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Conceitos de Fé

Rabino I. Dichi

Como transmitir às crianças os conceitos sobre a existência de D'us e Sua providência.

Educação

Em outra oportunidade, tratamos de como despertar a fé nas crianças desde a idade da amamentação, mesmo quando elas ainda não conseguem se comunicar com os pais por intermédio de palavras. Nessa idade, quando os pais pronunciam uma berachá de olhos fechados, com concentração e de forma pausada, isso chama a atenção das crianças, transmitindo um senso forte de emuná - pelo menos no seu subconsciente.

Trataremos agora das crianças que já sabem conversar, que passaram da idade da amamentação. A elas se deve explicar o conceito de fé aos poucos, de forma gradativa, conforme as possibilidades de cada uma. É imprescindível que toda criança ouça sobre a existência do Todo-Poderoso. Elas precisam ouvir que existe Alguém que as criou, e a seus pais, seus irmãos, os avós... Que também criou as estrelas, os insetos, as flores e as plantas. A criança deve começar a ouvir que foi D’us que criou tudo o que há no mundo. Seria uma falha muito grande não transmitir os conceitos sobre a existência de D’us desde muito cedo.

É possível que a criança pergunte sobre Hashem sozinha. É comum que faça perguntas como: “Quem criou as estrelas?”, “Como apareceram as coisas?”, “Quem fez as flores?”, “Por que há frutas nas árvores?”, “Quem traz o Sol todos os dias de manhã?”. Quando a criança faz esse tipo de pergunta, é uma ótima oportunidade para transmitir conceitos de emuná.

Se a criança não faz perguntas sozinha, “at petach lô” - os pais precisam estimular para que faça as perguntas; devem atraí-la para o assunto e explicar sobre a existência de D’us.

Quando a criança pergunta “Onde está Hashem”, devemos responder que Ele está em todos os lugares. Não é aconselhável dizer que Hashem está no céu. Toda criança hoje sabe que existem satélites, astronautas, aviões no céu... Dizer que D’us está no céu pode causar uma confusão na cabecinha ingênua da criança. É capaz de ela imaginar que os pilotos e os astronautas se encontram com Hashem... Isso pode criar um enfoque distorcido da existência de D’us. Portanto, o correto é dizer que Hashem está em todos os lugares - e esta é, de fato, a realidade. Na Kedushá que recitamos todos os dias na Chazará da Amidá, nós também afirmamos isso, dizendo “Cadosh, cadosh, cadosh...” - “Sagrado (nos mundos superiores), sagrado (nos mundos inferiores), sagrado (para sempre) é Hashem, o Senhor dos exércitos; o mundo inteiro está repleto de Sua glória”. O Zôhar também traz esse conceito, dizendo: “Let atar panuy Minêh” - Não há um lugar vazio da Sua existência.

Entretanto, devemos tomar cuidado em não fazer afirmações do tipo: “Hashem está neste quarto conosco agora”. Uma criança pequena não está preparada para entender que o Todo-Poderoso está conosco a todo momento. Essa consideração de que existe alguém junto com a gente e é invisível, pode lhe causar medo ou pânico. Quando os pais saírem do quarto e ela ficar sozinha, poderá ficar assustada com o pensamento de que tem alguém invisível ao seu lado. Uma criança não entende que isso não é motivo para ficar com medo - pelo contrário! Por isso, é correto usar uma definição mais delicada e mais abrangente - que Hashem está “em todo lugar”. Já para um adulto, deve ser muito agradável e deve trazer segurança saber que o Todo-Poderoso está com ele a todo instante.

Quão grandes são Suas obras!

É necessário mostrar para as crianças a beleza do mundo que D’us criou. Provavelmente, nós não fazemos o suficiente para transmitir às crianças a beleza do mundo. Nossa vida é tão corrida e rotineira, que não paramos para observar as árvores, o céu, o Sol. Isso para uma criança transmite emuná. Frases como: “Veja como tudo que D’us faz é maravilhoso!” poderiam ser mais frequentes.

Não é necessário ir muito longe para mostrar a maravilhosa beleza da Criação. Todo mundo tem frutas em casa! Encontram-se flores em todo lugar! Pensando bem, quantas fábricas seriam necessárias para produzir uma cesta com frutas? Quantos técnicos, quantos químicos?... E eis que o Todo-Poderoso fabrica frutas e flores em todas as partes do mundo. Não importa que tipos de flores - as que crescem sozinhas, as cultivadas pelo homem... A beleza da Criação de D’us está ao nosso redor. A cada passo que damos, precisamos abrir os olhos das crianças para que notem a grandeza da Criação.

