shabat (veja mais sobre amirá leacum no capítulo onze).

Averiguações para reparos

8. No Shabat é proibido averiguar ou examinar qualquer propriedade para verificar o que necessita de reparo, mesmo que o conserto seja realizado após o Shabat.

Pensar em negócios

9. Apesar de ser permitido pensar em seus negócios no Shabat, é aconselhável não fazê-lo, pois isto desvia a atenção do espírito do Shabat.

Faz parte da satisfação do Shabat que todos os nossos negócios sejam considerados realizados e selados, pois o Shabat é um dia propício para meditar sobre o amor e temor ao Criador, para desfrutar da paz e tranquilidade, e para desenvolver a fé e a confiança Naquele que nos está protegendo durante os sete dias da semana.

Presentes

10. Não podemos dar um presente a alguém no Shabat a não ser que a pessoa necessite daquilo no próprio Shabat.

Yom Tov

11. As leis deste capítulo vigoram também nos dias de Yom Tov.

Amirá Leacum

Definição - Dizer a um não judeu que faça uma das atividades proibidas aos judeus no Shabat.

1. Tudo o que é proibido a um judeu fazer no Shabat, é proibido ordenar ou pedir a um não judeu que o faça, mesmo que o pedido seja feito por meio de uma dica ou sinal e mesmo que ordenando ou pedindo antes do Shabat. Se o não judeu fizer algum trabalho, mesmo sem ser ordenado, também ser-nos-á proibido termos benefício do ato.

2. Uma vez que o não judeu fez algum trabalho no Shabat, para podermos nos beneficiar dele, precisamos esperar, após o término do Shabat, o mesmo tempo que levou para a realização deste trabalho.

3. Estas leis estão espalhadas por vários capítulos do “Shulchan Aruch Ôrach Chayim” (276, 307, 325) e seus detalhes são minuciosos.

Aquecedores

4. Há algumas exceções que fogem à regra. Em regiões de frio muito intenso, por exemplo, é permitido pedir a um não judeu que aqueça o ambiente - acendendo a lareira ou ligando o aquecedor - para os menores; e em regiões gélidas, até para adultos, pois como definiram nossos sábios, “hacol cholim êtsel hacor” - todos são considerados doentes na presença do frio; porém, condicionaram que este frio fosse de temperaturas baixas. Como mencionamos, existem inúmeros detalhes a esse respeito, e em casos especiais, deve-se consultar uma autoridade rabínica.

Lâmpada da geladeira

5. Quando alguém esquecer de tirar a lâmpada da geladeira na sexta-feira antes do Shabat - consequentemente ficando impedido de abri-la no Shabat - poderá pedir a um não judeu que abra e feche a porta da geladeira.

Shevut dishvut

6. Shevut dishvut: Quando houver uma necessidade de mitsvá ou uma extrema necessidade de uma ação que nos é proibida no Shabat por decreto rabínico (derabanan), podemos dizer a um não judeu que a realize (vide exemplos nos itens 7 e 8).

7. É permitido pedir a um não judeu que transporte alimentos de um andar para outro num prédio (por exemplo, do apartamento para a sucá no térreo). Mesmo que o não judeu utilize o elevador, é permitido, pois ele poderia usar as escadas, e se não o faz, é para sua própria comodidade.

8. Em edifícios onde o portão é aberto por intermédio de acionamento elétrico, é permitido que o porteiro acione a corrente elétrica para abrir o portão para um judeu, já que o porteiro poderia realizar esta operação manualmente (com uma chave), mas não o faz para sua própria comodidade.

Acrescentar luz

9. Se já houver luz em algum ambiente, pode-se dar uma “dica” a um não judeu para que acrescente mais luz. Esta indicação deve ser dada por meio de um relato e não de uma ordem. Por exemplo: “Como seria bom se houvesse mais luz!”. Enquanto o primeiro ponto de luz permanecer aceso, pode-se usufruir da luz acesa pelo não judeu.

Porém, se não houver uma luz preexistente, é proibido que o não judeu acenda a luz mesmo por meio de um relato e mesmo que o não judeu o faça espontaneamente. É-nos proibido ter proveito desta luz.

