O Berit Milá Concede à Pessoa Forças Sobre-Humanas
Consta na Mishná em Massêchet Nedarim (31b): “Rabi dizia: grande é a circuncisão (o berit milá), pois com todos os preceitos que lhe foram ordenados, Avraham não foi chamado de ‘pleno’ até se circuncidar, conforme está escrito: ‘ande perante mim e seja íntegro’”.
Na continuação (ibid., 32b) é trazido: “Falou Rami bar Aba: está escrito ‘Avram’ e está escrito ‘Avraham’. Primeiramente, D’us o fez soberano de duzentos e quarenta e três órgãos (valor numérico de ‘Avram’) e, no final, o fez reinar sobre duzentos e quarenta e oito órgãos, que são (os acrescentados): os dois olhos, os dois ouvidos e sua parte íntima”.
Explica o Ran que, no início, D’us o fez reinar sobre os órgãos que estão sob o controle da pessoa, que pode evitar pecar com eles. Os olhos e os ouvidos, porém, não estão sob seu controle, pois ele vê e escuta mesmo contra sua vontade. No final, quando se circuncidou, D’us o fez soberano também deles, para que não ouvisse e nem visse nada que não estivesse ligado a mitsvot.
Disto se aprende quão profunda é a influência do Berit Milá sobre o indivíduo. Quando Avraham o fez, já tinha noventa e nove anos de idade. Durante todo esse tempo ele se esforçou por praticar bons atos e transformar-se no pilar do mundo, irradiando emuná e bem para todos os povos. Este serviço tornou-o capaz de controlar seus órgãos, até o último nível humanamente possível.
Apesar disso, ainda havia uma fronteira que Avraham não era capaz de transpor: o domínio absoluto sobre esses últimos cinco órgãos. Isso porque é impossível não ouvir ou ver tudo o que acontece à volta da pessoa, para o bem ou para o mal, pelas leis da natureza.
Pelo mérito do Berit Milá, no entanto, Avraham recebeu forças sobre-humanas e conseguiu dominá-los completamente. Assim, entende-se que esta mitsvá é capaz de transferir o indivíduo do aspecto humano ao aspecto Divino de sua vida.
É possível explicar isso baseado no fato do Berit Milá constituir um pacto entre o Eterno e o indivíduo. D’us coloca sobre este último Sua proteção, concede a eles forças que ele não possuía anteriormente e o promove, propiciando uma elevação de nível.
Até agora o indivíduo estava sozinho. A partir desse instante, porém, ele vem com a força de D’us, que lhe protege de todo o mal e lhe guia para não pecar e não cair nos numerosos testes impostos pelo mundo material.
Os Mandamentos Acrescentam um Profundo Discernimento
O Tossafot, sobre a Guemará trazida anteriormente, comenta: “escutou, viu e dominou seus olhos e ouvidos, pois os preceitos Divinos dão sagacidade aos olhos e ouvidos, conforme está escrito: ‘e não deu a vocês, D’us, coração para entender, olhos para ver e ouvidos para escutar, até este dia’ (Devarim 29)”
De acordo com suas palavras, as mitsvot permitem que o indivíduo alcance uma capacidade de discernimento e uma visão muito profundas que penetram no interior de todas as questões.
Quando Avraham fez o Berit Milá, D’us assentou em seu coração uma capacidade sobre-humana de enxergar tudo com maior profundidade e clareza, compreendendo coisas que estavam acima de sua capacidade. Logo, ele se tornou capaz de dominar plenamente todos os seus órgãos, pois este tipo de visão leva ao controle sobre os caminhos da vida.
Nas palavras de nossos sábios há indícios de que o Berit Milá auxilia no estudo da Torá e em sua verdadeira compreensão. Assim consta no Midrash Tanchumá (Parashat Mishpatim 5):
“Aquilas, o convertido, filho da irmã de Adriano (Imperador de Roma), queria se converter, mas temia Adriano, seu tio. Disse a ele: ‘eu gostaria de fazer negócios...’ Aconselhou-lhe (seu tio): ‘toda mercadoria que você vê desprezada e jogada sobre a terra, trate de comprá-la, pois no final ela aumentará de preço e você lucrará’”.
