Matérias >> Edição 172 >> Variedades III

Hashem Me Deu Um Soco

Um depoimento verdadeiro, uma lição.

“Certamente, aquele árabe me esfaqueou porque sou judeu”, disse Yossef. “Mas eu não senti que o problema era entre um judeu e um árabe. Era entre mim e Hashem.”

Naquela noite de inverno, seis anos atrás, Yossef tinha apenas 17 anos enquanto passava pelo shuk árabe, no caminho de volta do quarteirão judeu na Cidade Velha em Jerusalém. Ele tinha saído da yeshivá e passara um bom tempo com companhias não tão boas pelo centro de Jerusalém.

“Eu não estava bravo com Hashem ou duvidando da Torá, mas as coisas não estavam indo muito bem na yeshivá”, ele disse.

Já era meia-noite e Yossef andava pela rua David quando percebeu que um árabe saiu de um beco e estava bem atrás dele. Por ter crescido em Har Tsiyon, na Cidade Velha, Yossef conhecia bem aquela região e não tinha medo dos árabes.

Ele andava tranquilo, ouvindo mú- sica em seu walkman. Um pouco antes da estreita rua fazer a curva final em direção ao Portão de Jaffa, ele sentiu um golpe em suas costas e viu de relance o árabe fugindo.

“Eu demorei alguns instantes para perceber o que tinha acontecido”, ele se lembra.

Yossef tinha sido ferido com uma faca afiada, que cortou seu rim direito em dois pedaços. Ele estava perdendo muito sangue e corria risco de vida.

Depois de perceber o que acontecera, ele começou a subir a rua em direção à praça em frente ao Portão de Jaffa, onde esperava encontrar ajuda.

“Eu não sentia dor e não entrei em pânico”, lembra-se Yossef . “Hashem me fez sentir que eu não morreria daquele jeito, que não era o fim.”

Mas em certo momento Yossef achou que não conseguiria continuar. Ele avistou um judeu de longe, mas não conseguiu levantar a voz para chamar sua atenção.

“Eu sentei numa escada a espera de que alguém viesse me ajudar.”

Algumas pessoas passaram por ele, mas tinham medo de se aproximar. Finalmente, um árabe se aproximou e Yossef murmurou que fora esfaqueado. Um estudante de uma yeshivá próxima ao local, que estava patrulhando a área, chamou os paramédicos com seu walkie-talkie.

Em menos de cinco minutos Yossef estava cercado de policiais. Uma ambulância levou-o apressadamente para o hospital Hadassa En Kerem, onde ele foi atendido em situação crítica. Os médicos o levaram imediatamente para o centro cirúrgico para conter o sangramento e remover seu rim prejudicado.

A história de Yossef foi manchete nos jornais duas vezes. A primeira após o esfaqueamento e, poucos dias depois, quando o culpado, um empreiteiro imobiliário, foi preso. Ele contou para a polícia que estava deprimido por dever muito dinheiro e que decidira “matar um judeu” por causa disso.

O que os jornais não noticiaram foi a luta entre a vida e a morte de Yossef por causa da hepatite, que durou três semanas, aparentemente causada pela sujeira da faca. Nesta ocasião, o tio de Yossef decidiu que ele precisava da “cura da pomba”. Três pombas foram colocadas em sua barriga. “No dia seguinte às pombas eu comecei a me sentir melhor.”

O ataque foi um ponto de inflexão na vida de Yossef. “Eu encarei a situação de uma maneira pessoal. Sinto que foi um chêssed que Hashem fez por mim. Naquela época eu não estava me dedicando muito em avodat Hashem, e o ataque forçou-me a fazer um balanço da minha vida. Hashem me deu um soco, mas por outro lado, Ele me salvou. Ele continuou a me amar e proporcionou um grande milagre para mim.”

“Tudo o que aconteceu despertou-me a fazer teshuvá. Alertou-me de que a vida não é eterna...”

Sua “jornada de volta” incluiu uma visita aos Estados Unidos, onde ele estudou na yeshivá Or Samêach por um ano. “Lá eu desenvolvi um grande amor pelo estudo e me fortaleci bastante. Foi muito bom afastar-me de meus antigos conhecidos de Israel.”

A experiência de Yossef o deixou mais temeroso?

“Eu tenho medo de mim mesmo, dos meus pecados, mas não dos árabes. Meus amigos queriam se vingar do esfaqueamento, mas eu pedi para que desistissem da ideia. Somente Hashem pode vingar meu rim e a todos que foram mortos em atentados terroristas.”