Em casos de doença

10. Existem quatro categorias de doentes definidas pela halachá:

a) Michushim: Trata-se de alguém que está com mal-estar ou dor de fraca intensidade. Nesta categoria a tolerância à dor e a sensibilidade individual é que determina a classificação da dor como sendo de pouca ou muita intensidade, fazendo com que o doente pertença à categoria de michushim ou à próxima, chamada de mictsat chôli.

b) Mictsat chôli: Trata-se de alguém que sente dor em algum órgão ou alguma parte do corpo e esta dor o incomoda, mas não a ponto de debilitar ou comprometer o resto de seu corpo. Ex: dores leves de cabeça.

c) Cholê sheên bô sacaná: Trata-se de um doente que não corre perigo de morte mas que, pelo seu estado clínico, estaria acamado (mesmo que momentaneamente não esteja) ou que sua doença debilitou todo o seu corpo. Ex: enxaqueca, gripe. É permitido a esta categoria de doentes ingerir remédios no Shabat.

d) Cholê sheyesh bô sacaná: Trata-se de um doente que corre perigo de morte, ou até mesmo, que haja dúvida se corre perigo de morte.

Embora dar à luz é parte natural da vida, a parturiente foi enquadrada como cholá sheyesh báh sacaná. Por conseguinte, quando uma mulher grávida perceber que chegou o momento de dar à luz - como ao sentir contrações regulares - poderá chamar uma ambulância ou ser levada pelo marido ao hospital.

Referente aos doentes da categoria “a”, é proibido até mesmo dizer a um não judeu fazer tudo aquilo que, se feito por um judeu, estaria enquadrado em proibições derabanan (rabínicas).

Referente aos doentes da categoria “b”, podemos dizer para um não judeu fazer tudo aquilo que, se feito por um judeu, estaria enquadrado em proibições derabanan (rabínicas).

Referente aos doentes da categoria “c”, podemos dizer para um não judeu fazer coisas que, se realizadas por um judeu, estariam enquadradas até em proibições da Torá (Deoraytá).

Por exemplo: Se o cholê sheên bô sacaná necessitar de um chá, podemos pedir a um não judeu que o prepare, apesar de que este ato envolve proibições da Torá, como hav’ará (acender fogo) e bishul (cozinhar).

Referente aos doentes da categoria “d”, nós mesmos é que devemos cuidar deles, realizando quaisquer atividades que forem necessárias para salvar-lhes a vida.

Ben hashemashot

11. Durante o período de ben hashemashot (período de 13,5 minutos relativos imediatamente após o pôr do Sol) pode-se pedir a um não judeu fazer um trabalho que seja letsôrech mitsvá (necessidade de uma mitsvá); dôchac (uma situação de extrema necessidade); ou um trabalho necessário para o Shabat. Esta regra se aplica tanto após o pôr do Sol da sexta-feira como após o pôr do Sol do sábado. Outros sustentam que essa regra só é válida para o pôr do Sol de sexta-feira.

Luzes que acendem pela presença, pelo movimento ou pelo calor (sensores)

12. É permitido continuar andando normalmente na rua, quando ao passarmos forem acionadas luzes que funcionam por sensores de presença, movimento ou calor.

13. É proibido subir ou descer por escadarias de edifícios onde luzes são acionadas por presença, movimento ou calor, pois estamos causando o acendimento dessas luzes e nos beneficiamos da claridade que elas proporcionam.

Há para isso três soluções, sendo a primeira melhor que a segunda e a terceira:

a) Que um não judeu caminhe em nossa frente e assim a luz é acionada pelo seu corpo. Esta permissão não se aplica a qualquer proibição do Shabat Yom Tov e não podemos, assim, generalizá-la.

b) Instalar a cada andar, até o andar do nosso apartamento, uma lâmpada de potência maior que a do sensor ou que ilumine suficientemente bem e que permaneça acesa durante todo o Shabat. Assim, quando passarmos e com isso acionarmos o sensor, não teremos proveito desta luz, uma vez que já havia uma luz acesa iluminando as escadas (pessic reshe delô nicha lê).

c) Se nas paredes da escadaria houver janelas que dão para o exterior do prédio, e a claridade da luz externa - tanto luz natural quanto luz de um outro edifício que esteja bem próximo, ou de um poste de iluminação pública - penetrar pelas janelas da escadaria a ponto de iluminá-la para que se possa usar as escadas sem qualquer outra iluminação, pode-se usar a escadaria no Shabat, mesmo que com isso as luzes sejam acionadas por sensores.

Se nas paredes da escadaria não houver janelas que dão para o exterior do prédio, será necessário usar a solução apresentada no item “a” ou na impossibilidade desta, a solução apresentada no item “b”.

Inalação

14. Uma criança ou um doente na categoria de cholê sheen bô sacaná (vide sua definição no item 10c), que necessite fazer inalação no Shabat, poderá pedir a um não judeu que coloque a água e as substâncias necessárias no vaporizador e que o acione para os devidos fins. Um judeu não pode colocar a água ou as substâncias necessárias no vaporizador.

Yom Tov

15. As leis deste capítulo vigoram também nos dias de Yom Tov.