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Educação Sem Rigidez

Rabino I. Dichi

Comentários do Rabino I. Dichi Shelita sobre a educação dos filhos, baseados no livro "Zeriá Uvinyan Bachinuch" de autoria do Rabino Shelomô Wolbê zt"l.

Educação

Conforme explicam nossos sábios da mishná, na educação das crianças deve-se considerar as diversas etapas de seu desenvolvimento natural.

Durante os anos da infância, deve-se estar plenamente consciente de qual fase da educação deve ser considerada. Com quatro anos uma criança já é extremamente diferente de quando tinha dois! Quando se fala de um homem com 30 ou com 32 anos, praticamente não há qualquer diferença, mas quanto menor a criança, maiores as mudanças com o passar do tempo. Mais acelerado é o seu desenvolvimento. Isso deve sempre ser levado em consideração.

Os pais têm a obrigação de conhecer estas épocas do desenvolvimento da criança e relacionarem-se com elas da forma apropriada. Quando a pessoa reconhece estas diferentes etapas e procura educar a criança conforme suas necessidades, é sinal de que assimilou um dos principais conceitos da boa educação.

Diariamente recitamos a seguinte passagem na leitura do Shemá Yisrael (Devarim 11:19): “Velimadtem otam et benechem ledaber bam - E as ensinareis a vossos filhos falando delas.” Conforme explica Rav Chamnuna, esta advertência se refere a ensinar à criança, logo que comece a falar, a seguinte frase: “Torá tsivá lánu Moshê morashá kehilat Yaacov - A Torá nos foi transmitida através de Moshê; ela é a herança da comunidade dos descendentes de Yaacov.” Este é o primeiro versículo, junto com o Shemá Yisrael, que o pai deve ensinar a seus filhos e filhas.

Na continuação desta passagem consta na Torá (11:21): “Lemáan yirbu yemechem vimê venechem - para que se multipliquem os vossos dias e os dias de vossos filhos.” Por isso, nossos sábios comentam que se o pai não seguir este ensinamento é como se, chalila, estivesse enterrando seu filho.

Vemos que nossos sábios se expressam de uma forma extremamente rígida em relação a alguém que não ensina o versículo Torá Tsivá Lánu Moshê no momento correto a seu filho. Segundo eles, deve-se aproveitar o momento que a criança começa a falar para logo ensinar-lhe estas palavras sagradas da Torá.

Com certeza, é muito diferente quando se aproveita este momento para ensinar palavras sagradas do que para ensinar sobre algum herói infantil ou coisa do gênero. Quando a primeira palavra que uma criança aprende é alguma besteira, depois ela terá trabalho para se conscientizar de que, de fato, não tem nada a ver com aquilo.

Por que este momento - justo quando a criança começa a falar - é tão importante?

Quando a criança começa a falar é o momento adequado de semear nela emuná, a fé em D’us. Isso acontece ensinando-lhe as palavras do versículo Torá Tsivá Lánu Moshê. Assim, ela passará a saber que existe uma Torá e que o Povo de Israel teve um grande e importante profeta chamado Moshê! Isso é a semeação da crença que a criança carregará durante 120 anos!

Quando se semeia um terreno na época de plantio, são grandes as possibilidades de uma boa colheita. Quando se perde o momento propício da plantação, a terra não está mais própria para aceitar a semente. Existem momentos adequados para o plantio! No início do inverno se semeia. Quem esperar para plantar quando começa a chover, não terá sucesso; a semente apodrecerá dentro da terra e não crescerá nada.

Da mesma forma, quem não ensina Torá tsivá lánu Moshê morashá kehilat Yaacov no momento certo, é como se tivesse - analogamente à semente - enterrado o filho. Quando não se aproveita um momento importante ele morre, ou seja, não volta mais.

Mesmo que a criança a princípio não entenda o que está aprendendo, não importa. O importante é que esta foi a primeira coisa que aprendeu. Com o tempo ela verá seu pai estudar e perguntará: “O que é isso?”

- É a Torá! - responderá o pai.

- O que é isso? - perguntará em outra oportunidade.

- Foi Hashem que ordenou!

- E quem trouxe a Torá?

Com o tempo entenderá o significado daquela primeira frase. Quando se coloca uma base sólida, pode-se continuar construindo algo firme.

A preocupação em aproveitar o momento certo também diz respeito a não se precipitar. Quando a terra ainda não está preparada também não adianta semear!

Segundo a própria Torá, o momento certo para começar os ensinamentos da Torá é quando a criança começa a falar. Antes disso, quando a criança nem fala ainda, não adianta forçá-la. Isso poderia resultar em um efeito negativo.

Todo o citado é a base do que significa “início da educação”.