Mas e se os próprios pais não enxergam? Se os olhos dos pais não estão abertos, não poderão mostrar qualquer coisa para as crianças. Todos os livros que tratam de educação em nossos dias, citam esse ponto de vista: para um bom resultado na educação das crianças, primeiramente é necessário educar os pais - esse é o maior problema. Se os pais não vêem a grandeza de D’us na Criação, como poderão apontá-la para seus filhos? É lamentável que uma criança se desenvolva com uma sensibilidade pobre. A compenetração na grandeza da Criação significa ver a mão de Hashem e ter fé - e a fé precisa ser rica, farta.

Prêmios e incentivos

O Rav Yechezkel Levinstein zt”l foi mashguíach de Yeshivat Mir quando ainda estava em Xangai. Posteriormente, foi o mashguíach de Yeshivat Ponevej. Ele é autor do livro Or Yechezkel e é um dos grandes personagens conhecedores de mussar da geração anterior. Tanto o Rav Wolbe quanto o Rav Levinstein foram discípulos do Rav Yerucham de Mir. Certa oportunidade, o Rav Levinstein contou para o Rav Wolbe sobre como educava suas filhas quanto à Providência Divina no mundo. Ele frequentemente falava com elas sobre o assunto e, além disso, quando elas lhe mostravam algo que demonstrava a Providência Divina, ganhavam um prêmio. Isso era um grande incentivo para que suas filhas se compenetrassem no que está ao seu redor e constatassem cada vez mais a mão de D’us. O Rav Wolbe percebeu que o Rav Levinstein fazia questão de transmitir esse conceito a suas filhas desde idades precoces.

Essa questão, de dar prêmios para as crianças, é citada por vários de nossos sábios. O Rambam explica que as pessoas devem atingir o nível de cumprir a vontade de D’us sem nenhum interesse pessoal, mas não se pode exigir essa conduta das crianças. Assim, os prêmios podem ser incentivos positivos na sua educação. Com o tempo, elas atingirão níveis mais elevados na observância das mitsvot.

É muito comum oferecer prêmios para as crianças que participam do minyán infantil, por exemplo, para incentivá-las a comparecer e aprender a fazer as orações de forma adequada.

Comportamento em sociedade

Como transmitir para as crianças o comportamento mais adequado em sociedade?

A criança começa a se ambientar à sociedade na idade em que entra no jardim de infância. Esse é o primeiro contato mais prolongado fora do âmbito familiar. Há um princípio básico sobre como transmitir o comportamento necessário em relação aos amiguinhos, com os visitantes, com as pessoas na rua: o comportamento dos pais. O exemplo dos pais é a principal forma de educar os filhos nesse sentido. A criança absorve nitidamente a maneira com que os pais recebem as visitas em casa, por exemplo, e esse é o caminho que ela também vai seguir.

Ajuda e bondade

Como ensinar a criança a ajudar o próximo e ser bondoso com os outros?

Novamente, essa questão está intimamente ligada com o exemplo que a criança observa em seu lar. Assim, é correto ensiná-la a ajudar em casa. Mas os pais devem sempre ter em mente que o motivo principal desse ensinamento não é a ajuda de fato que receberão. Não é correto dar os trabalhos difíceis para as crianças!... O principal motivo desses pedidos é para que as crianças sejam educadas em ajudar os pais, em participar dos preparativos para as mitsvot, em tornarem-se mais responsáveis, etc. O auxílio das crianças no lar deve progredir proporcionalmente ao seu desenvolvimento.

Não é recomendável que as crianças encarem a ajuda aos pais como um peso, como uma tarefa difícil. Por intermédio de ordens e imposições forçadas não conseguimos acostumá-las a praticar a bondade com satisfação e alegria. Os pais precisam fazer a criança se sentir bem no momento que está auxiliando. Isso se consegue fazendo da criança um “sócio” para ajudar os adultos na hora das necessidades. Dessa forma ela se sente respeitada. Se os pais permitem que os filhos participem de seu trabalho, a criança fica com a sensação de que é sócia dos “grandes” e passa a se sentir importante. Seu status em casa fica sendo de uma pessoa respeitada, já que divide tarefas com os adultos. Com isso, os filhos passam a realizar suas obrigações com alegria, tornando-se um hábito ajudar o próximo com satisfação.

