Levantemos algumas questões intrigantes em relação à festa de Chanucá. Questões que abrem portas a uma compreensão mais profunda sobre o exílio judeu entre os gregos:
1) Quando os gregos se apoderaram da terra de Israel e dominaram seus habitantes, decretaram (principalmente) a proibição de três mitsvot: Shabat, Rosh Chôdesh e Berit Milá. Qual foi o motivo pelo qual escolheram justamente estas três mitsvot?
2) Por que a festa de Chanucá sempre cai no período da leitura das duas parashiyot: Vayêshev e Mikets?
3) O livro Shiltê Guiborim revela que a festa de Chanucá está implícita na Torá nas palavras (em Parashat Mikets 43:16): “utvoach têvach vehachen - degole e prepare”, pois as últimas cinco letras hebraicas desta passagem, são as cinco letras da palavra “Chanucá”. Por que a Torá ocultou a festa de Chanucá justo neste versículo?
4) Nossos sábios dizem em Shemot Rabá (26:1), que as palavras no livro de Iyov (3:26): “Lô náchti - não descansei” representam o sofrimento do exílio entre os gregos. Acrescentam também, em Bereshit Rabá (84:3), que estas palavras (não descansei) representam ainda o sofrimento de Yaacov Avínu em relação ao episódio da profanação de sua filha Diná. Portanto, o sofrimento no exílio grego é semelhante à dor sentimental relevante ao evento acontecido com Diná, e ambos são expressos com o termo “não descansei”. Fica clara a necessidade de uma explicação sobre esta relação.
5) Na festa de Pêssach, o “pirsumê nissá” (a divulgação dos milagres) é feito dentro do lar, por meio do relato do Êxodo do Egito. Assim também em Purim, a divulgação é restrita, dentro do Bêt Hakenêsset, por intermédio da leitura da Meguilá. No entanto, em Chanucá a divulgação é expandida às ruas públicas. Acendemos as velas nas portas ou nas janelas, de forma que toda a população perceba e lembre dos milagres. Por que esta diferença?
O exílio grego difere muito dos demais exílios. Os gregos não tentaram exterminar o povo judeu. Também não expulsaram os judeus da Terra Santa, nem mesmo destruíram o Bêt Hamicdash. No entanto, o perigo espiritual deste exílio era maior que o dos outros. Os gregos atraíram o povo judeu com sua cultura aparentemente ilustre e refinada. “Yavan” (os gregos) são descendentes de “Yêfet”, o filho de Noach sobre o qual Noach determinou (Bereshit 9:27): “Veyishcon beaholê Shem - e repousará nas tendas de Shem”. Ou seja, os gregos têm uma certa tendência de criar uma ligação com Shem (cujos principais descendentes são os judeus). No entanto, utilizaram-se desta característica de forma imprópria: tentaram atrair o povo judeu a fazer parte do povo e da cultura grega.
Nos olhos de nossos sábios, o fato de os judeus estarem submetidos a uma influência negativa tão grande, é considerado um exílio sofrido e triste não menos do que os demais exílios sanguinários que marcaram a história de nosso povo.
Conforme citado, o Império Grego decretou a proibição da mitsvá de santificar o Rosh Chôdesh. A proibição de Rosh Chôdesh implica na anulação de todas as festas judaicas festejadas em dias fixos do mês, como Pêssach, que se comemora em 15 de nissan, e assim por diante. Se o primeiro dia do mês não é santificado, os demais dias não são determinados também.
Decretaram ainda a proibição de respeitar os shabatot, que são as festas judias semanais, independentes das datas dos meses. Em suma, os gregos tentaram anular o calendário judaico.
A intenção do Império Grego, com a anulação de nosso calendário, era causar a absorção do povo judeu como parte integrante da nação grega. Mesmo que todas as mitsvot da Torá criem uma certa distância entre o povo judeu e os demais povos, isto não incomodava tanto os gregos. Segundo eles, dentro de uma mesma “nação” poderiam existir temporariamente diversos costumes, sendo que com o tempo estas diferenças se perderiam.
