Matérias >> Edição 161 >> Educação

Demonstrar Antes de Censurar

Yochanan David Salomon

As recomendações, censuras e advertências de pouco valem se os pais não considerarem um fator primordial na educação.

O homem que sentava à minha frente na sala de espera despertou minha atenção. Tentei adivinhar qual seria sua profissão. Professor? Psicólogo? Talvez veterinário?...

Iniciamos a conversa, e uma de minhas primeiras perguntas, logicamente, foi qual era sua profissão. A resposta me surpreendeu: treinador de cães. Nenhum de meus conhecidos tem esta profissão e nunca na minha vida tivera a oportunidade de me encontrar com um treinador de cães.

- Diga-me - eu perguntei para ele - qual a serventia desta ocupação? Será preciso ensinar ao cão latir quando vem um ladrão?

Ele sorriu e respirou fundo antes de responder:

- Suponhamos que eu lhe presenteasse com um cãozinho. Digamos que a primeira coisa que você deseje ensiná-lo é que faça suas necessidades fora de casa. Então, quando o cachorro suja a casa você o castiga. Recompensa e castigo são meios de adestrar um cão. Aí você se depara com um problema sério: como portar-se para que o cão saiba exatamente sobre o que ele foi castigado? Suponha que o cérebro canino associasse que o castigo foi dado por ele ter feito suas necessidades no chão. Ele aprenderia essa lição e da próxima vez faria suas necessidades em cima do sofá ou na poltrona!

- A mensagem que você tenta passar para o cão - continuou o adestrador - não é tão clara como se pode imaginar. É possível interpretar a mensagem de várias maneiras. Sem a orientação de um profissional, o castigo pode causar um ensinamento ao cão diferente daquele que você intenciona transmitir. Quando você transmite uma mensagem, é necessário pensar como será que o receptor a captará e como ele a decifrará.

Enquanto tentava entender claramente o significado da explicação, fui chamado para ser atendido pelo médico. Ele pingou umas gotas em meus olhos e pediu que eu retornasse à sala de espera até ser novamente chamado. Quando saí foi a vez de o treinador de cães entrar, e não o vi mais.

Meus olhos começaram a arder. Com eles fechados, fiquei sentado num canto da sala, tendo ao meu dispor muito tempo para meditar no que acabara de escutar.

Pelo lado interno de minhas pálpebras passaram imagens do meu passado, ligadas com o problema de treinamento que acabara de ouvir. Quando era menino, tive um professor que queria nos educar a fazer uma doação numa caixinha azul toda sexta-feira. Muitos não traziam a doação. Parte da classe era pobre e parte esquecia de pedir em casa dinheiro para esta finalidade. Somente alguns faziam a doação conforme a vontade do professor. O mestre se utilizava de vários meios cruéis para tirar os últimos centavos que as crianças levavam para comprar guloseimas e os depositava na caixa azul. Esta “educação” para doações fixou-se na minha memória como uma lembrança terrível que me causa pesadelos. Possivelmente, muitos alunos aprenderam com ele uma lição prática: como “sugar”, como bravejar e como utilizar-se de meios sujos para uma finalidade que, aos seus olhos, era positiva.

Lembro-me também quando um dos pais veio à sala dos professores conversar com o mestre sobre o comportamento de seu filho. O mestre disse que seu filho andava falando muitos palavrões na sala de aula. O pai ficou muito magoado. Saiu da sala e foi ao encontro de seu filho, que o aguardava do lado de fora. Lá mesmo, na frente de todos, deu-lhe uma surra, enquanto praguejava e insultava-o com palavras censuráveis neste artigo. Não é necessário dizer que a lição recebida pelo filho foi uma permissão para continuar com o nível de seu palavreado e uma educação para reações explosivas sempre que achar conveniente. Não há nada como um exemplo prático para ser gravado na memória de uma criança - ainda mais provindo de pais e mestres, cujo exemplo deve ser sempre seguido.

Se transmitir uma mensagem para um animal é problemático e exige dom e sapiência, muito mais a transmissão de uma mensagem educativa para uma criança. Cada mensagem está ligada a muitas outras, as quais na maioria das vezes não recebem a atenção devida.

Por exemplo: Uma mãe repreende gritando com seu filho por bater nas crianças da vizinhança. Ela está certa que transmitiu a idéia correta para a criança. Mas se pudesse observar dentro do coração do seu filho, possivelmente descobriria, para seu espanto, que a mensagem captada foi: “raiva e nervosismo são uma reação normal e sã”. Sim, pois naquele instante foi o que a sua querida mãe demonstrou.

Transmitir uma idéia de maneira clara, objetiva e de modo que a criança capte a mensagem, não é nada fácil.

Suponhamos uma pessoa que, toda vez que passa com seu filho ao lado de um mendigo, entregue uma moeda para o jovem dar ao pobre. Existe uma educação melhor do que essa? De fato, esta educação terá êxito no seguinte sentido: quando o menino crescer e tornar-se um adulto, toda vez que passar na frente de um mendigo entregará uma moeda para que seu filho dê ao pobre. Ele mesmo não dará tsedacá, pois seu pai nunca lhe ensinou isto. Está claro para nós todos qual era a intenção do pai. Mas a pergunta principal é: Qual lição assimilou o filho? Na prática, ele nunca viu seu pai dando tsedacá! O que importa não é o que você transmite, mas o que o receptor capta e como “ele” enxerga a transmissão.

Um bom exemplo nos dá o patriarca Avraham quanto à lição de praticar a bondade. Na Torá consta que ele sabia como educar e ordenar seus filhos a seguir o caminho Divino. Em certo episódio, consta na Torá como Avraham educava seu filho Yishmael a praticar a mitsvá de recepcionar visitas. Enquanto três visitantes em sua casa sentavam à sombra da árvore, o jovem viu como seu pai correu para o gado, pegou um bezerro macio e deu para ele continuar o trabalho. Enquanto isso, seu pai continuou correndo com os preparativos da manteiga e do leite para as visitas. Todo prato que Yishmael preparava, Avraham corria para levá-lo às visitas. Não havia maneira de errar na mensagem educativa de Avraham. Ele não se sentou na poltrona e ficou ditando ordens para seus empregados, mas deu um exemplo vivo e até fez seu filho participar ativamente.

Aquele que percebe, depois de tantas gerações, que ainda está plantada a boa maneira de recepcionar visitantes nos descendentes daquele jovem, não tem dúvida que o grande instrutor Avraham Avínu soube transmitir a idéia de forma bem clara para seu filho.

Pena que há pessoas que não aprendem do pai da nação. Alguém que incentiva o filho a estudar, por exemplo, não deveria ficar na sala fazendo-lhe companhia lendo o jornal...

Pais se arrepiam ao receber uma carta da escola, dizendo que seus filhos são malcriados para com os mestres. Por algum motivo, esquecem-se de suas observações de desprezo para com os mesmos e de que foram ditas na frente dos filhos. E ainda pensam que o filho captará justo a mensagem de não desrespeitar os mestres...

A mensagem de amor ao próximo e os ensinamentos da Torá não podem ser entregues se estiverem “embrulhados” com o antagônico. “Falar” para respeitar o mestre não tem valor se os pais se comportam de forma contrária. Não será natural alguém ser educado à luz nebulosa e contraditória e aprender o que o transmissor quer dizer, enquanto age contrariamente.

do Yated Neeman