É natural, e positivo, o fato de que, em famílias com baruch Hashem muitos filhos, todos ajudem em casa. Os maiores ajudam a cuidar dos menores. Isso faz com que as crianças desenvolvam de uma forma natural a característica de chêssed - a bondade. Há muitas vantagens nessas casas. Para um filho único, “tudo é dele”. Com várias crianças, por mais que haja fartura, cada uma precisa dividir com as demais. Isso as educa no sentido de chêssed; acostuma-as a ajudar os demais. Naturalmente os filhos maiores são acostumados a ajudar e assumir o compromisso de responsabilidade em relação aos irmãos menores. Isso é maravilhoso - é uma forma de educação exemplar.

O próximo e seus bens

Como deve ser a educação em relação ao próximo - as mitsvot ben adam lachaverô - e a educação em relação aos bens do próximo?

A educação de nossos filhos em relação às mitsvot ben adam lachaverô - as obrigações em relação ao próximo - deve ser encarada de uma forma diferenciada. Não que elas sejam mais importantes que as outras mitsvot, mas a própria halachá, a lei judaica, determina alguns detalhes de forma exclusiva para a educação segundo esses conceitos. Analisemos uma dessas prescrições específicas. Essa lei trata da necessidade de aplicar um castigo físico a crianças que roubam.

Antes de citá-la, cabe relembrar que, em várias oportunidades, o Rav Wolbe se manifestou taxativamente contra uma educação severa e contra bater nas crianças. Esses recursos devem ser evitados ao máximo. Todo indivíduo inteligente precisa ponderar as consequências a longo prazo de uma educação severa. O “êxito” de influenciar facilmente os filhos com tapas é uma glória cantada prematuramente. Por esse tipo de atitude, os pais podem pagar caro no futuro, quando o filho tiver 14 ou 15 anos e não sentir mais tanto medo e dependência dos pais. Aí será muito difícil consertar o erro cometido.

Tratemos, então, da norma citada por Rambam no primeiro capítulo das leis de roubo: Quando um menor causa um dano ao próximo ou quando rouba, se necessário, é correto o bêt din (um tribunal rabínico que vigorava exclusivamente na época em que existia o Templo Sagrado) bater nele para educá-lo e afastá-lo desse pecado, para não se acostumar com essa prática.

O Maguid Mishnê (um dos rishonim, após o Rambam) explica que, apesar de não haver na guemará uma indicação para essa lei, a conclusão é simples. Algumas palmadas numa criança, para que entenda a gravidade de roubar ou causar um dano ao próximo, é uma forma educativa positiva.

Por outro lado, consta no Shulchan Aruch (Hilchot Shabat) que o bêt din não tem por obrigação impedir que as crianças ingiram comidas proibidas - nevelot utrefot. Essa obrigação cabe exclusivamente aos pais.

Segundo esses esclarecimentos, vemos que o bêt din não tem a obrigação de chamar a atenção das crianças em relação às mitsvot ben adam Lamacom (entre o homem e o Criador), mas sim em relação às mitsvot ben adam lachaverô (entre o homem e seu próximo), para que no futuro não aconteçam mais danos aos outros.

Advertir em relação aos mandamentos entre o homem e o próximo cabe tanto aos pais da criança quanto ao bêt din, enquanto que advertir em relação aos mandamentos entre o homem e o Criador cabe somente aos pais. Disso vemos a forma diferenciada com que devemos encarar a educação das mitsvot entre o homem e seu semelhante.

Se é assim em relação ao bêt din, quanto mais em relação aos pais! Devemos dedicar uma atenção especial em relação a esses mandamentos relacionados com as crianças. Elas precisam se acostumar a zelar por aquilo que não lhes pertence: não mexer, não causar danos. De um modo geral, essa conduta é assimilada no jardim-de-infância pelo convívio com outras crianças, porém é óbvio que os pais precisam estar atentos e instruí-las corretamente.

É comum observar, por exemplo, que crianças em ônibus não cedem o lugar para pessoas de idade. Isso é uma falha na educação da escola que elas frequentam. Também é uma falta grave da educação dos pais. Os pais devem educar os filhos em relação à sensibilidade, à atenção com os demais. Devem acostumá-los a se importar com o próximo. Esse é um detalhe que a nossa geração está em falta. É frequente ouvirmos afirmações como: “Não me interessa!”, “Azar o dele!”. Isso não é a educação da Torá; é a educação da rua! As pessoas não podem ser desatentas. Precisam prestar atenção a tudo que ocorre ao seu redor. Deve haver um constante interesse pelo bem-estar do próximo. Dessa forma, uma pessoa bem-educada cede seu lugar para os mais velhos com boa vontade e satisfação.

