Matérias >> Edição 159 >> Era Uma Vez

Três Amigos, Três Ilusões

Três amigos resolveram contratar um empregado mensalista para ajudar nos afazeres domésticos de seus lares.

Era Uma Vez

Começaram a procurar um jovem com as qualidades requeridas. Tomaram referências, realizaram algumas entrevistas e, finalmente, contrataram um dos candidatos. Entre as atividades designadas ao rapaz, estava a de fazer a feira semanal para os três sócios.

Toda semana, o jovem consultava sobre as frutas, verduras e demais mantimentos necessários para cada casa, solicitava a quantia de dinheiro necessária para comprá-los e fazia a feira.

Quando o empregado voltava da feira com os mantimentos, apresentava a conta das despesas para cada um dos patrões e devolvia o troco do dinheiro pego.

Entretanto, o jovem não era nada confiável. Muito pelo contrário. Sempre pedia para os patrões uma quantia muito maior que a necessária para as compras. No final, apresentava valores superfaturados das mercadorias adquiridas.

Certa vez, os três amigos conversavam sobre o funcionário e resolveram que seria apropriado acompanhar o rapaz em suas compras, para verificar se a declaração dos gastos estava sendo realizada de forma idônea.

Então eles decidiram que, durante as três semanas seguintes, cada um deles iria acompanhar o jovem nas compras.

Quando os amigos comunicaram sua decisão ao empregado, ele ficou aflito. Como faria para que não descobrissem a fraude? Há tanto tempo ele roubava seus patrões e agora estava prestes a ser denunciado.

Faltavam poucos dias para a próxima feira.

Calmamente, o rapaz dirigiu-se ao primeiro patrão e passou a descrever os desconfortos da feira.

- Na feira onde compro seus mantimentos há um grande tumulto de pessoas - começou a dizer o empregado. - As pessoas esbarram umas nas outras e nem todas são tão educadas e limpas como o senhor! Muito pelo contrário. Há gente de toda sorte. Além disso, o senhor precisaria acordar muito cedo para ir. Creio que não seria apropriado a alguém de seu status, tão fino e requintado, dar-se ao trabalho de frequentar um local como este!

Tanto falou o jovem que convenceu o patrão.

- Está bem - disse o homem. - Realmente, eu tenho coisas mais importantes a fazer.

Contente, o jovem foi fazer a feira sozinho.

Na semana seguinte, o empregado começou a convencer seu segundo patrão. Com a mesma calma anterior, repetiu o discurso. Mas o homem não se convenceu:

- Mesmo assim irei - disse o patrão. - Vou fazer as compras com você nesta semana.

No dia da feira, o jovem estava um tanto angustiado por ter falhado em seu plano inicial.

Durante as compras junto com o patrão, entretanto, ele começou a pôr em prática com astúcia uma nova tática: distrair o chefe.

A cada compra que fazia, desviava a atenção do homem para que ele não percebesse os valores pagos.

Em algumas compras apontava para outras barracas, mostrando produtos interessantes. Em outras compras, lembrava o patrão de suas preocupações nos negócios e com a família. Além disso, frequentemente tecia comentários sobre outros compradores, fazendo com que a atenção do patrão nunca fosse dirigida às compras. Em algumas oportunidades, ainda, avistou conhecidos do patrão e chamou-os para que ficassem conversando.

Finalmente, terminaram de fazer todas as compras e o chefe nem se deu conta do superfaturamento das mercadorias adquiridas.

Agora faltava apenas passar pelo terceiro patrão para não serem descobertas as fraudes realizadas durante tanto tempo.

Mal começou a pôr em prática o plano número um - evitar a ida do patrão - e o jovem percebeu que não funcionaria. O homem estava determinado a fazer a feira de qualquer jeito.

No dia da feira, confiante, o jovem começou a distrair o patrão, utilizando os mesmos métodos da semana anterior. Mas estes também não funcionaram. A cada tentativa, o patrão levantava a voz, dizendo que queria prestar atenção aos produtos comprados e aos valores despendidos.

Não houve jeito de distrair o homem.

Chegando em casa, o patrão fez umas poucas contas e verificou quanto tinham gasto com todas as compras.

Antes que o patrão pudesse dizer qualquer coisa, o empregado exclamou:

- Hoje conseguimos gastar muito menos do que gasto de costume! Esta feira é mais barata do que as outras, porque a qualidade dos produtos não é tão boa. Mas as outras feiras, as melhores, são muito distantes. Seria necessário acordar muito cedo, percorrer uma distância maior e perder muito mais tempo para comprar nelas...

*   *   *

Nossos sábios contam esta parábola para alertar quanto aos artifícios do yêtser hará, o nosso mau instinto.

Quando decidimos ir fazer nossas orações na sinagoga, ele tenta utilizar com astúcia estes mesmos três recursos.

Inicialmente, tenta nos persuadir a não ir para a sinagoga. Assim, muitas pessoas são convencidas a permanecer na cama ou a praticar afazeres “mais importantes”.

Outras pessoas não aceitam a primeira investida do mau instinto e decidem participar das orações. Mas, chegando na sinagoga, são distraídas durante todo o tempo; seja com pensamentos distantes ou com conversas com companheiros.

Finalmente, o terceiro artifício do yêtser hará, para quem rezou com atenção, é tentar desmerecer as preces, argumentando que o que foi realizado não tem tanto valor.

Conhecer as artimanhas do yêtser hará é o primeiro passo para conseguir evitá-las e ser bem-sucedido em nossas nobres obrigações!

Baseado no livro “Imrê Fi” de Rav Eliyáhu Lopes