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O Segredo de Nechama

De Criança Para Criança

Meu nome é Chani.

Eu estudo na sexta série. Sou considerada uma aluna aplicada e me viro muito bem na sociedade. Não sou a “rainha da classe”, tampouco gosto deste conceito. Ele denota orgulho e vaidade, que são coisas das quais eu tento me afastar.

No mês de kislev, entrou em nossa classe uma nova aluna chamada Nechama. A professora colocou-a para sentar ao meu lado. À primeira vista ela parecia muito simpática, mas por algum motivo, não abria a boca. Ela era muito tímida.

Em alguns dias descobrimos que ela era a garota mais capacitada da classe. Suas lições de casa eram as mais bonitas e organizadas, e nas provas ela não tirava menos do que noventa.

Pouco a pouco tornamo-nos camaradas. Camaradas sim, amigas não. Eu até que tinha muita vontade de ser sua amiga de verdade, mas parecia que ela estava fechada consigo mesma e não queria partilhar seus sentimentos com outra menina.

Querem um exemplo? Depois de dois meses sentando juntas, eu ainda não sabia com o que seu pai trabalhava, se ela tinha irmãos e irmãs, nem mesmo... onde ela morava eu não sabia. De uma forma geral, parecia-me que ela escondia algum segredo. Era muito difícil para mim falar o dia inteiro com alguém de quem eu não sabia absolutamente nada.

Resolvi agir. Um dia lhe propus:

- Vou acompanhá-la até sua casa.

Ela tentou esquivar-se:

- Não vale a pena o esforço...

Mas eu não desisti.

Andamos um trecho, enquanto entre nós reinava o silêncio. Percebi que ela não estava nem um pouco à vontade. Ela seguiu em direção ao “bairro dos ferreiros”. Era um bairro meio abandonado, de casas velhas e “caindo aos pedaços”. Em frente a um dos prédios, Nechama parou e disse:

- Muito obrigada por ter me acompanhado - e desapareceu no corredor.

Fiquei sozinha, com raiva e ofendida. Por que ela não me convidara para entrar? Este era o agradecimento por tê-la acompanhado? Contudo, minha raiva logo desapareceu. Afinal, ela não estava interessada em que eu a acompanhasse; minha curiosidade é que me levara a acompanhá-la.

Resolvi não me intrometer em sua vida sem sua vontade, e continuamos nossa camaradagem normal. Pouco a pouco fomos nos aproximando. Conversávamos sobre todos os assuntos, exceto... sobre sua família e sua vida particular. Descobri que ela era uma garota de bom coração, inteligente, delicada e confiável. Descobri nela muitos atributos que eu gostaria de ter. Eu era feliz por ser sua companheira.

Certo dia, eu estava andando na rua principal para comprar uma roupa.

Entrei em uma loja de roupas e comecei a escolher. De repente, ouvi uma voz:

- Nechama, já escolheu?

Ao que uma voz familiar respondeu:

- Sim.

Era minha amiga Nechama.

Resolvi me esconder, para que ela não me visse. Espiei do canto da loja e vi sua mãe. Ela não aparentava ser alguém que morava no bairro dos ferreiros. Ela vestia roupas muito caras e parecia muito rica. Pela conversa, percebi que a vendedora as conhecia há muito tempo, e que ela respeitava muito a mãe de Nechama.

Decidi que, desta vez, eu precisava descobrir, de uma vez por todas, o que estava acontecendo. Quando elas saíram da loja, comecei a segui-las, em silêncio, para que elas não percebessem. Elas atravessaram algumas ruas e chegaram no bairro mais caro da nossa cidade. Era um bairro de mansões luxuosas, cercadas de belos e grandes jardins.

As duas pararam em frente ao portão de uma das mansões e tocaram a campainha. Então não pude me conter mais, aproximei-me delas e exclamei:

- Nechama!

Nechama virou-se, seu rosto enrubesceu como uma beterraba e lágrimas afloraram em seus olhos. Sua mãe perguntou-lhe:

- Quem é ela?

- Esta é Chani, de quem lhe falei - respondeu Nechama.

- Então por que você está chorando? - perguntou a mãe. Nechama permaneceu em silêncio.

Depois de um momento de silêncio, sua mãe disse:

- Subam por favor, quero falar com vocês.

Subimos. Com lágrimas nos olhos, contei à mãe dela sobre nossa camaradagem, que eu gostaria tanto de transformar em amizade, mas que não conseguia, porque Nechama escondia de mim sua vida particular.

- No começo - acrescentei - pensava que Nechama fosse muito pobre e que tinha vergonha de mim. Mas agora, vendo que vocês são ricos, eu não consigo entender: por que ela se distancia tanto de mim?

Sua mãe encarou-a com espanto:

- Por que você não contou a ela quem é? Por que você a fez pensar que mora no bairro dos ferreiros? Eu também não consigo entender.

Foi então que Nechama resolveu se explicar:

- Eu não gostava da escola anterior onde estudava - começou a desabafar. - Todos lá eram ricos e se gabavam de sua riqueza, como se eles próprios tivessem conseguido o dinheiro, e não D’us que tivesse lhes dado. Eu ficava tão desgostosa com aquela vaidade e aquele orgulho, que não conseguia me dar bem lá. Daí mudei-me para esta nova escola. Antes de entrar, decidi que não contaria a ninguém que meus pais eram ricos, para que não pensassem que eu sou orgulhosa e me odiassem.

Depois das explicações, a mãe de Nechama e eu sentamos com ela durante muito tempo, tentando convencê-la de que aquilo não era motivo para ela esconder sua vida de todos.

- Você é admirada pelo que é, e não pelo dinheiro que seus pais têm - expliquei-lhe.

No dia seguinte, Nechama transformou-se totalmente. Passou a não esconder mais nada sobre sua família. Começou a convidar amigas para sua casa e, acreditem ou não, não sentimos nenhuma mudança no seu caráter. Antes de revelar seu segredo, ela possuía um caráter excelente e agradável, e depois ele permaneceu o mesmo. Antes ela era humilde e amável, e assim continuou sendo.

Chayim Walder em “Yeladim Messaperim al Atsmam”, baseado em cartas recebidas de crianças.

Tradução de Guila Koschland Wajnryt.

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