Matérias >> Edição 159 >> De Criança Para Criança

O Garoto na Cadeira de Rodas

De Criança Para Criança

A primeira vez que o vi foi na quadra de esportes. Estávamos brincando de “queimada”. Ele não participava do jogo. Estava sentado ao lado da quadra. Seus olhos acompanhavam a bola - como se quisesse tocá-la. Seu rosto magro demonstrava a cada momento o que ele estava sentindo: alegria e riso quando uma das crianças pegava a bola e ganhava um ponto; tristeza e solidariedade quando a bola tocava em uma das crianças e esta saía do jogo.

Às vezes a bola rolava para o meio da rua. Então seu belo rosto mostrava sinais de tensão e preocupação, e seus olhos corriam de um lado para o outro para certificar-se de que não havia nenhum carro nas redondezas.

Não, não o convidávamos para participar do jogo. Sabíamos que ele não podia se levantar da cadeira de rodas sobre a qual estava sentado.

Ele era um menino estranho. Seus pais tinham se mudado para o nosso bairro havia duas semanas. Eu não sabia seu nome nem o sobrenome. Mas tinha muita curiosidade em saber por que ele estava sentado na cadeira de rodas e não podia correr e brincar como eu.

Às vezes a bola caía exatamente em suas mãos. Daí ele a jogava para nós novamente, com seu rosto brilhando de felicidade.

Pedi para as crianças, em silêncio, que jogassem a bola em sua direção a cada tantos minutos, como se fosse sem querer, só para vê-lo contente.

Às vezes ele dava uma volta sozinho pela quadra, com sua cadeira de rodas, com uma velocidade extraordinária. Como se quisesse provar a si mesmo que ele também podia se mover com rapidez.

Um dia, no meio de sua volta corriqueira pela quadra, a cadeira de rodas virou-se de repente e ele caiu por terra. Acudimos rapidamente e levantamos o garoto com cuidado sobre a cadeira. Ele não chorou, apesar de seu rosto acusar a dor que estava sentindo. Murmurou um “obrigado” e continuou em silêncio.

Deixei o jogo, sentei-me ao seu lado e perguntei:

- Você quer que eu o leve para casa?

Mas ele respondeu:

- Não, eu adoro ver vocês jogarem.

Tomei coragem e perguntei:

- Qual é o seu nome?

- Yitschak - respondeu-me. - E o seu?

- Meir - eu disse.

Permanecemos em silêncio.

No dia seguinte, sua mãe o trouxe de novo. Suas mãos estavam enfaixadas, devido ao tombo do dia anterior.

Falei para os meninos que eles podiam continuar jogando, mas que eu gostaria de sentar-me ao lado dele.

Sentei-me ao seu lado e não sabia sobre o que conversar.

- Posso levá-lo para casa quando terminar o jogo? - perguntei-lhe.

- Sem problemas - ele respondeu com um sorriso.

Voltei ao jogo, praticando o famoso exercício de jogar a bola para o lado de Yitschak. E ele, que já se acostumara a isso, jogava a bola com as mãos firmes, com interjeições de alegria e riso. Todos nós gostávamos destes momentos.

Depois do jogo, peguei a cadeira de rodas e levei-o até sua casa.

A casa era térrea. Bati, a seu pedido, na porta. Sua mãe abriu para nós e seus olhos se arredondaram de espanto:

- Por que voltou sozinho? - ela perguntou, suavemente. - E quem é você? - interpelou-me. Eu hesitei. Olhei para ele, depois para ela e mais uma vez para ele.

- Ele é meu amigo - disse Yitschak. - Conheço-o da quadra de jogos. Este é o menino sobre o qual lhe contei, que pede para os outros garotos perderem a bola sem querer, para juntar-me ao jogo - concluiu Yitschak.

Enrubesci. Não sabia que ele tinha percebido o truque...

Seu quarto estava todo decorado. Desenhos enormes e bonitos cobriam as paredes, cada qual com uma pequena assinatura embaixo - Yitschak.

- Você tem um quarto bonito - eu disse depois de alguns momentos de silêncio. - Seus desenhos são simplesmente maravilhosos!

- Obrigado - disse ele. - Agora conte-me sobre você.

Contei-lhe que eu estudava na quinta série e que era um garoto bastante aplicado, mas um tanto peralta. Contei-lhe sobre minha classe, sobre os professores e amigos. De repente eu estava lhe confidenciando tudo o que tinha no meu coração. Sentia-me bem. Depois que terminei, Yitschak me disse:

- Eu sei que você tem vergonha de me perguntar por que estou preso à cadeira de rodas, então vou lhe contar sozinho:

- Eu era um garoto normal, como você - começou. - Na classe, eu era o mais rápido e o mais hábil. Como você, eu também jogava bastante, e quase sempre vencia.

- Certa vez, a bola com que estávamos brincando rolou para a rua. Corri atrás dela e... - sua voz tremeu - apareceu um carro, bateu em mim e me fez voar uma grande distância. Por sorte feri-me nas pernas, pois se fosse na cabeça, não estaria falando com você agora. Mas mesmo assim é bastante difícil para mim não poder mexer os pés. Este é o motivo pelo qual estou preso à cadeira de rodas. Espero que me recupere, mas isso vai levar muito tempo. Agradeço a Hashem por ter sido salvo da morte e também por ter me poupado as mãos, com as quais posso fazer quase tudo.

Esta era a triste história de Yitschak. Compreendi por que ele ficava tão temeroso toda vez que a bola rolava para a rua.

Continuamos a conversar. Percebi que ele era muito mais inteligente do que eu. Ele sabia responder a todas as perguntas que eu fazia sobre guemará e Torá. Mas eu não sabia responder as suas perguntas.

Ele contou-me coisas interessantíssimas sobre satélites, espaçonaves que viajam até a Lua e sobre lugares distantes. Ele contava tudo de forma engraçada e divertida, de modo gostoso de sentar e ouvir.

De repente, olhamos para a janela e falamos juntos: “Uau, como o tempo passou!” Rimos. Já eram oito da noite. Simplesmente não sentimos o tempo passar.

Telefonei para minha mãe, que já estava preocupada, e acalmei-a. Despedi-me dele e fui para casa.

Se vocês virem um menino empurrando uma cadeira de rodas com outro menino, magro e encantador, saibam que somos Yitschak e eu. Ele é meu melhor amigo. Estou tão feliz por tê-lo conhecido, que nunca me separarei dele.

Às vezes nós o ajudamos a se levantar da cadeira de rodas e ele consegue dar alguns passos. Yitschak contou-nos que o médico disse para sua mãe que sua situação está melhorando muito. Em breve ele poderá, com a ajuda de Hashem, andar e correr como todo mundo.

Enquanto isso, tiramos proveito de suas mãos talentosas. Sobre as paredes da nossa classe estão pendurados desenhos enormes, lindos. Embaixo de cada um está assinado em letras pequenas - Yitschak.

Chayim Walder em “Yeladim Messaperim al Atsmam”, baseado em cartas recebidas de crianças.

Tradução de Guila Koschland Wajnryt.
Permissões exclusivas para a Nascente.