Em todas as abordagens anteriores sobre a educação das crianças, nunca citamos este tema, de castigar ou bater nos filhos.
Muito foi falado sobre aproximar as crianças, sobre demonstrar amor e calor nas relações entre pais e filhos. Mas e sobre bater nos filhos? Seria benéfico este tipo de atitude? Em quais situações? Citamos anteriormente o caso de uma criança que apanhava muito e acabou ficando com raiva do pai. É lógico, portanto, que casos extremos de agressões frequentes são prejudiciais.
Esse assunto, sobre punições impostas às crianças com o intuito de bem educar, é polêmico, delicado e muito questionado de uma forma geral. Existe uma concepção sobre o assunto segundo a qual a educação das crianças deve ser baseada em punições. Essa ideia é comum entre pais e, infelizmente, também entre professores.
Em Israel, um diretor de um talmud Torá, uma escola para crianças, escreveu um livro intitulado “Quando Punir a Criança”. O Rabino Wolbe leu o livro e constatou que nele também eram abordados muitos outros assuntos importantes sobre a educação. Ainda assim, ele criticou o autor por ter escolhido aquele título. Quem vê o título “Quando Punir a Criança” em um livro sobre educação, pensa que o objetivo do livro é ensinar a punir! E o primeiro enfoque da educação não deve ser quando punir. A punição deve ser o último meio a se recorrer na educação das crianças. Já que este é o último recurso, não pode ser considerado em princípio e não deveria ser, em absoluto, o título de um livro sobre educação.
Por trás da vontade de punir dos pais ressalta seu anseio de governar - o desejo de serem eles que mandam. Normalmente, o homem imagina que, se ele pode punir, é sinal que domina a situação, que controla os demais. Isso acontece de uma forma geral. Também acontece, particularmente, com os pais em relação aos filhos e com os professores nas salas de aulas.
Conta o Rav Wolbe que, em certa oportunidade, ele estava procurando contratar alguém para assumir o cargo de mashguíach da yeshivá ketaná. A yeshivá ketaná é uma instituição de ensino judaico para rapazes que já terminaram a oitava série - jovens de 14 a 17 anos.
Além dos rabinos que ministram as aulas, toda yeshivá possui um ou mais rabinos denominados de mashguichim. Os mashguichim supervisionam se os alunos estão comparecendo às aulas. Além disso, eles são responsáveis por acompanhar uma série de aspectos da vida do jovem.
A função do mashguíach na yeshivá é primordial. Ele deve acompanhar o desenvolvimento de cada aluno, seja no âmbito do aprendizado, no emocional, no que diz respeito ao relacionamento com os colegas, com os professores e com os pais. Este trabalho é extremamente importante nas yeshivot. As pessoas que assumem tal posto devem possuir muita capacidade e tato para perceber e tentar resolver os problemas dos jovens. A responsabilidade ainda aumenta na yeshivá ketaná, quando se considera o fato de tratar-se de uma idade difícil, da adolescência, para os alunos. Quando um jovem tem algum problema ou alguma dúvida quanto ao seu desenvolvimento emocional ou físico, o ideal é que ele sinta confiança no mashguíach e procure-o por iniciativa própria. O mashguíach precisa, nessas oportunidades, compreender as necessidades do jovem, tranquilizá-lo, saber explicar o que está acontecendo e como superar as dificuldades. O mashguíach também deve estar atento ao desenvolvimento e alterações comportamentais dos alunos para tomar a iniciativa de procurá-los e tentar resolver eventuais problemas. Quando o mashguíach percebe que um aluno estudioso não está estudando a contento, por exemplo, ele precisa ter sensibilidade para perceber a situação, procurar o jovem e tentar ajudá-lo.