Existe uma conduta diferente para a intervenção no relacionamento entre irmãos. Na medida do possível, os pais devem deixar que as crianças se entendam sozinhas - com a condição de que uma não cause qualquer dano à outra. É natural que as crianças se entendam sozinhas. Uma intervenção dos pais nesse caso causaria que um dos lados se sentisse prejudicado. Conforme diz o Rosh em Orchot Chayim: “Não se envolva em uma briga que não é sua. A consequência iminente de uma intervenção dessas, é que os litigantes façam as pazes e que quem se envolveu seja considerado intrigante por ambos.”

Perguntas

Chega uma certa idade que as crianças começam a fazer perguntas. Essas perguntas devem ser encaradas com seriedade. É necessário respondê-las à altura, procurando solucionar as dúvidas. Não é suficiente dar qualquer resposta que não convence. Não se pode estar sempre dando para as crianças respostas do tipo: “Isso você ainda não entende”, “Isso você vai entender quando crescer”, “Não faça perguntas tolas”. Com isso se obstrui o desejo da criança de saber. A criança deseja novas informações, conhecer, se desenvolver. Com respostas evasivas impede-se o seu desenvolvimento.

Os pais devem ficar contentes quando a criança faz perguntas - ela se interessa em saber mais. Certamente, é importante responder conforme o nível de compreensão delas. Mesmo as perguntas que deixam os pais meio perplexos devem ser respondidas, dentro do possível, de forma séria e aceitável. Assim, os filhos perceberão que dão valor às suas perguntas.

A sinagoga e as orações

Trataremos de um assunto muito triste, já que a realidade dos nossos dias, em praticamente todos os lugares, não é a que recomendamos.

Como deve ser a educação em relação às crianças frequentarem uma sinagoga?

Antes de tudo, é necessário alertar os pais que não levem suas crianças às sinagogas em idades precoces. Uma criança pequena não sabe o que acontece na sinagoga, não conhece a ordem da tefilá. Uma criança de quatro ou cinco anos não entende nada disso. Não sabe ainda ler no sidur e, logicamente, não reza.

Frequentemente observamos crianças rodando pela sinagoga durante as orações. Com isso, atrapalham os demais, que também não conseguem rezar de forma adequada. É natural que elas fiquem conversando, brincando e atrapalhando as orações dos mais velhos.

O principal problema de levar crianças pequenas à sinagoga ainda não é este, mas a sua própria educação com respeito à sinagoga. As crianças devem ser conscientizadas, desde o primeiro momento que pisam na sinagoga, que lá é um lugar especial. Deve-se possuir o temor e o respeito devido ao local - isso é uma lei judaica explícita. Devemos transmitir para as crianças que a sinagoga não é um lugar de recreação, um salão de jogos, um jardim. Se a criança é muito pequena e não se pode ainda exigir dela um comportamento adequado na sinagoga, simplesmente não se deve levá-la para lá.

Quanto mais se demora em levar a criança para a sinagoga, melhor ela entenderá o que acontece lá e a importância do local. Sua educação em relação à santidade do recinto será melhor e o respeito que desenvolverá dentro de si para com a sinagoga será mais correto. Se a criança começa a ir à sinagoga desde muito cedo, o local passa a ser encarado como um salão de recreações, tornando-se muito difícil mudar seus hábitos e seus sentimentos.

O mesmo raciocínio deve ser considerado em relação ao ensinamento das tefilot. Neste sentido, há vários talmudê Torá que seguem a orientação do Rabino Yaacov Kaminetsky zt”l. Nas primeiras classes se ensina às crianças os Birchot Hasháchar e o Keriat Shemá, mas não se reza com elas toda a tefilá. Somente com sete anos que começam a ensinar toda a tefilá. Com essa idade, elas passam a entender um pouco do conteúdo das orações, sendo mais benéfico o desenvolvimento posterior. Numa idade anterior, a tefilá é encarada como um peso pelas crianças. A obrigação de rezar as sobrecarrega e elas procuram se esquivar da tefilá em todas as oportunidades.

Assim, além da boa intenção dos pais em educar seus filhos quanto ao aprendizado das tefilot e à frequência à sinagoga, deve-se agir com critério e paciência. O início correto dessas atividades assume grande importância nos valores a serem transmitidos aos filhos e beneficia todo o seu desenvolvimento.

Rabino Isaac Dichi, baseado em
“Zeriá Uvinyan Bachinuch”
do Rabino Shelomô Wolbê z”l