Conforme explica o comentarista Rashi, a palavra chinuch - educação - significa início. Educar significa apresentar à pessoa as ferramentas da profissão que amanhã deverá enfrentar. Por isso que usamos as expressões “chanucat hamizbêach - inauguração do altar”, “chanucat habáyit - inauguração da casa”. Nestas expressões, a palavra “chanucat” tem o sentido de “início”. Educar é introduzir conceitos, iniciar uma pessoa quanto a determinados valores. Este “iniciar” possui vários estágios: com 3 anos aplica-se uma etapa da educação, com 4 anos outra, com 13 outra.

A introdução correta no início da educação da criança é algo extremamente importante. Conforme diz o Rei Shelomô (Mishlê 22:6): “Chanoch lanáar al pi darcô - ensina a criança conforme suas possibilidades.” Quando a criança ainda não tem possibilidade de aprender, não adianta forçá-la. Quando ela atinge uma determinada etapa e está apta a aceitar aquilo que transmitimos, aí então devemos aproveitar para iniciar os ensinamentos.

Se os pais não aproveitam o tempo ideal para a semeação, não crescerá uma vegetação adequada; ou seja, não se desenvolverá uma pessoa com uma emuná plena em D’us e na Torá. Por isso, é considerado como se a tivesse enterrado.

Em toda esta abordagem não foi ainda considerada a teshuvá - a capacidade de cada pessoa retornar ao caminho correto da Torá. Tratou-se apenas de como é necessário educar a criança. Quem, entre nós, não conhece as dificuldades que a pessoa enfrenta depois que já adquiriu determinados vícios? Quanto esforço não é necessário para eliminá-los?

Sem dúvida alguma, é preferível utilizar a linha correta na educação desde o princípio a tentar recuperar todo o tempo perdido por um sujeito adulto! Mesmo sabendo que nossos sábios dizem: “O lugar atingido pelos baalê teshuvá - os que retornaram ao caminho correto - nem mesmo tsadikim guemurim podem alcançar”.

Vimos, portanto, que o início da educação da criança é algo extremamente importante. O Rav Shelomô Wolbe explica que encontramos este conceito não somente na educação, mas em vários enfoques na Torá. Por exemplo: o início do ano. O yehudi não festeja o término do ano. Comemora o início do novo ano. Rosh Hashaná é o início do ano. É um dia importantíssimo. Motsaê Shabat, o início da semana, é um momento especial. Nos livros sagrados consta que estudar Torá no motsaê Shabat é muito importante e favorece o prosseguimento do estudo durante a semana. O início do mês - o rosh chôdesh - também é especial. Foi a própria Torá que instituiu o Corban Mussaf no primeiro dia do mês.

Todo início, segundo os conceitos da Torá, tem uma importância. O início é uma época propícia para se plantar algo. Quando se deixa escapar esta oportunidade, torna-se difícil recuperar o que se perdeu. Por exemplo: Rosh Hashaná é o início do ano. Neste dia D’us nos julga. O Yom Kipur, dez dias depois, é o final do julgamento apenas para quem ficou “pendurado”! Em Rosh Hashaná são abertos três livros. Se a pessoa tiver méritos suficientes, Hashem o carimba no livro dos tsadikim. Todas as pessoas têm a oportunidade de não ficar dependendo do Yom Kipur para um carimbo final! O mediano é que fica pendurado, dependendo do Yom Kipur.

Deste conceito, aprendemos que devemos estar atentos às oportunidades. Segundo o Rav Wolbe, existe inclusive uma exigência de que os pais conheçam as diversas etapas de desenvolvimento de seus filhos. Os pais devem ir alimentando as crianças conforme suas possibilidades. Devem adaptar suas exigências ao desenvolvimento natural da criança.

O Rav Wolbe é enfático em criticar exigências antecipadas, quando a criança ainda não tem capacidade de acatá-las. Mesmo que se obtenham resultados aparentemente favoráveis em exigências deste tipo, este procedimento pode prejudicar a criança.

Quando se exagera em exigências prematuras, em épocas que a criança não está madura o suficiente para entender o que querem dela, pode-se causar grandes danos para o futuro de sua educação. É como querer plantar uma semente em época antecipada.

A criança precisa se desenvolver em etapas e atravessar todos os estágios de forma gradativa. O Rav Wolbe não aborda, neste capítulo, o que deve ser ensinado à criança a cada etapa. Essas fases são tratadas em outra oportunidade. De qualquer forma, é importante saber que isso é algo individual a cada criança. Não que seja individual para cada família; mas para cada criança de cada família! Três irmãos podem possuir temperamentos completamente distintos. São criaturas diferentes, que necessitam do trato necessário para cada uma conforme seu temperamento.

Vejamos alguns exemplos comuns de que muitas vezes não existe afinidade entre o que os pais exigem e o que o filho é capaz de aceitar.

É sabido que muitas mães se vangloriam por terem conseguido ensinar conceitos de limpeza e higiene aos filhos em uma idade prematura. Quanto antes a mãe consegue êxito nesta educação, mais orgulhosa ela fica.

