Matérias >> Edição 161 >> Variedades

Para Uma Noiva

Variedades

- Eu não vou dar nada!

Quem quiser, que vá trabalhar. Que trabalhem duro como eu trabalho; assim eles não precisarão pedir donativos!

Foi isso que ouvimos de um rapaz que corria entre os departamentos de uma joalheria e nos deu as costas. Esta foi a resposta ao nosso pedido:

- Nós estamos ajuntando dinheiro para uma família necessitada.

Mais especificamente, eu e meu amigo estávamos arrecadando donativos para ajudar uma noiva a casar. Dissemos para aquele jovem “família necessitada” em vez de “noiva carente”, porque acreditamos que surtiria melhores resultados. Mesmo assim não adiantou.

Fiquei abatido. Apesar de já ter conseguido alguns donativos, eu não esperava ouvir uma resposta dessas.

Naquele momento, aproximou-se de nós um jovem magro e sorridente. Seus cabelos eram pretos e encaracolados, e seus olhos brilhavam. Ele estivera nos observando e percebeu logo que se tratava de uma arrecadação de donativos.

Antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, ele perguntou:

- Para que vocês estão recolhendo dinheiro? Será que é para ajudar alguma noiva? Pois se for isso, eu gostaria de colaborar também.

- Como você adivinhou? - perguntou meu amigo surpreso.

- Eu tive o pressentimento - ele respondeu. - Imediatamente colocou a mão no bolso, retirou da carteira quatro notas de alto valor e me entregou o dinheiro.

A quantia era maior do que a soma de todas as outras doações que arrecadamos naquele prédio.

Ele percebeu nossa feição de surpresa e disse:

- Eu preciso lhes contar algo. Aí vocês entenderão tudo.

Ele nos pegou pela mão e levou-nos até o restaurante que havia bem ao lado de onde estávamos. Chegando lá, ele continuou falando:

- Por favor, sentem-se comigo. Vocês são meus convidados. Provavelmente vocês estão preocupados com esta perda de tempo comigo, por perderem a oportunidade de recolher outros donativos, mas não se preocupem com isso. Eu vou ajuntar bastante dinheiro dos meus conhecidos e tudo ficará bem. Basta que me escutem por alguns momentos. Também não pedirei nada para vocês comerem, só uma água. Sentem-se, por favor.

Nós sentamos no salão de espera do restaurante e começamos a ouvi-lo atentamente:

- Todas as pessoas que andam por aqui... o que elas sabem sobre sofrimento, pobreza ou solidariedade? Não sabem nada! Mas eu sei - falou o jovem, batendo a mão contra o peito.

- Meu nome é Hadad - apresentou-se. - Nós viemos do Iêmen para Israel na famosa operação “Tapete Mágico”. Logo depois, meu pai ficou cego. Ele sofria de uma séria doença nos olhos desde que era jovem. Meu tio, que já estava em Israel há um tempo, levou-o a vários médicos especialistas, mas de nada adiantou.

- Ficamos desamparados, sete crianças sem nada. Minha mãe começou a trabalhar como faxineira para nos sustentar e para que pudéssemos estudar.

- Meu pai, que antes trabalhava com jóias, era um grande estudioso da Torá. Ele nos reunia de vez em quando para nos ensinar Torá, piyutim e midrashim, tudo de memória. Ele sempre se interessou por nossa educação e nunca abriu mão dela. Ele realmente não podia cuidar do sustento da casa, mas sempre se preocupava com o que acontecia na escola e nos tratava com muito carinho e amor.

- Assim crescemos. Minha irmã mais velha foi para um internato. Ela cresceu e ficou noiva de um bom rapaz, de boa família. Tudo era maravilhoso, mas não havia dinheiro para o casamento. Passou um mês, passaram-se dois meses. Vimos que papai estava sofrendo demasiadamente por não poder ajudar sua filha e dar-lhe o mínimo necessário. Nós ainda éramos pequenos; não podíamos ajudar muito.

