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Cheque em Branco

"A seguinte história foi contada em uma cerimônia de premiação de Howard Schultz, presidente e estrategista-chefe global da famosa empresa de café "Starbucks Corporation". Schultz recebeu o Prêmio Botwinick em Ética Empresarial

Comportamento

Durante o período em que o Gaon Rabi Natan Tsvi Finkel zt”l (1943-2011) foi Rosh Yeshivat Mir em Jerusalém (de 1990 a 2011), a yeshivá se transformou na maior em Israel, com cerca de 6.000 alunos solteiros e mais de 1.600 avrechim - estudantes casados. De acordo com uma estimativa, ele ensinou cerca de 25.000 alunos neste período.

Embora sofria da doença de Parkinson durante os últimos 28 anos de sua vida, experimentando espasmos involuntários e fala arrastada, não deixou que sua doença o impedisse de estudar Torá por longas horas diárias, ministrando shiurim regulares. Nobremente recusava-se a tomar remédios que pudessem prejudicar sua memória e seu aprendizado da Torá.

Até o final de sua vida, não deixou de empreender viagens pelo mundo para arrecadar fundos para a yeshivá. Ele arrecadou cerca de 500 milhões de dólares para Yeshivat Mir nos anos que foi rosh yeshivá.

O sábio era conhecido no mundo judaico por sua grande erudição na Torá, pelo calor e preocupação com seus alunos e por seu amor ao próximo.

Nascido em uma pobre família judia, Howard Schultz (65) tornou-se um bem sucedido empresário americano. Foi CEO da Starbucks de 1986 a 2000, novamente de 2008 a 2017, bem como seu presidente executivo de 2017 a 2018.

A “Starbucks Corporation” é uma empresa americana de café e cadeia de cafés fundada em 1971. Em 1986, quando Schultz comprou a Starbucks em dificuldades financeiras, com a ajuda de alguns investidores, ela contava com 17 lojas. Em junho de 2018, quando se aposentou da coordenação, eram 28.218 locais em todo o mundo, com mais de 350.000 funcionários.

Em dezembro de 2018 a revista Forbes classificou Schultz com um patrimônio líquido de 3,3 bilhões de dólares. Atualmente ele é presidente emérito da Starbucks e cogita  ser o cadidato democrata à presidência dos Estados Unidos em 2020.

Quando eu estava em Israel fui a Meá Shearim, um bairro ortodoxo em Jerusalém. Junto com um grupo de empresários com quem eu estava, tivemos a oportunidade de nos encontrar com o líder da Yeshivá de Mir, o rabino Natan Tsvi Finkel. Eu nunca tinha ouvido falar do rabino antes. Não sabia nada sobre ele.

Fomos levados para o escritório e esperamos cerca de quinze minutos antes da chegada do rabino. O que não sabíamos era que o rabino Finkel estava gravemente afetado pela doença de Parkinson. Ele sentou-se à cabeceira da mesa e imediatamente desviamos o olhar dele. Não queríamos envergonhá-lo. De repente, o rabino bateu na mesa e disse: “Senhores, olhem para mim, e olhem para mim agora mesmo!”

A aflição de seu discurso era ainda pior do que sua agitação. Foi muito difícil ouvi-lo e olhar para ele ao mesmo tempo.

Ele disse: “Sei que tenho apenas alguns minutos com vocês, porque vocês são todos ocupados homens de negócios americanos!”

Então ele perguntou: “Alguém pode me dizer qual é a lição do Holocausto?”

Ele questionou um de nós. Era como um aluno sendo interrogado na quinta série - e não saber a resposta. O homem respondeu algo delicado como: “Nós nunca vamos esquecer?”.

O rabino rejeitou completamente a resposta.

Rabi Finkel começou a olhar ao redor da mesa para chamar mais alguém. Estávamos todos nos imaginando debaixo da mesa...

olhando para longe, torcendo para que ele não chamasse nenhum de nós. Pessoalmente, eu estava suando.

Logo ele chamou outro participante que, a meu ver, deu uma resposta fantástica: “Nunca mais seremos vítimas ou espectadores de algo similar!”.

Mas o rabino disse: “Vocês não entendem, tudo bem. Deixem-me contar algo sobre a essência do espírito humano. Como vocês sabem, durante o Holocausto, os judeus foram transportados da pior maneira possível, a mais desumanaque se pode imaginar. As pessoas imaginavam que estavam indo para um campo de trabalho, mas estavam sendo enviados para campos de concentração e extermínio. Depois de horas ou até dias trancados num vagão horrível sem luz, sem banheiro e com um frio extremo, eles chegavam aos acampamentos. Homens e mulheres eram separados, mães de filhas, pais de filhos! Finalmente eles eram enviados para os barracões. Apenas uma pessoa em cada seis recebia um cobertor. A pessoa que recebia o cobertor tinha que decidir antes de ir dormir se dividiria o cobertor com mais cinco pessoas ou se o usaria sozinho, tentando manter-se aquecido. Uma penosa dúvida interna.”

O rabino Finkel parou por um momento e ficamos todos num silêncio apreensivo. Então ele disse: “Senhores, foi neste momento de definição que aprendemos o poder do espírito humano, porque empurramos o cobertor para outros cinco. Essa é a lição do Holocausto!”

Com isso, ele se levantou e disse: “Peguem seu cobertor. Levem-no de volta para a América - e empurrem-no para outras cinco pessoas!”

Há uma continuação desta história. Aparentemente, o Sr. Schultz depois voltou a Israel e visitou novamente o rabino Natan Tsvi. Desta vez, na presença do rabino, ele retirou um cheque em branco, assinou-o e disse ao rabino Finkel para preenchê-lo com a soma que ele quisesse, para ser usado como ele desejasse. O rabino perguntou-lhe: “Posso preencher esse cheque para o que eu quiser mesmo?”. De forma categórica, o Sr. Schultz respondeu afirmativamente: “Lógico! Vá em frente Rabino!”. Com grande dificuldade, devido à sua frágil condição física, o rabino Natan Tsvi pegou sua caneta e anotou o valor de mil e quatrocentos dólares no cheque. Então ele entregou o cheque a Howard Schultz e disse-lhe para levá-lo ao outro lado da rua e entregá-lo a um escriba - um “sofer” - em uma loja de artigos judaicos: “Use o cheque para comprar um par de tefilin e prometa colocá-lo todos os dias!”

Sua yeshivá possuía dívidas de milhões de dólares, e o rabino esforçava-se muito para levantar dinheiro para manter a instituição. Mas, naquele momento, ele pensou primeiramente em seu companheiro judeu - como poderia beneficiá-lo da melhor forma.

Vejam a diferença do pensamento de um grande sábio. Se nós estivéssemos lá, pensaríamos qual o máximo que poderíamos tirar daquele milionário. Mas um gigante pensa diferente:

“O que posso dar para este sujeito?”.