Em termos da educação laica, já se aceita a idéia correta de que obrigar uma criança de forma prematura a ser extremamente limpa atrapalha todo o seu desenvolvimento. Mesmo que alguns pais aleguem estar apenas “tentando” transmitir tais conceitos, nesta idade, “tentar” é praticamente “obrigar”.

Provavelmente o Rav Wolbe não se refere a não dizer absolutamente nada, para deixar que a criança jogue tudo no chão ou coisa do gênero. Mas é normal que uma criança que começa a comer sentada no cadeirão deixe cair comida na mesa e no chão. Também é normal que ela coma com as mãos. O mais correto é que os pais “fechem os olhos” para estas atitudes. Não se pode exigir que uma criança de três anos use talheres!

É mais importante que a criança aprenda a comer do que aprenda etiqueta.

Existe uma regra muito importante na educação: sempre se deve levar em consideração quanto tempo a própria pessoa levou para aprender determinado ensinamento. Isso parece simples de falar mas, na prática, é muito útil. Você quer que ela se comporte como você? Quantos anos você demorou para atingir este comportamento? Como uma criança de 3 ou 5 anos pode se comportar da mesma forma que você? Isso é impossível! Tenha paciência! Chegará uma época que a própria criança desejará ser limpa. Esta é uma tendência natural de todo ser humano. Neste momento, então, esta questão da higiene poderá ser desenvolvida de uma forma muito mais natural e com harmonia, pois a criança já estará preparada para este tipo de situação.

Outro exemplo do desencontro entre pais e filhos é em relação aos brinquedos. Muitas vezes os pais desprezam os brinquedos dos filhos. No entanto, isto é algo muito importante. Conforme já comentamos, um adulto que atrapalha a criança em sua brincadeira, simplesmente rouba-lhe algo.

Logicamente deve-se ensinar a criança a não prejudicar os outros com suas brincadeiras. Ensinar a não bater nos outros, a não morder, não quebrar... Mas em casos normais, quando ela está brincando, deve-se tomar cuidado para não prejudicá-la sem motivo.

Mais um exemplo de uma exigência normalmente aceita pelos pais é que a criança se sente à mesa durante toda a refeição de Shabat. Enquanto os pais estão comendo, cantando, conversando e se divertindo com seus amigos, fazem questão que os filhos de 4 ou 5 anos acompanhem tudo. Uma criança não pode sentar tanto tempo em silêncio! Ela precisa circular!

Sabemos também que no Shabat é proibido comer qualquer coisa antes do Kidush - tanto na noite de sexta-feira quanto no sábado de manhã. Digamos que um pai traz seu filho de seis anos para a sinagoga no Shabat de manhã. Se a criança pedir água durante as orações, não se pode exigir que ela espere com sede até o Kidush! Quando ela tiver onze ou doze anos, aí sim começa-se a ensinar esta mitsvá. O “Maguen Avraham” explica que, conforme a própria lei judaica, não se deve privar uma criança de comer e beber antes do Kidush. O mesmo vale em relação à kipá. Não se pode obrigar uma criança pequena a ficar todo o tempo com uma kipá na cabeça.

Mesmo num caso em que, eventualmente, uma criança pequena não esteja disposta a participar do Kidush no Shabat, não se deve ser extremamente rígido exigindo sua presença. Digamos que uma criança de cinco ou seis anos esteja dormindo. Não é correto acordá-la para participar do Kidush. O que acontece, normalmente, é que as crianças gostam de participar do Kidush quando recebem um incentivo de forma positiva.

Mesmo que a criança tenha pedido para ser acordada para participar do Kidush, se depois ela mudar de idéia e não quiser sair da cama, deve-se deixá-la dormir. Muitas vezes os próprios adultos não levantam com o despertador!...

Os pais devem tentar se colocar no lugar das crianças ao solicitar determinadas condutas. Colocar-se no lugar da criança talvez seja até fácil. O mais difícil, no entanto, é se imaginar com a idade da criança! Todos nós muitas vezes esquecemos de levar em consideração a idade dos nossos filhos e cometemos excessos.

Quando a mishná determina: “não julgue seu amigo enquanto não estiver na mesma situação”, certamente isso também vale em relação aos filhos.

Portanto, exigir condutas acima das possibilidades da criança é extremamente negativo e pode surtir efeitos prejudiciais no seu desenvolvimento. O dano é maior quanto menor é a criança, pois mesmo pequenos erros na época do “plantio” podem gerar consequências mais graves no futuro.

Mesmo que a intenção dos pais seja das melhores - e quase sempre é - deve-se ponderar com cuidado cada nova exigência.

do shiur sobre educação ministrado pelo Rabino Isaac Dichi Shlita, baseado no livro “Zeriá Ubinyan Bachinuch” do Rabino Shelomô Wolbê Shlita