Matérias >> Edição 161 >> Contando a Vida

Encontro Marcado

Esta carta enviada a Chayim Walder foi escrita por um jovem solteiro em busca de seu par e foi contada no programa de rádio "Col Hanshamá". O sofrimento deste rapaz lhe ensinou uma lição que poderia ter facilmente evitado sua dor.

Contando a Vida

Essa história ocorreu há cerca de 25 anos. Eu era então um rapaz de 22 anos, na época de shiduchim - quando eu procurava uma moça para me casar. Eu estudava em uma boa e conhecida yeshivá, e era considerado um rapaz estudioso e bem aceito pela sociedade.

Havia ótimas propostas - bastava eu escolher. Mas foi justamente nisso que tive dificuldade. Talvez por causa de tantas possibilidades de escolha, fiquei confuso.

Depois de algumas tentativas, decidi não fazer mais o primeiro encontro na casa da pretendente, para evitar o mal-estar de ter que dar uma resposta negativa após ter me encontrado com os pais. Depois do primeiro encontro, já se pode ter alguma ideia se a moça combina com você, e se combina - aí sim é conveniente marcar um encontro em casa.

Involuntariamente, esta decisão acabou sendo a causadora da história de minha vida.

Certa vez, recebemos uma proposta de shiduch. Ao pesquisarmos, a informação obtida sobre a moça foi excelente. Tudo parecia combinar. Marcaram-nos um encontro no lobby de um hotel.

Cheguei lá, e lá estava ela, sentada ao lado de uma das mesas. Perguntei se ela era a Rivcá (nome fictício), ao que ela respondeu afirmativamente. Começamos a conversar. O papo fluía agradável. Adequação total.

No início, estávamos entretidos na conversa, sem prestar atenção ao que ocorria a nossa volta. Mas depois de um tempo, reparamos que na mesa ao nosso lado havia um rapaz sentado, esperando. Percebemos que ele estava aguardando alguém. Mas ele esperou por muito tempo. Pediu uma coca e ficou observando à sua volta o tempo todo.

E isso não é tudo. No outro canto do lobby, uma moça em idade de shiduchim também esperava, nervosa, por um encontro. Em determinado momento o rapaz levantou-se e desapareceu. Ela ainda permaneceu por mais meia hora, depois desistiu e sumiu também.

Nós dois demos de ombros - era realmente muito estranho.

Ao término daquele primeiro encontro, combinamos que o próximo seria acertado pela shadchanit - a casamenteira.

Acompanhei-a até o táxi e depois voltei para casa.

Mal abri a porta de casa e meus pais caíram em cima de mim:

- O que aconteceu?! Onde você estava?! Estávamos preocupados!

Não entendi o que eles estavam falando.

- Eu estava no encontro... no local combinado!

Meus pais me encararam pasmos. Percebi que minha mãe estava histérica.

Meu pai franziu a testa e disse:

- Então por que a moça chegou em casa e disse que você não compareceu ao encontro?

Chegou a minha vez de ficaradmirado:

- O quê?! Foi isso que ela disse?! Ela é normal? Afinal, eu conversei com ela por três horas e meia! Como ela pode ter dito isso?

No início, meus pais não acreditaram em mim. Mas ao verem o choque estampado em meu rosto, telefonaram para a shadchanit e transmitiram-lhe minhas palavras. Ela retornou depois de alguns minutos e confirmou:

- A moça continua alegando que esperou no lobby e que o rapaz não chegou.

Insisti para meus pais ligarem para a casa da moça. Eu queria falar com ela e resolver tudo o quanto antes. Logo que meus pais me passaram o telefone, compreendi o que ocorrera: era outra voz.

A moça com a qual eu me encontrara não era a moça com a qual eu deveria ter me encontrado.

Contei a ela o que ocorrera, pedi-lhe perdão e disse que conversaria com meus pais para decidir o que faríamos.