Porém, o calendário judaico era uma ameaça aos planos gregos. As festividades e comemorações de um povo simbolizam uma nação por si. Todo país que quer fazer seus cidadãos se sentirem emocionalmente ligados com a nação, determina “feriados”: Dia da Independência, dias de comemorações relacionados com vitórias militares, etc. Percebendo que o povo judeu comemora Pêssach (que é o verdadeiro “dia da independência” judaica), Shavuot (quando o povo judeu foi coroado como o povo escolhido), e assim por diante, os gregos não puderam aceitar estas mitsvot.
Os gregos queriam que o povo judeu perdesse sua identidade como nação e gradativamente se ligasse mais e mais à nação e ao povo grego.
Os gregos também decretaram a proibição do Berit Milá. O símbolo de que “eu sou judeu”, marcado com orgulho no corpo do recém-nascido, com certeza oferecia uma grande barreira aos objetivos de causar uma assimilação cultural.
Tendo em vista todo o explicado, que os gregos procuraram transformar o povo judeu em parte da sociedade grega, podemos entender qual é a semelhança entre o exílio grego e o episódio de Diná, quando ela foi sequestrada por Shechem ben Chamor. A Torá testemunha sobre Shechem ben Chamor (Bereshit 34:3): “E ligou-se sua alma com Diná, a filha de Yaacov”. Como consequência, todo o povo de Shechem quis ligar-se com o povo judeu, formando um povo único. Foi isso que sugeriu Chamor aos filhos de Yaacov (Bereshit 34:9-10): “Vossas filhas se casarão conosco e nossas filhas se casarão com vocês, morem conosco e nossa terra estará perante vós”.
Ou seja, o episódio de Diná demonstra a tentativa de ligar dois povos, como expressado depois por Shim’on e Levi (Bereshit 34:16): “e seremos um povo único”. Esta também era a intenção do povo grego.
Tentativas como esta são um grande desafio para o povo de Israel. Elas demandam um trabalho espiritual constante para não sermos influenciados pela atraente cultura alheia e não nos misturarmos com um povo que está disposto a aceitar os judeus “de braços abertos”. Guerras físicas têm sempre uma duração restrita, mas esta “guerra espiritual” necessita atenção e forças constantes no dia-a-dia. Sobre tais “batalhas” metafísicas é que se refere a passagem citada anteriormente (em Iyov): “não descansei!”
Podemos agora entender por que a festa de Chanucá se enquadra sempre nas semanas das parashiyot Vayêshev e Mikets. Estas parashiyot relatam como o jovem Yossef conseguiu guardar sua identidade judaica mesmo estando sozinho e abandonado no meio do povo egípcio. Yossef precisou enfrentar vários testes, e mesmo assim não se assimilou. Mesmo sendo coroado como vice-rei do Egito, cargo que normalmente causaria ao indivíduo ligar-se ao povo que governa, Yossef continuou fiel a sua fé e às leis judaicas.
A fidelidade de Yossef à Torá fica clara na passagem “utvoach têvach vehachen - degole e prepare”. Nossos sábios explicam (Bamidbar Rabá 14:5) que deste passuc aprendemos que Yossef seguia todas as leis judaicas ainda antes da outorga da Torá. Yossef cuidava até mesmo das preparações para o Shabat (como shechitá). Compreendemos então, o porquê da palavra “Chanucá” estar oculta justamente neste versículo.
Em Chanucá comemoramos o fato de não nos termos “misturado” com o povo grego. Assim, entendemos por que D’us realizou um milagre com o azeite. O azeite é um líquido que não se mistura com os demais líquidos. Assim, D’us demonstrou ao Povo de Israel Sua satisfação com o empenho dos judeus de manterem-se separados.
Todo ano acendemos as velas de Chanucá, pois devemos lembrar que ainda hoje nos deparamos com o desafio de manter identidade judaica. Os países ocidentais (cuja cultura é proveniente da Grécia antiga) recebem o povo judeu de “braços abertos”. Até permitem aos judeus destacarem-se em cargos importantes (como ocorrido com Yossef no Egito). Justamente por estes motivos é necessário estarmos atentos ao grande perigo espiritual de nós (ou nossos filhos) nos ligarmos com estes povos.
O judeu deve viver em paz e amizade com outros povos, porém não participar de sua forma de pensar e encarar a vida. Para tanto, é necessário mantermos nossas tradições e costumes com afinco, e criarmos nossos filhos da maneira judaica.
R. Elie Bahbout
Rosh Colel “Bircat Avraham”
Instituto para a preparação
de juízes rabínicos em Jerusalém