Matérias >> Edição 161 >> Visão Judaica

A Família e o Chinuch

Rabino I. Dichi

Uma discussão filosófica entre Moshê e o Faraó.

Logo no início de parashat Bô, após passadas sete das dez pragas com as quais o Todo-Poderoso castigou o Egito, verificamos uma diferença primordial de idéias entre Moshê Rabênu e o Faraó, rei do Egito. Moshê e Aharon foram até o Faraó e disseram-lhe, em nome do Todo-Poderoso, que desse a liberdade ao Povo de Israel, para que pudessem servir a D’us (Shemot 10:3).

Em princípio e por insistência de seu povo, o Faraó pareceu consentir (Shemot 10:8). No entanto, perguntou:

“Mi vami haholechim” - Quem são os que sairão do Egito para servir ao Todo-Poderoso?

E Moshê respondeu (Shemot 10:9):

“Bin’arênu uvizkenênu nelech bevanênu uvivnotênu...” - Com nossos jovens e com nossos velhos iremos, com nossos filhos e com nossas filhas...

Após a resposta de Moshê, o Faraó disse que somente os homens fossem servir a D’us (Shemot 10:11), não concordando novamente com a saída do Povo de Israel do seu país.

O Faraó entendia que para servir ao Todo-Poderoso seriam suficientes apenas os homens, não sendo necessário incluir os jovens e os velhos, os filhos e as filhas.

Hoje em dia, muitas pessoas pensam como o rei do Egito. Excluem as crianças da educação religiosa, com o seguinte argumento: “Elas ainda são pequenas e não entendem, vamos esperar mais alguns anos”. Entretanto, esquecemo-nos de um fator primordial na educação. O que uma criança pode assimilar durante sua infância ser-lhe-á útil durante sua adolescência, quando então, não terá dificuldades para aceitar o comportamento adequado exigido pela Torá.

Rabênu Yoná Guirondi, ao enfatizar a importância da educação religiosa das crianças, cita um versículo do Tehilim (144:12): “Asher banênu kintiim megudalim bin’urehem - Pois nossos filhos são como brotos, cuidados desde a sua juventude”. O rei David compara os filhos às plantas, dizendo que uma planta pode ser corrigida de qualquer irregularidade logo no seu início, antes que cresça. Depois que a árvore começa a se desenvolver, torna-se difícil e até mesmo muitas vezes inviável qualquer conserto.

Podemos dizer o mesmo com respeito à educação das crianças. É muito mais fácil e possível qualquer aprendizagem quando a criança ainda é pequena, pois tudo o que lhe é ensinado é absorvido. Com o tempo, esses ensinamentos farão parte dela e a acompanharão durante todos os anos de sua vida.

Outro aspecto a ser analisado nesta discussão entre Moshê e o Faraó é com relação à posição que a mulher ocupa no judaísmo. O Faraó alegou ser suficiente que somente os homens fossem servir ao Todo-Poderoso. Porém, como no judaísmo a mulher tem importância fundamental em muitos preceitos, como na educação dos filhos, na manutenção da cashrut e na preservação da pureza do lar, Moshê entendeu que não poderia de maneira alguma aceitar o critério que o Faraó lhe propunha.

Ao perceber que o Faraó insistia em seu ponto de vista, Moshê se manteve irredutível; de forma alguma poderia excluir as crianças e as mulheres.

Este princípio que nos foi ensinado por Moshê, deve nos acompanhar sempre, em todas as gerações e em todos os lugares onde nosso povo estiver. A formação de um povo, e seu desenvolvimento satisfatório, só podem ocorrer quando todo o povo estiver unido em uma única meta: servir ao Todo-Poderoso.

A respeito do chinuch (educação religiosa e geral), o Rabino Shelomô Wolbe shelita nos diz (Alê Shur vol. I pág. 259) que a personalidade e o íntimo de um pai pode ser comprovado por intermédio da educação de seus filhos. Todo o cumprimento das mitsvot e o estudo da Torá praticados pelos pais são considerados apenas um potencial até que eduquem seus filhos. Com o resultado obtido no chinuch de seus filhos, este potencial terá se transformado em realização. Este chinuch reflete o íntimo, a essência e a autenticidade dos pais.

Este conceito também nos é transmitido pelo Rambam em Hilchot Chaguigá (cap. 2, par. 3). Ele diz que toda a criança (que já tiver idade de andar junto a seu pai segurando sua mão e puder subir a Jerusalém) deve ser levada por seu pai nos regalim (Pêssach, Shavuot e Sucot) a Jerusalém e ele deve fazer-se ver na criança (“leheraot bô”) para educá-la no cumprimento das mitsvot - neste caso, a mitsvá de visitar o Bet Hamicdash.

Pergunta-se qual o motivo de o Rambam ter utilizado a linguagem “leheraot bô” - fazer-se ver nela - em vez da que seria correta:

leheraot itô” - fazer-se ver com ela. O Rabino Wolbe shelita responde que o Rambam quis nos transmitir a essência do chinuch: que o filho seja o espelho dos pais, refletindo a boa essência, personalidade e virtudes dos pais, para que o filho possa tornar-se exemplo e para que os pais possam se orgulhar da educação que transmitiram.