Matérias >> Edição 159 >> Contando a Vida

Um Encontro Muito Longe

Esta é uma história emocionante sobre as peripécias de um jovem judeu afastado da fé, que passa por várias crenças - até seu encontro decisivo com o Dalai Lama.

Contando a Vida

Nasci em uma casa totalmente secular. Não só secular - ateísta. Nós não acreditávamos em nada - nem guardávamos Yom Kipur. Nem mesmo bar mitsvá me fizeram.

Com a idade de quinze ou dezesseis anos, alguma coisa “virou” na minha cabeça. Passei a perambular com pessoas suspeitas. Parecia um louco, com uma careca aqui, outra ali, e uma crista no meio. Causei muito sofrimento e vergonha aos meus pais. Com “sofrimento e vergonha” eu me refiro a não querer entrar no exército. Se há uma religião na qual meus pais acreditavam, seu nome era “Exército de Defesa de Israel”. Eu, no entanto, permanecera ateísta nessa religião também. Simplesmente não era para mim.

Meus pais submeteram-me a uma lavagem cerebral, mas de nada adiantou. Vaguei bastante por Israel e passei o tempo com uma série de tipos estranhos. Só isso já dá uma história per si. Acho que conheço cada trilha e cada caminho da Terra Santa.

Decidi viajar para a Índia, procurar um significado para a vida. Onde não estive? Errei por um monte de lugares, conheci pessoalmente uma série de seitas de todos os tipos e espécies. As pessoas não entendem o significado da atração que exercem todas estas seitas, mas quem esteve lá sabe muito bem.

O motivo é simples: nesta era permissiva, um rapaz secular normal já passou, até a idade de dezessete ou dezoito anos, por todas as experiências materiais que existem na face da Terra. Há aqueles que procuram ainda mais experiências por algum tempo. Quem sabe ainda exista algo mais, que eles ainda não tenham experimentado. Procuram por um, dois anos mais. Aos 21 anos, todos já passaram por tudo. Muitos destes jovens acreditam que não há mais nada por que aspirar e não entendem para que continuar vivendo. Muitos jovens desistem de viver por não terem mais gosto pela vida. Somente então chega a compreensão de que, para se ter proveito de algo, é preciso experimentá-lo na medida certa e com moderação.

Devido à grande incitação contra aqueles que cumprem a Torá, muitos nem pensam em se aproximar do judaísmo. Eles procuram por outra coisa - e acreditam que a encontrarão na Índia.

Há algo de fascinante na Índia; é preciso confessar. Lá, as pessoas vivem com uma mentalidade totalmente diferente. Não se apressam a lugar algum, não se preocupam com nada, têm resposta para tudo. E há pessoas simplesmente surpreendentes.

Lá encontrei monges que tinham um autocontrole extraordinário: podiam flagelar-se, jejuar, ou não mexer uma mão durante anos. Encontrei até um monge que treinava a respiração. Ele decidira que, se a cobra podia controlar a própria respiração e prendê-la durante longos minutos, ele também poderia.

Impressionei-me muito com a devoção que eles aplicavam a seus objetivos. Eu não conhecia aquele tipo de coisa. Era filho de uma geração mimada, que nunca se esforçou por nada. Não podia deixar de me admirar pela determinação que demonstravam.

Mas afinal, também desisti de sua fé. Disse comigo mesmo: “Qual o objetivo de tudo isso? Concordo que se deve admirar um homem que não levanta sua mão durante anos, ou de um homem que controla a própria respiração - mas aonde eles chegam com isso tudo?”

Quanto mais me admirava de seu poder espiritual, mais os desprezava por desperdiçarem-no com coisas fúteis.

Vaguei de um lugar para o outro, até finalmente chegar ao Dalai Lama.

O Dalai Lama é tibetano de origem. Mas quando os chineses dominaram o Tibete e mataram milhares de tibetanos, seus fiéis conseguiram fazê-lo fugir. Desde então, ele se encontra na Índia.

O Dalai Lama é um dos únicos líderes do mundo que não quer saber de violência, ainda que seja por motivo de defesa. Graças a esta fé, o povo tibetano não tem uma terra, é desprezado e humilhado. No entanto, todos o adoram. Este homem também recebeu o prêmio Nobel por sua teimosa devoção à paz.