“Veio para a terra de Israel, estudou Torá... Disse (a seu tio): ‘quando eu falei a você que queria negociar e você me disse que toda mercadoria que eu vir desprezada e jogada sobre a terra, que a compre, pois no final ela aumentará de preço, pesquisei todos os povos e não vi uma nação tão desprezada e jogada na terra quanto Israel...’ Respondeu-lhe (Adriano): ‘você deveria estudar Torá e não se circuncidar’. Disse-lhe Aquilas: ‘não há como alguém que não faz Berit Milá conseguir estudar Torá, conforme está escrito: ‘conta Suas palavras a Yaacov’ (Tehilim 147:19) - àquele que se circuncida, como Yaacov. ‘Não fez assim a todos os (outros) povos (ibid., 20) - porque eles não são circuncidados’”.
Neste Midrash encontram-se duas concepções diferentes sobre o estudo da Torá: a errônea, de Adriano, e a judaica, de Aquilas. Adriano pensava que o estudo da Torá era como o de qualquer outra matéria laica, que pode ser apreendida de acordo com a dedicação e o esforço empregados. Portanto, não é necessário fazer Berit Milá para obter resultados.
Aquilas, porém, sustentava que é impossível estudar a Torá sem o Berit Milá e a conversão. A Torá é Divina, constituindo a Sabedoria superior do Criador. Apenas alguém que estiver ligado a Ele permanentemente, fazendo parte do Povo de Israel, é capaz de estudá-la. Ela não é como todas as ciências, que são constituídas apenas de conhecimento. Aquilas teve de se converter para estudá-la com santidade e pureza.
O Prepúcio É Um Defeito no Ser Humano
No livro Netivot Shalom (Parashat Lech Lechá) é explicado, com base no Midrash, que alguém não circuncidado é considerado deficiente perante D’us. Segundo ele, assim como existe uma diferença entre a alma de um membro do Povo de Israel e dos outro povos, existe uma diferença entre seus corpos. Esta diferença é o Berit Milá.
Enquanto a circuncisão não for feita, o judeu é considerado espiritualmente deficiente e está impossibilitado de receber santidade. O Berit Milá torna seu corpo apto a ser incluído no Povo de Israel e receber sua santidade dentro dele.
Com base nisso, é possível entender por que o Todo-Poderoso ordenou que o Berit Milá fosse feito no oitavo dia de vida, sem que se esperasse até os treze anos, quando então se cumpre mitsvot. Para que a criança possa se ligar ao Povo de Israel, é necessário que se retire o que impede isso, o que é feito logo após o nascimento.
Milá e Periá - Dois Aspectos do Mesmo Preceito
No livro Bet Halevi (Parashat Lêch Lechá) é trazida uma dúvida interessante dos Rishonim: será que o Berit Milá vem retirar uma falta e, ao cortar-se o prepúcio, retorna a pessoa ao estado normal, ou será que a circuncisão constitui um acréscimo de santidade, como acontece com todos os preceitos positivos cumpridos.
O Bet Halevi traz do Baal Haakedá uma prova de que os dois lados estão corretos. Nesta mitsvá tanto há a remoção de uma deficiência, quanto um acréscimo de santidade. A palavra “tamim” significa íntegro, pleno, sem faltas e sem deficiências. A orlá (prepúcio) causa impureza e impede que o judeu seja considerado “tamim” (íntegro). Logo, sua retirada o torna pleno.
Além disso, este preceito também constitui um “Berit” (pacto) entre D’us e Seu Povo, Israel, conforme está escrito: “e porei Meu pacto entre Mim e você” (Bereshit 17:2). Um pacto entre duas partes une-as e vincula-as muito mais. Com isso, o indivíduo se junta ao Eterno e recebe um acréscimo de santidade, com a santidade de Israel.
O Bet Halevi explica também, que estes dois aspectos são feitos por meio da milá - a própria circuncisão - e da periá - puxar a pele para trás. O corte é a remoção do prepúcio, ou seja, a retirada da deficiência e o que distingue entre um judeu dos demais povos - que são chamados, por definição de “arelim” (não circuncidados). O próximo estágio é a periá, que constitui o pacto sagrado e a ligação com o Povo de Israel.
É por isso que, no Berit Milá, se recita a seguinte bênção: “e a seus descendentes selou com o sinal do pacto sagrado. Este “selo” é a periá, que imprime no corpo um sinal inequívoco do judaísmo e da santidade, transformando o indivíduo em parte do pacto com o Eterno, que santifica Seu Povo para sempre.
Do livro “A Fonte da Vida”