Quando o Rav Wolbe procurava alguém para assumir o cargo de mashguíach da yeshivá ketaná, apresentou-se um pretendente para ser entrevistado. Durante a entrevista, aquele senhor perguntou ao Rav Wolbe quais seriam exatamente seus poderes na yeshivá. Qual seria a sua autoridade. O homem queria saber se ele teria a autoridade de expulsar um jovem da yeshivá se necessário. Esta foi a sua primeira pergunta. Então o Rav Wolbe percebeu que daquele senhor não sairia um mashguíach, um educador de fato.
A primeira preocupação de um educador não pode ser quando mandar alguém embora. Será que a autoridade de poder expulsar um aluno garante que o educador é o “chefe”? Se alguém pensa dessa forma, nunca poderia ser o mashguíach de uma yeshivá. Não poderia ser um educador. Esse tipo de visão é fundamentalmente errado. Pode até tratar-se de uma pessoa com muitas outras qualidades, alguém observante das mitsvot, mas que não tem tato e conhecimento para ser um educador.
Em relação aos pais, pode acontecer algo muito semelhante à situação exposta acima. Se a preocupação básica dos pais é quando punir seus filhos, isso acaba estragando uma educação sadia. Essa é uma visão torta de encarar a educação.
Muitas vezes nós sentimos que possuímos autoridade sobre nossos filhos pelo fato de podermos puni-los. Internamente os pais pensam: “Se eu não posso punir, então eu não mando!”. Mas os pais precisam ser hábeis para conseguir mandar e serem respeitados sem que seja necessário punir. Não se pode avaliar o quanto as pancadas verdadeiras são prejudiciais para as crianças!
Muitas pessoas defendem as punições e as surras, baseadas em um versículo do livro de “Mishlê” (13:24), escrito pelo Rei Shelomô. Segundo esse versículo, quem poupa seu filho de surras, é como se o odiasse: “Hossech shivtô, sonê benô - Quem poupa da vara, odeia seu filho”. Como podemos, então, afirmar que este recurso deve ser utilizado apenas em último caso?
O Rav Wolbe cita um outro versículo no Profeta Zecharyá (11:7) que diz: “Vaer’ê et tson haharegá lachen aniyê hatson, vaecach li shenê maclot, leachad caráti nôam ul’achad caráti chovelim vaer’ê et hatson.” Segundo esta passagem, D’us diz, em uma linguagem figurada, que tem dois “cajados” - como os cajados dos pastores. Um deles denominou de “nôam” - agradável - e o outro de “chovelim” - açoite. Conforme os atos do povo, Ele utiliza um desses cajados.
Portanto, neste versículo, o termo “cajado” foi utilizado em um sentido figurado, expressando o sentido de conduzir, governar.
Da mesma forma, o Rav Wolbe explica que a vara citada no versículo “Hossech shivtô, sonê benô” não é necessariamente uma vara de açoite, mas também pode ser uma “vara agradável”. Os pais podem educar os filhos sem pancadas, mas com muito diálogo e esclarecimentos. Esse tipo de recurso na educação também pode ser encarado como uma “vara de educar”. O incentivo às crianças também é uma “vara”, mas é agradável e não causa dor. Um prêmio, uma guloseima como recompensa por uma conduta acertada, também é uma forma de educar.
O Rav Eliyáhu Lupian zt”l, autor do livro “Lev Eliyáhu”, foi o mashguíach da yeshivá de Kefar Chassidim. Ele sempre ressaltava o fato de que com as crianças deve-se utilizar “dêrech tová” - uma boa conduta. Em sua velhice, ele afirmou arrepender-se por todas as vezes que eventualmente batera nos seus filhos. O Rav Lupian tinha onze filhos. Alguns deles tornaram-se grandes diretores de yeshivot.
O pecado de uma pessoa bater nos pais é encarado pela Torá rigidamente, conforme o versículo (Shemot 21:15): “Umakê aviv veimô mot yumat”. Sabemos também ser proibido motivar situações que propiciem um pecado, conforme o versículo (Vayicrá 19:14): “Velifnê iver lô titen michshol”. Assim, quando uma criança já está em idade de revidar uma agressão, mesmo antes do bar mitsvá, é proibido que os pais batam nela. Colocando este “obstáculo” perante a criança, dando-lhe a chance de bater nos pais, os pais cometem a proibição de “Velifnê iver lô titen michshol - Perante um cego não coloques obstáculos”. Portanto, a partir do momento que se sente que a criança pode revidar a uma surra, segundo a lei judaica já não se pode mais bater nela.
