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Investimentos Financeiros

Yaco Alexander Kirzner Chirou

Existiam carteiras de investimentos financeiros na época do Talmud?

O tratado de Bavá Batrá estabelece normas e regulamentações para o bom relacionamento comercial da sociedade judaica e o funcionamento eficiente da economia.

De modo geral, a Guemará não limita as operações comercias às normas estabelecidas. Quaisquer pessoas podem realizar acordos comerciais livremente e é recomendável estabelecê-los em contratos. Mas se houver algum conflito, o bêt din - o tribunal de justiça judaico - utilizará estas regulamentações para resolvê-lo.

Neste tratado, a Guemará traz inúmeros casos e, na sequência, a correspondente determinação da halachá.

Os casos citados são extraídos da realidade. As normas e conclusões se aplicam não apenas ao caso mencionado, mas a todas as ocorrências com características similares.

A maioria dos casos apresentados são simples, habituais e comuns a todas as épocas. Mas aparecem também acontecimentos que chamam a atenção, tanto pela improbabilidade de ocorrência quanto pela complexidade econômica.

A Guemará não intervém nos preços. Qualquer que seja o caso, independente de limitações e complexidades, o preço é determinado pelo mercado, em função de oferta e demanda. A Guemará entende que esta é a melhor maneira de a economia funcionar.

Operação Financeira

Da Mishná da página 136a do tratado de Bavá Batrá extraem-se as normas que regem as operações de compra/venda de bens de capital cujo pagamento é feito no presente, mas a posse do bem é feita numa data futura incerta. O caso básico trata de uma pessoa que vende um campo hoje e recebe o dinheiro da venda hoje, mas o comprador só recebe o campo após o falecimento do vendedor. Segundo a halachá, o vendedor usufrui do campo até o seu falecimento e o comprador começa a usufruir do campo a partir de então.

É claro que o preço de um campo nestas condições é menor que em condições normais de entrega imediata. Além disso, o risco desta operação para ambas as partes é muito alto. Note que se o comprador tomar posse do campo muito cedo o seu lucro é maior, porque pagou barato pelo campo. Se a posse do campo tardar muito, o vendedor é que ganha.

Podemos nos perguntar se este tipo de operação comercial era comum na época.

A chave para a existência deste tipo de negócio é a capacidade de calcular um preço “aproximadamente justo” para o campo em questão. Se for possível estabelecer um preço, a transação pode facilmente ser transformada em uma operação financeira, da seguinte maneira: Quando o comprador paga pelo campo, é como se estivesse fazendo um depósito numa poupança. Tempos depois, na hora da posse, considera-se o valor do campo vendido à vista. Quando o comprador recebe o dinheiro, é como se estivesse sacando-o da poupança. A diferença entre o dinheiro pago e o dinheiro recebido é a rentabilidade financeira da operação.

Esta operação financeira é muito similar a uma compra de ketubá, porém mais simples e com menos risco.

Com a tecnologia financeira de hoje, é possível calcular este preço de uma maneira bastante precisa. Mas a forma de chegar a este valor não é muito diferente da utilizada na época.

Estes cálculos certamente eram realizados intensivamente no mercado de ketubot. A Guemará, no tratado de Macot (pág. 3a) relata que existia um mercado líquido e sólido de ketubot - “omedim bashuc”. Certamente, neste mesmo mercado - não necessariamente físico - é que eram também negociados campos e outros bens de capital, como prensas, reservatórios e moinhos.

O grau de sofisticação deste mercado era altíssimo, até para os dias de hoje. Não encontramos muitos exemplos similares na história.

Este mercado supria a procura por aplicações em investimentos financeiros. Como a Torá proíbe o empréstimo a juros, muitos capitais ficariam ociosos não fosse este tipo de opção. Pessoas ricas podiam fazer estes investimento sistematicamente, montando carteiras de investimentos financeiros. O Talmud deu forma legal e organizada a estas operações.

O Cálculo do Preço

Analisemos como se calcula o preço de um investimento como o citado - a venda de um campo hoje com o recebimento do dinheiro hoje e a posse após o falecimento do vendedor.

Casos de precificação como este se resolvem calculando o rendimento do campo a cada ano e ponderando as probabilidades estimadas de posse.

Calculemos hipoteticamente o preço de um campo vendido por um senhor de 75 anos de idade. O vendedor recebe o dinheiro imediatamente, mas o comprador toma a posse do campo somente com o falecimento do vendedor.

Simplificando os cálculos e a modo de exemplo, é como se fossem comprados 100 campos de 100 senhores nas mesmas condições - mesma idade e saúde. Estima-se que em dez anos estes campos passarão paulatinamente à posse do comprador no início de cada ano.

As probabilidades de quantos anos mais este senhor vai viver devem ser fornecidas por especialistas da área. Suponhamos que estas probabilidades sejam as seguintes: 33 no primeiro ano (33 em cada 100 pessoas nestas condições falecem no primeiro ano após a venda); 26 no segundo ano (26 em cada 100 pessoas falecem no primeiro ano após a venda); 26 no segundo ano (26 em cada 100 pessoas falecem no segundo ano); 15 no terceiro, e assim em diante, até que no décimo ano todos os campos são transferidos para o comprador.

O número de campos em poder do comprador será de 33 no ano 1, 59 no ano 2, 74 no ano 3, etc. Em outras palavras, as probabilidades de ter a posse do campo comprado são de 33%, 59%, 74%.... para os anos 1, 2, 3... e 100% no ano 10.

O rendimento anual do campo é conhecido do mesmo modo que hoje é conhecido o rendimento de uma loja, padaria ou posto de gasolina. Suponhamos um campo que custe $100,00 com um rendimento anual de 10% do valor do campo, ou seja, $10,00.

Para encontrar o “valor justo” de apenas um campo comprado, calculamos quanto valem os 100 supostos campos e dividimos por 100.

Os rendimentos hipotéticos calculados a cada ano (ponderados pelas probabilidades de posse) devem ser trazidos para o “valor presente” (considerando-se o rendimento de 10%). Finalmente, o valor dos 100 campos no final dos 10 anos também deve ser trazido para o valor presente, simulando a venda a vista de todos os campos naquele momento.

Isto é o que o modelo de Black and Scholes faz de forma analítica para precificação de opções, mas também é o que uma pessoa faria se tivesse que estimar o valor de um campo com estas características. Este método de cálculo é eficiente no contexto de carteiras.