Fiquei maravilhado com a personalidade do Dalai Lama. Ia todo dia, às quatro e meia da manhã, ouvir seu “sermão”. Ele é um homem sábio e culto. Não encontrei nele nenhum ponto merecedor de crítica.

Entrementes, lá em casa começaram a ficar preocupados comigo. Meu pai escreveu-me que tinha ouvido falar que eu enlouquecera. Respondi, com educação, que me encontrava às vésperas de uma grande decisão. Quando eu estava enviando a carta, dei-me conta de repente que, só pela maneira delicada de escrever, meu pai acharia que seu filho realmente ficara louco. Desde quando eu escrevia com tanta educação?!

Naquela mesma noite, falei com um dos homens do Dalai Lama, que prometeu levar-me até ele depois de sua palestra.

Realmente entrei em sua sala. Ele era um homem delicado e recebia a todos com simpatia. Curvou-se para mim e ofereceu-me uma cadeira.

Falei rapidamente. Disse-lhe que naquela noite havia decidido fazer parte de sua seita, se ele me aceitasse.

Ele perguntou-me, em inglês, de onde eu era.

Respondi que eu era de Israel.

Ele perguntou se eu era judeu.

Respondi que sim.

Então ele reagiu de forma estranha. Sua face iluminada tornou-se surpresa; até um tanto irada. Ele disse que não compreendia minha decisão, e que não me permitiria levá-la adiante. Falou que todas as religiões tentavam imitar o judaísmo. Também disse que tinha certeza de que, lá em Israel, eu andara de olhos fechados. Usou esta expressão mesmo: “de olhos fechados”. Ele pediu que eu pegasse um avião, voltasse a Israel e abrisse os olhos. Ainda acrescentou que “ninguém prefere a imitação ao original”.

Depois despediu-me com um gesto de sua mão.

Naquele dia, não consegui pensar em outra coisa: “Eu, um rapaz de Israel, que não sei nada sobre a própria fé, tenho que passar por todas estas peregrinações para ouvir de um líder não judeu que fui cego, e que fui até o fim do mundo para encontrar algo que estava ao meu lado?”

Voltei a Israel e ingressei em uma yeshivá. Vi que o Dalai Lama tinha razão. No judaísmo há intensidade ao longo de toda a vida. Existem leis, freios e muitas razões por que viver. Pelo menos, 613!

Dois anos após ter retornado ao judaísmo, recebi uma proposta para conhecer uma moça e aceitei-a. Encontrei-me com uma jovem de minha idade. Como eu, ela também fizera teshuvá depois de ter procurado respostas em Goa, na Índia.

Tínhamos uma linguagem em comum. Descobrimos que nós dois cultiváramos as mesmas preocupações, o mesmo desânimo da vida, a mesma procura por um significado e a mesma volta às raízes. Depois de alguns encontros, comuniquei à shadchanit - a senhora que havia arranjado o nosso encontro - que eu gostara muito daquela jovem; e realmente decidimos ficar noivos.

Logo depois do noivado, aproximei-me da shadchanit, dizendo que queria lhe pagar pelo favor. Mas ela não concordou.

- Não mereço - disse ela.

- Como assim, “não mereço”? - questionei. - Afinal, é costume judaico pagar pelos esforços de quem consegue arranjar um noivado.

- Este realmente é um costume judaico - ela retrucou. - Mas eu não fiz o shiduch.

- Então quem fez?

- Não sei - ela respondeu. - Sua noiva veio até mim com um papelzinho, pedindo-me que a indicasse para você. Ela realmente não o conhecia, mas disse que alguém em quem confiava dera-lhe o nome.

A festa do noivado terminou e saí para passear com minha noiva. Perguntei-lhe, desconfiado:

- Qual é a história deste shiduch? Diga-me quem arranjou tudo, para que eu possa lhe retribuir de alguma forma.

- Para isso - disse-me ela - você teria que viajar até a Índia.

- ?!