Em nossos dias, quando se bate numa criança de apenas três anos, já é possível que o pai esteja infringindo este mandamento. Podemos constatar que, com três anos de idade, um filho que apanha já esboça uma reação de revide. É comum observar que uma criança que recebe um tapa quer dar outro de volta. Por ser muito pequena, pode não alcançar o rosto do pai, mas ela estica a mão. A consequência pode ser apenas um gesto, mas é uma reação clara de alguém que quer bater. Ou seja, fica caracterizada uma situação de rebeldia, que deve ser levada em consideração.
Nas gerações anteriores a situação era muito diferente. Nem passava pela cabeça de uma criança de três anos levantar a mão para o pai. As crianças possuíam maior capacidade de tolerar as advertências que as de hoje. Os adultos também tinham uma capacidade maior de assimilar os problemas. A personalidade das crianças era mais forte. Antigamente não era prejudicial para elas quando apanhavam um pouco. Mas hoje, todo ambiente, a atmosfera de uma forma geral é de rebeldia, principalmente e infelizmente, em Israel, pelas circunstâncias que são experimentadas lá. Existem problemas sérios com as guerras, pais que passaram atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial, dificuldades financeiras, discussões ideológicas, desavenças entre observantes e não observantes das mitsvot. Tudo isso é causador de uma atmosfera um tanto elétrica.
Portanto, se antigamente as surras, até determinada proporção, eram benéficas, hoje a situação é outra.
Quando alguém educa ou reprime seus filhos com surras, pode estar prejudicando-os sobremaneira. O relacionamente entre pais e filhos pode ficar abalado com isso. Quando estas crianças crescerem, poderão simplesmente se recolher, se fechar em relação aos pais. Aí já será muito tarde para criar uma atmosfera de relacionamento positivo entre pais e filhos.
Apesar de tudo, certamente há algumas situações que fogem à regra. Consideremos um momento de extrema tensão no lar, por exemplo, quando há muitas crianças pequenas na casa e já está na hora de elas irem dormir. Se estas crianças estiverem agitadas, correndo, fazendo bagunça, e não quiserem atender à ordem da mãe para ir dormir. Num caso desses, quando a mãe está cansada e não vê outro recurso, seria normal que ela desse algumas palmadas nas crianças para estabelecer a ordem e conseguir colocá-las na cama. Essa situação é “emergencial” para uma mãe. Não é sobre esses casos esporádicos que nos referimos. No entanto, fazer das surras uma regra de conduta, a base da educação, isso é extremamente negativo e prejudicial para as crianças.
Mesmo neste contexto, quando algumas palmadas são justificáveis, é importante salientar o que determina o Rav Moshê Feinstein zt”l. Ele diz que, no momento em que o pai (ou a mãe) está descontrolado, alterado pelo nervosismo, é totalmente proibido bater em seu filho, mesmo em uma situação “emergencial” como a que citamos. Se alguém bate no filho quando está alterado, está simplesmente descarregando uma tensão pessoal sobre a criança.
Portanto, se algumas palmadas são justificáveis em um determinado momento, se os pais o fazem para educar os filhos, se a finalidade exclusiva é mostrar para as crianças que a atitude delas não foi correta, se o fazem de uma forma equilibrada, se não perdem a cabeça em nenhum momento, aí sim, como último recurso, existe uma brecha em relação a isso.
do shiur sobre educação
ministrado pelo Rabino
Isaac Dichi Shlita,
baseado no livro
“Zeriá Ubinyan Bachinuch”
do Rabino Shelomô Wolbe zt”l