- Então, um dia bateram em nossa porta. Duas mulheres entraram. Uma delas falou: “Olá, Sra. Hadad. Eu sou uma das professoras de sua filha. Você tem uma filha maravilhosa! Fina, discreta e excelente aluna. Ela possui todas as virtudes!

- Minha mãe começou a chorar.

- “Por favor, não chore”, falou a mulher para minha mãe. “Trouxemos uma quantia de dinheiro suficiente para as despesas com o casamento”. E sacou um envelope de cor parda, onde estava escrito em letras grandes: “Mazal tov”.

- “Nós gostaríamos de já ter comprado todo o necessário, para que vocês não tivessem muito trabalho. Mas, como cada um tem um gosto diferente, trouxemos dessa forma. Esperamos que o casamento não se atrase mais!”

- Minha mãe não queria aceitar o dinheiro. Ela disse que nunca conseguiria devolver tamanha quantia. Mas elas contestaram:

- “Você não precisa devolver. Sua filha vai se casar e, com a ajuda de D’us, formará uma bela família. Ela se preocupará com outras noivas e assim ficará tudo certo.”

- Através da fresta pela qual eu observava tudo, vi que mamãe saiu do quarto e foi contar tudo a meu pai. Provavelmente, queria lhe perguntar se deveria aceitar ou não o dinheiro. Depois, vi meu pai saindo de seu quarto muito emocionado. Ele se dirigiu às senhoras e declamou um trecho do Talmud com voz forte e embargada, como se estivesse falando a um grande público:

- “Essas são as coisas que a pessoa usufrui de seus frutos nesse mundo, enquanto o capital, a verdadeira recompensa eterna, fica reservada para ela no Mundo Vindouro: respeitar os pais, praticar benevolências, comparecer ao centro de estudos... receber visitas, visitar doentes, ajudar a uma noiva...”

- Ele queria continuar, mas lágrimas escorreram pelos seus olhos cegos e travaram sua voz. Depois, ele as abençoou e disse: “Que seja a vontade Divina, que vocês nunca dependam das dádivas dos seres humanos. E que vocês e seus filhos sempre recebam a abundância da grande e generosa mão de D’us!”

O jovem interrompeu suas palavras e fitou-nos com olhos repletos de lembranças. Depois continuou:

- Desde então, passaram-se mais de dez anos. E durante todo esse tempo, falei para mim mesmo: “Se algum dia me pedirem uma doação para ajudar uma noiva, eu darei com generosidade. Mas ninguém me pediu. Justamente hoje, vocês vieram até aqui e, acreditem, fizeram uma grande bondade para comigo.”

Ele se levantou da cadeira e disse:

- Por favor, esperem aqui. Eu voltarei logo.

Ele começou a circular pelo restaurante. Ia de mesa em mesa e sussurrava algumas palavras nos ouvidos dos indivíduos, que pelo visto eram seus conhecidos. Ficamos admirados ao ver que cada pessoa do restaurante parava de comer, tirava uma quantia da carteira e colocava em sua mão. Depois, ele pôs tudo em sua bolsa preta e saiu do restaurante sem falar nada.

Decidimos esperá-lo. Mas passou um bom tempo e ele não voltava. Então pagamos a água e saímos do restaurante à sua procura. Logo na saída, vimos que ele se aproximava exultante. Parecia que ganhara uma nova alma.

Ficamos parados perto dos degraus. Ele não falou nada. Só apoiou a sua bolsa em cima do corrimão e retirou um grande envelope, no qual estava escrito com letras grandes mazal tov, e em letras pequenas um agradecimento em nome de todos os membros de sua família.

Deu um nó em minha garganta de tanta emoção. Eu me contive e disse em voz alta: “Yeyasher cochachá! Que você sempre tenha o mérito de praticar muitas outras mitsvot!

Ele respondeu sorridente: “Se vocês precisarem de algo, eu sempre estarei aqui, feliz em poder ajudar”, e nos acompanhou até a saída do prédio.

 do “Yated Neeman”