- Eu ainda não lhe contei algo sobre a minha passagem pela Índia - ela começou a dizer calmamente. - No final de minhas buscas, acabei chegando até o Dalai Lama. Ele impressionou-me muito e decidi juntar-me à sua seita. No entanto, ele disse que, se eu era judia, não devia trocar o ouro pela prata. Que eu deveria voltar às minhas raízes. Depois, sussurrou algo a um de seus secretários, que desapareceu por alguns minutos, voltando com um pequeno cartão. O Dalai Lama copiou para mim um nome em um papelzinho e disse-me: “Esta é a sua alma gêmea”.

- Voltei a Israel e entrei em um internato de moças que fizeram teshuvá. O processo foi fácil e rápido. Como se diz, “descobri a luz”. No início graças ao conselho do Dalai Lama, e mais tarde, por uma luz muito mais forte que me atraía.

- Somente depois de um ano decidi procurá-lo. Dirigi-me a vários casamenteiros com o seu nome, mas eles não o encontraram nas yeshivot de baalê teshuvá. Finalmente, uma de minhas amigas começou a procurar entre os chassidim de Breslav, e lá encontrou-o. Desde o nosso primeiro encontro, soube que o Dalai Lama é um casamenteiro profissional. Ele sabia exatamente quem eu estava procurando e escreveu o seu nome no bilhete.

Esta é a nossa história. Acho que é uma história muito especial. Estamos casados há três anos e temos dois filhos. Eu estou imerso no estudo da Torá o dia inteiro e minha esposa cuida do nosso lar de forma maravilhosa. Mesmo nossos pais, que são pessoas seculares, intelectuais e abastadas, não podem deixar de se admirar da forma como vivemos e do sucesso do nosso casamento. Eles também sabem da história com o Dalai Lama. Nossos pais até contam orgulhosamente aos seus amigos que o Dalai Lama, em pessoa, arranjou o casamento de seus filhos.

A verdade é que, apesar de estarmos muito distantes do nosso passado, nós dois ainda temos no coração um cantinho quente reservado para o Dalai Lama. Ouvimos sobre mais alguns casos de pessoas que foram mandadas de volta por ele para Israel, para que se aproximassem de sua fé. Decididamente, um homem raro em sua espécie.

Há alguns meses atrás ele veio em visita a Israel. Queríamos muito ir visitá-lo, por gratidão. Mas minha esposa disse: “Eu acho que ele preferiria que não fôssemos”.

Encarei-a por alguns momentos e percebi que ela tinha razão. Talvez aquela vontade fosse um artifício de nosso mau instinto, para causar uma confusão entre o sagrado e o profano.

Depois que ele se foi, dirigi-me a meu rabino e perguntei-lhe o que era permitido e o que era proibido pensar a respeito do Dalai Lama. Meu mestre respondeu-me que, como ser humano, eu deveria sentir por ele muita gratidão e ver nele um “chassid umot haolam” - um justo entre os povos. Mas mais do que isso, “ele mesmo” não gostaria que eu sentisse. Pois de outra forma, teria aceito a mim e a minha esposa, e não nos teria mandado de volta às nossas origens.

- Lembre-se dele como ser humano - aconselhou-me meu mestre e rabino - mas esqueça-o como o Dalai Lama. Isso não é bom para você.

Voltei para casa absorto em meus pensamentos. Ele tinha razão, meu mestre. Não era só a gratidão que me fazia sentir-me atraído pelo Dalai Lama. Era ele mesmo, e talvez até mesmo aquilo que ele representa dentro de meu coração.

O mau instinto tem seus métodos. Ele é mais forte do que a vontade do Dalai Lama - que eu me afaste dele - e mais forte do que a minha própria vontade. Idolatria não é uma coisa que se apaga tão rápido do coração.

Cheguei em casa e, na frente de minha esposa, abri o álbum de fotografias. Peguei a foto do Dalai Lama e, com calma, rasguei-a. Não com ódio, mas com admiração. Ele sabe, melhor do que ninguém, que isto não representa ingratidão, mas sim a maior prova de minha gratidão por ele, cumprindo seu pedido da forma mais plena possível.

Tradução de Guila Koschland Wajnryt.
Permissão exclusiva para a Nascente.