
Certo dia Efráyim estava descendo as escadas de seu prédio, quando percebeu que havia um saco de lixo colocado junto à porta de seu vizinho do andar de baixo, Yehudá.
Naquele prédio não havia faxineiros contratados para retirar o lixo de cada apartamento. O combinado entre os condôminos era que cada um deveria levar seus sacos de lixo até uma lixeira coletiva na entrada do edifício.
Efráyim logo imaginou que Yehudá estava muito ocupado para levar seu lixo até a lixeira. Com a intenção de realizar uma boa ação e ajudar seu vizinho, Efráyim pegou o saco de lixo de Yehudá e levou-o até a lixeira coletiva. Após realizar a boa ação, Efráyim ficou muito contente por ter ajudado alguém.
Após algumas horas, a esposa de Yehudá percebeu que seu valiosíssimo anel de brilhantes, não estava no seu dedo. Em poucos segundos lembrou-se que havia retirado o anel da mão antes de fazer netilat yadáyim e colocado-o em cima da mesa onde fizeram a refeição. Yehudá, que havia retirado a toalha plástica descartável que cobria a mesa, não se dera conta do anel entre tantos pratos descartáveis e jogara tudo no saco de lixo, colocando-o depois do lado de fora do apartamento, ao lado da porta de casa.
Quando entenderam o que havia acontecido, os dois correram para a porta de entrada para resgatar o lixo e o anel.
Ao abrirem a porta de casa, perceberam que o saco de lixo havia sumido. Correram para a lixeira na frente do prédio, porém era tarde demais... o caminhão já havia recolhido o lixo dali. Efráyim, que estava por perto e percebeu o desespero do casal, perguntou o que havia acontecido. Eles contaram-lhe o motivo de sua infelicidade. Efráyim colocou suas mãos na cabeça totalmente abatido e disse que havia sido ele quem jogou o saco na lixeira, com a melhor das intenções...
Yehudá ficou furioso com Efráyim e exigiu que ele lhe pagasse o valor do precioso anel, alegando que Efráyim não tinha o direito de mexer no seu saco de lixo.
Efráyim, por sua vez, defendeu-se dizendo que, apesar de acreditar que havia um anel dentro do saco, não poderia ter imaginado isso, e que sua intenção foi apenas a de ajudar...
Quem está com a razão? Efráyim precisa pagar o valor do anel para Yehudá?
O veredicto
Parece que Efráyim está isento de pagar a Yehudá por vários motivos:
Está escrito no Shulchan Aruch (Chôshen Mishpat 388, 1) que se alguém danifica algo de outra pessoa e não sabe o que danificou, o dono do objeto quebrado diz o que havia, sob juramento, e é ressarcido por quem o danificou.
Suponhamos o seguinte exemplo desta lei: digamos que um indivíduo pegou a carteira de outra pessoa e queimou-a ou jogou-a no mar. O dono da carteira afirma que nela havia mil dólares. O indivíduo que a pegou diz que não sabia o que ela continha. Neste caso, o dono da carteira faz um juramento, afirmando que nela havia mil dólares, e o indivíduo que a destruiu precisa pagar para ele os mil dólares.
O caso do anel no lixo, entretanto, não se parece com este exemplo da carteira com dinheiro, mas sim com outro exemplo: digamos que um indivíduo pegou uma caixa de bombons de outra pessoa e queimou-a ou jogou-a no mar. O dono da caixa afirma que dentro dela havia diamantes. O dono da caixa de bombons não é acreditado, mesmo se jurar. Neste caso, o Remá afirma no Shulchan Aruch que há quem diga que, inclusive se havia testemunhas dizendo haver diamantes na caixa, o sujeito que causou o dano está isento de pagar - porque lá não é o lugar de guardar-se diamantes, e o dono falhou ao deixá-los lá. Sobre este caso, o Aruch Hashulchan (388, 5) acrescenta que se o dano foi causado sem querer, segundo todas as opiniões o sujeito está isento de pagar pelo dano.
Portanto, no nosso caso, mesmo que Efráyim tenha acreditado no que Yehudá disse, ele não tinha nenhuma obrigação de adivinhar que havia um anel de brilhantes num saco de lixo. Sendo assim, está isento de pagar.
Além do mais, como poderia Yehudá jurar que dentro do saco de lixo havia um anel de brilhantes, se ele apenas supunha isso, sem ter certeza absoluta?
Pode-se dizer também que Efráyim, ao jogar o saco na lixeira, não cometeu um dano direto, já que apenas colocou o saco na lixeira pública e o caminhão é que retirou-o de lá. Portanto, o que Efráyim fez foi um ato indireto e não um dano “com as próprias mãos”. Há autoridades rabínicas que isentam um indivíduo de pagar por cometer um dano indireto e sem intenção - e muito mais no nosso caso, em que Efráyim teve a intenção de fazer um bem para Yehudá.
Uma última consideração, ainda, é que Yehudá não tinha direito de deixar um saco de lixo na escadaria do prédio, e Efráyim fez o correto, tirando-o de lá.
Sendo assim, por todas estas considerações, concluímos que Efráyim está isento de pagar a Yehudá.
Do semanário “Guefilte-mail” ([email protected]).
Traduzido de aula ministrada pelo Rav Hagaon Yitschac Zilberstein Shelita
Os esclarecimentos dos casos estudados no Shulchan Aruch Chôshen Mishpat são facilmente mal-entendidos. Qualquer detalhe omitido ou acrescentado pode alterar a sentença para o outro extremo. Estas respostas não devem ser utilizadas na prática sem o parecer de um rabino com grande experiência no assunto.