Meus pais riram bastante daquele estranho engano. Depois de terem se recobrado, perguntaram quando é que eu pretendia me encontrar com a moça “verdadeira”.

Aí tive que lhes contar o verdadeiro “problema”:

- A moça com a qual eu me encontrei combina muito comigo - eu disse com simplicidade.

Meus pais não sabiam o que dizer.

Depois de alguns instantes silenciosos, minha mãe perguntou:

- E quem é ela? Qual o seu nome?

- Rivcá - respondi. - O mesmo nome da outra.

- Rivcá do quê?

Ergui os ombros. Eu não sabia o sobrenome.

- Onde ela estuda? - arriscou minha mãe.

Num seminário - respondi.

De repente, “caiu minha ficha”. Comecei a repassar toda a nossa conversa e dei-me conta de que, apesar de termos conversado por três horas e meia, eu não sabia absolutamente nada de concreto sobre aquela moça. Nem o sobrenome, nem o nome do seminário em que estudava, tampouco a cidade em que morava.

Nada.

Preocupado, eu disse para os meus atônitos pais:

- Preciso me lembrar de algo que ela tenha dito que me ajude a saber quem é ela.

Fechei-me no quarto e comecei a recapitular toda a nossa conversa. Ela disse ter irmãos em yeshivot, mas não disse quais. Disse que tinha dois irmãos num chêder, mas não disse qual. Ela falou sobre aspirações, pensamentos e ideias - mas absolutamente nada sobre a rua em que morava, ou sua cidade, ou a escola ou o jardim de infância...

Eu só sabia seu primeiro nome. E sabem de uma coisa? Nem disso eu tinha mais tanta certeza...

No decorrer dos dias que se seguiram, minha família engajou-se em uma exploração digna da Scotland Yard, cujo objetivo era localizar alguma Rivcá que tivesse se encontrado, por engano, com outra pessoa. Telefonamos para todos os shadchanim e shadchaniyot que conhecíamos - e nada.

Depois de algumas semanas de procura, meus pais voltaram a levantar a proposta original. Eu lhes respondi que, por hora, não estaria disposto a escutar outras propostas. Eu não tinha dúvidas de que, se espalhasse o caso para todos os shadchanim, eles acabariam cruzando informações.

Depois de alguns meses, comecei a pensar que talvez sua shadchanit fosse alguma amiga ou parente, e não uma shadchanit profissional. Mas ainda assim pensei comigo: “Mas como? Ela não percebe que tem que me procurar entre os shadchanim?”

Um ano se passou, e mais um e outro mais. Eu estava com 27 anos e ainda não conseguira encontrar um shiduch.

Certo dia, telefonou uma shadchanit que não conhecíamos. Ela começou a falar sobre uma moça que combinava muito comigo, com tais e tais virtudes. Minha mãe perguntou qual era o nome da moça, e a shadchanit respondeu.

Minha mãe logo alegou que o encontro não seria possível. A shadchanit perguntou o motivo e minha mãe explicou, polidamente, que em nossa família nós não tínhamos o costume de nos casar com pessoas de outras comunidades. A shadchanit perguntou se, considerando a minha idade, não seria possível transigir. Ao que minha mãe respondeu que, mesmo se fosse o caso de ceder em algo, certamente não seria nisso.

Eu concordava com a resposta. Assim fora educado.

A shadchanit tentou telefonar mais algumas vezes. Ofereceu novas propostas, mas todas de outras comunidades. Minha mãe sempre respondia que nesses casos não havia sobre o que dialogar.

Eu me espantei por que minha mãe continuava a conversar com ela, mas logo compreendi o motivo. Aquela shadchanit era uma pessoa muito amável e atenciosa. Minha mãe, que era uma pessoa muito fechada e orgulhosa, se abria com ela. Mamãe falava com ela durante horas, por vezes lamentando a minha situação. Obviamente, ela acabou contando a história que ocorrera cinco anos antes. A shadchanit começou a dar-lhe conselhos sobre como encontrar a moça, mas minha mãe explicou-lhe que já havíamos feito de tudo - consultado shadchanim, seminários, listas telefônicas - e nada.

