Comecemos com a explicação do mais popular comentarista da Torá, o Rashi. Parashat Mishpatim começa com as palavras: “Veêle hamishpatim”. Rashi explica que a letra vav de “Veêle”, que significa “e também”, vem ligar a Parashat Mishpatim à de Yitrô, que a antecede, para ensinar-nos que da mesma forma que as leis ditadas pela Torá na Parashat Mishpatim foram dadas a Moshê Rabênu pelo Todo-Poderoso no Monte Sinai, assim também o foram as leis que estão na Parashat Mishpatim.
Cabe aqui questionar, então, por que justamente nesta parashá faz-se necessário ressaltar que as leis foram dadas no Monte Sinai, uma vez que sabemos que toda a Torá foi dada pelo Todo-Poderoso a Moshê no Monte Sinai.
Encontramos a resposta desta questão no livro Col Yehudá de autoria do Rabi Yehudá Tsadca Shelita, Rosh Yeshivá de Porat Yossef. Ele diz que as leis que foram ditadas na Parashat Mishpatim são leis referentes à sociedade, leis referentes às pessoas e aos seus semelhantes, como por exemplo estas duas:
Qual a lei no caso de alguém que emprestou um objeto a um amigo, ou que pediu para seu amigo guardar-lhe algo, e este objeto é quebrado ou roubado?
Qual a lei no caso de uma pessoa que estava fazendo uma fogueira em seu campo e por acaso o fogo se alastrou até o campo do seu vizinho?
Assim sucessivamente, há muitos outros exemplos de leis que se referem à sociedade. Poderíamos pensar que, nestes casos, seria a própria sociedade que ditaria suas leis. Para negar isto, a Torá veio logo após a parashá que aborda a Outorga no monte Sinai dizer “Veêle hamishpatim”, ensinando-nos: E também estas leis que regem a sociedade foram ditadas por D’us no Monte Sinai, pois é a ela que cabe essa função, para assim as leis poderem ser justas e aceitas pelas partes interessadas bem como por toda a sociedade.
Exemplo semelhante a este pensamento encontramos no início do Pirkê Avot: “Moshê kibel Torá Missinay” - Moshê recebeu a Torá no Sinai. O mefaresh Rabi Ovadyá Mibartenura questiona por que o Pirkê Avot inicia com esta introdução, e nos explica: Toda esta massêchet (tratado) aborda questões do comportamento moral e ético. Poderíamos pensar que, da mesma forma que os outros povos adotaram leis referentes ao comportamento moral e ético ditadas pelos seus sábios, assim também o Povo Judeu adotou certos comportamentos ditados pelos chachamim. Porém, a Mishná vem nos ensinar com esta pequena introdução que estes ensinamentos não foram ditados pelos chachamim, mas sim por D’us Todo-Poderoso a Moshê no Monte Sinai.
Encontramos a segunda explicação do porquê de a Parashat Mishpatim vir logo após a Parashat Yitrô no Ramban e no Sforno: já que o último mandamento citado na Parashat Yitrô é o de não cobiçar a casa do próximo, a mulher do próximo e tudo o que se refere ao próximo, foi necessário que a Torá logo em seguida a este décimo mandamento nos esclarecesse quais são os pertences do próximo. Portanto esta parashá, que é dedicada às leis da sociedade, vem logo em seguida ao décimo mandamento. Assim, aprendemos a respeitar o mandamento de “não cobiçarás”.
Sobre o mandamento de não cobiçarás, o Hameiri traz um interessante comentário. Ele explica que os Dez Mandamentos não estão todos juntos em uma tábua, mas sim divididos em duas tábuas, porque há uma ligação direta entre os mandamentos da primeira tábua e os da segunda: O primeiro com o sexto, o segundo com o sétimo e assim sucessivamente. Sobre a ligação entre o quinto (respeitarás teu pai e tua mãe) e o décimo (não cobiçarás) ele diz o seguinte: Da mesma forma que não há a menor possibilidade que alguém deseje que seus pais sejam outros (mesmo que esteja descontente com os seus) por ser um fato imutável, devemos nos convencer, desta mesma forma, que os pertences do próximo a ele pertencem e não devemos cobiçá-los.
Outro importante comentário a este respeito é o do Ibn Ezra, que responde à seguinte questão: Como pode ser possível que alguém não cobice algo que é bonito e agradável aos seus olhos?
O Ibn Ezra explica que um camponês sabe que não adianta cobiçar a filha do rei, por mais bonita que ela seja, pois o rei não lhe dará a permissão para casar-se com ela. Da mesma forma, nós não temos permissão de cobiçar os bens alheios. Devemos estar cientes de que os bens de uma pessoa são uma dádiva Divina e de que não depende de nós esta posse.
Desta forma, se nos compenetrarmos que a esposa e os bens do próximo nos foram proibidos pelo Todo-Poderoso, passaremos a ser mais nobres aos olhos de D’us do que a filha do rei aos olhos do camponês. Conscientizando-nos de que não é nossa inteligência ou capacidade que nos fará alcançar algo que não seja da vontade do Todo-Poderoso, estaremos felizes e conformados com o que temos. Também passaremos a ter uma fé mais forte em nosso Criador, que nos verá com bons olhos e nos dará aquilo que nos for necessário.