Yossef sabia que o ato terrorista tinha sido muito mais marcante em seus pais, o rabino Elimelech Lepon e sua esposa Shoshana. “Quando acordei da cirurgia, percebi em seus olhos o sofrimento que tinham passado e quão assustados estavam.”

Como o ato terrorista afetou sua família?

De acordo com a Senhora Lepon, dois de seus onze filhos desenvolveram medo de dormir fora de casa e se recusaram a dormir na yeshivá. “Um deles costumava ligar para casa em todos os intervalos e perguntar se meu marido estava bem.”

Mas também houve pontos positivos. “Todos nós nos tornamos mais fortes”, disse a senhora Lepon.

“Quando você já esteve do outro lado e, baruch Hashem, sobreviveu, quando você tem seu filho de volta, você consegue sentir um pouco de liberdade - nós conseguimos! O que quer que Hashem decida nos enviar, nós sobreviveremos. Eu posso passar por qualquer coisa com a ajuda de D’us.”

De fato, a experiência foi tão “positiva”, que a senhora Lepon fez todos os esforços para não esquecê-la. “Nós gravamos todas as mensagens telefônicas e guardamos os e-mails que chegaram para Yossef”, disse ela. “Se isso aconteceu, nós não queremos esquecer. Nós sempre encorajamos Yossef a falar sobre o assunto.”

O rabino Lepon transformou sua experiência em trabalho junto ao “Kids for Kids”, uma organização que ajuda crianças vítimas de ataques terroristas.

“Eu senti que possuía uma sensibilidade mais apurada para entender o que aquelas famílias haviam passado. Eu sei onde procurar os problemas. Eu vi em minha própria família como o problema afeta cada criança. Todas ficam preocupadas e cada uma tem uma forma de se relacionar com isso.”

O rabino Lepon ficou muito desconfortável por ser ajudado por tantas pessoas. Mas comoveu-se pela maneira que a comunidade se mobilizou para ajudar logo após o ataque. “As pessoas traziam comida, levavam as crianças para passear, ofereciam-se para limpar a casa. Eu descobri que existem vários gastos que as pessoas nem pensam - táxis para o hospital, babysitters, comida para as pessoas que fazem companhia no hospital.”

O rabino Lepon ficou ao lado de Yossef em seu leito por três semanas, prestando atenção nos médicos e na equipe, e imaginando se as coisas voltariam ao “normal”.

O que ele aprendeu com essa experiência?

“Nós encaramos tudo como um nissayon - um teste de cima. Nós dissemos a nós mesmos que conseguiríamos superar tudo e crescer. Que precisávamos disso para ir em frente, para aproximarmo-nos de D’us. Minha maior lição foi aprender que nos lugares que aparentam ser mais escuros, é onde a luz começa a brilhar.”

“Havia uma maior proximidade entre a família, as pessoas se importando umas com as outras. Havia também um enorme senso de fazer parte do Klal Yisrael e sentir a bondade vindo de todas as direções.”

Quanto a Yossef, ele também sentiu que o ataque o aproximou de seus pais. “Isso deu-lhes a chance de banhar-me com todo o seu amor.”

Qual é a mensagem de Yossef para os outros, para seus amigos que caminham sem rumo no centro de Jerusalém, para aqueles como nós que querem aprender com essa experiência?

Yossef considera que a questão merece reflexão. Finalmente ele oferece os frutos de seus últimos seis anos de procura.

“En od Milevadô - não há nada além de D’us.”

“Por um lado, a vida não dura para sempre, e Hashem é um juiz que não erra e não esquece. Por outro lado, Ele nos ama em todas as situações. Não há motivos para desistir. Se existe a possibilidade de estragar qualquer coisa, também existe a possibilidade de consertá-la. Nós temos que superar nossos instintos. Mas somente Hashem pode nos ajudar a vencer.”

“Tudo o que eu quero é que Hashem me proporcione o mérito de mostrar a luz da Torá para meus amigos e ajudá-los a voltar.”

Só uma coisa preocupou Yossef sobre a nossa entrevista. Ele tinha dúvidas se merecia um lugar nesta coluna.

A coragem de fazer um cheshbon hanêfesh - uma auto-análise - depois de um evento tão traumático, de assumir a responsabilidade por sua própria vida e fazer uma reviravolta tão dramática, é eminentemente válida para estar nestas páginas.

Que sua história possa inspirar outros a concretizar as mesmas realizações e trilhar o caminho difícil, mas recompensador, de volta para casa.

 

Hamodia
Traduzido com permissão