As amigas continuaram se falando por mais meio ano, até que, num belo dia, a shadchanit ligou emocionada:

- Encontrei a moça que vocês estão procurando!

Minha mãe quase desmaiou.

A mulher contou que tinha conversado com todas as shadchaniyot que conhecia sobre o meu caso. Naquele dia, uma delas lhe telefonara, dizendo que ouvira sobre uma moça que se encontrara por engano com um rapaz e o perdera. Ela não sabia qual foi o final da história, mas encaminhou a mulher para outra, que encaminhou-a, por sua vez, para outra. Depois de umas dez mulheres, finalmente a amiga da minha mãe chegou à mãe da moça, que lhe confirmou a história.

Eu estava em casa e, obviamente, juntei-me à conversa pelo outro telefone. Fiquei muito inquieto.

- No entanto, há um grande problema - disse a shadchanit.

- Ela se casou?... - arrisquei.

- Não. Justamente não. Mas ela não é de sua comunidade.

- E acaso lhe parece que me interessa a que comunidade ela pertence? - perguntei.

Esperava que minha mãe gritasse comigo, mas, para minha surpresa, ela permaneceu em silêncio.

Depois de uma semana nos encontramos. O primeiro encontro, digo, o segundo, foi inteiramente dedicado a comentários sobre o estranho equívoco que nos ocorrera e à jornada de explorações que cada um de nós empreendera tentando encontrar o outro.

No decorrer daquela conversa, logo percebi por que não conseguira encontrá-la. Eu simplesmente não levara em conta a hipótese de ela pertencer a outra comunidade. Meu cérebro era tão fechado, que nem sequer levantei uma hipótese dessas. No decorrer das minha procuras “detetivescas”, não me dirigi sequer a uma shadchanit de outra comunidade. Por isso sofri tantos anos.

É óbvio que ficamos noivos e nos casamos com a ajuda de D’us.

O interessante é que depois de ouvir nossa história, ninguém estranhou meu comportamento discriminatório.

Eu já estou casado há uns bons anos e sou muito feliz. Nesta minha carta, gostaria de expressar um pouco dos meus sentimentos em relação a este assunto tão doloroso. Eu me pergunto, mas a pergunta é dirigida a todos: Quem sabe quanta felicidade desperdiçamos seguindo nossos preconceitos e ideias discriminatórias? Afinal, de forma natural eu nunca encontraria meu par. Só porque a conheci antes, quando minha cabeça estava livre de todos os preconceitos segundo os quais fora educado, que vi nela a mulher ideal para mim.

Isso teria probabilidade zero de ocorrer se eu soubesse de antemão de onde ela viera.

Entendo perfeitamente a tendência primária de procurar um par da mesma origem. É óbvio que é mais fácil quando os pais e as famílias combinam, quando os costumes são parecidos. Mas quando a pessoa está com dificuldade de encontrar um par, não entendo por que deva evitar procurar em outras comunidades. Afinal, somos irmãos!

O que fazemos para nós mesmos? Por que diminuímos os horizontes de nossa felicidade? Acredito que centenas - e talvez milhares - de pessoas estão sem par, simplesmente por terem fechado a entrada da felicidade com um portão de ferro enferrujado - sem lógica e sem direito de existir.

Vejam só como nos dividimos entre ashkenazim e sefaradim, chassidim e lituanos, iemenitas e marroquinos, e muitas outras divisões. Somente D’us, que está lá em Cima, sabe o que estamos perdendo.

Na verdade, não só D’us. Quando olho para os meus doces filhinhos, que ora dormem como anjos - eu também sei!

Tradução de Guila Koschland Wajnryt

Permissão exclusiva para a Nascente