Isso mesmo. Meu nome é simplesmente: Avraham.
Realmente, é um nome muito comum. Mas logo logo você entenderá que este nome que me deram quando “entrei no pacto de Avraham Avínu” com oito dias de vida, tem algo importante a ver com aquilo que quero contar.
Meu nome inicia com a letra álef. Em seguida vem a letra bêt. E estas são as primeiras letras do nosso alfabeto. Você pode perguntar: “E daí?...”
Eu também não tinha reparado nisso até que nos mudamos para esta casa nova. Isso ocorreu há cerca de um ano e meio. Esperamos impacientes meio ano até que nosso nome, com o novo endereço, constasse finalmente na lista telefônica. Não imaginávamos que dor de cabeça isso nos causaria...
Na nossa rua moram mais alguns judeus cujos sobrenomes também são Levi, como o nosso. Sem conhecê-los, descobri - por telefone - quais são as suas ocupações. Descobri mais coisas também - de uma forma no mínimo estranha.
Uma certa noite eu estava ocupado conferindo umas contas enormes. De repente tocou o telefone. Interrompi meus extensos cálculos bem no meio e atendi o telefone. Do outro lado alguém perguntou: “Por favor, aí é da residência da família Levi?” Eu mal confirmei e o sujeito começou a falar ininterruptamente sobre uns assuntos referentes a congeladores. Imediatamente entendi que ele gostaria de estar falando com algum outro Levi. Eu queria desligar, mas isso não seria nada educado. Passou-se mais de um minuto até que consegui interrompê-lo e convencê-lo de que falava com a pessoa errada.
No dia seguinte, recebi o telefonema de uma senhora. Depois de perguntar se aqui morava a família Levi, ela sugeriu um rapaz para ser o noivo de minha filha. O único problema é que minha filha ainda está na sexta série e ainda tem muito chão pela frente... Foi difícil convencê-la de que ela discara o número errado. “O que você está querendo dizer?!” Perguntou ela num tom agressivo. “Eu peguei seu número na lista telefônica! Você é o Levi da Rua Senzol, não é?” Com muito custo consegui convencê-la de que nessa rua moram algumas famílias Levi. E para meu azar, o nome “Avraham” aparece na lista antes de Chayim, antes de Moshê e bem antes de Shaul!
Vocês estão entendendo o que ocorre? Todo aquele que procura um Levi na rua Senzol, encontra primeiro o meu nome e, com muita determinação, disca meu número.
Sextas-feiras à tarde, por exemplo, recebo ligações perguntando se sou o “senhor Levi, o escrivão do tribunal”. Ainda não consegui descobrir por que justo na sexta-feira à tarde é hora de procurar escrivões de tribunais, mas posso lhes garantir que isso me atrapalha demais nos preparativos para o Shabat.
Um belo dia chegaram até a me agredir verbalmente pelo telefone, reclamando de uma certa geladeira que fora encomendada e que ainda não tinha sido entregue, apesar de ter sido paga há muito tempo. Todos os meus argumentos de nada valeram. O sujeito do outro lado da linha achou que eu estava me esquivando com mentiras. Aquele indivíduo me amolou várias vezes por telefone. Pelo jeito, agora ele já deve ter recebido a sua geladeira...
Dessa maneira, ampliei o meu conhecimento a respeito dos moradores das famílias Levi que moram na minha rua: um vende geladeiras, outro é escrivão no tribunal e o terceiro tem uma filha que já atingiu a idade de se casar.
Esse conhecimento aumentou mais ainda quando uma senhora me ligou perguntando se aqui era da casa dos Levi e pediu para falar com a Tuti. Eu disse que aqui não morava nenhuma Tuti, e já ia desligar quando ela gritou: “Um momento! Ouça bem, meu senhor. Estou num telefone público e acabei de colocar minha última ficha. Faça-me um favor, é muito importante, mande alguém chamar a Tuti imediatamente.” Espantei-me da ousadia da mulher. “Minha senhora”, eu disse, “moro no número 500, e o Levi mais próximo mora no 727. E eu nem mesmo sei se lá mora alguma Tuti! Estou sozinho em casa, de chinelos e não conheço essa tal de Tuti; por favor, seja razoável!” A mulher não acreditou em mim e disse: “Seu sem vergonha!” Em seguida, bateu o telefone na minha cara.
Cada um dos outros três Levis que moram na minha rua tem filhos e filhas. E eles têm amigos e amigas que gostam de conversar durante todas as horas do dia. O número de chamadas telefônicas em casa é incontável! Isso acontece quando estamos fritando uma omelete ou quando estamos descansando numa poltrona. Durante cálculos extensos que exigem grande concentração ou enquanto lavamos a louça e estamos com as mãos ensaboadas.
Minha esposa e eu por vezes saímos do sério. Quando precisamos descansar, gostaríamos realmente de desconectar o telefone da tomada, mas ficamos receosos que justo então poderia ligar a vizinha velhinha pedindo ajuda. Pensamos em pedir que retirem nosso nome da lista telefônica, mas isso só traria benefícios daqui há alguns anos, quando todas as listas tivessem sido recolhidas ou se estragassem.
Ontem aconteceu algo deveras inusitado: não houve nenhum telefonema por engano em casa. Tive tempo de pensar no assunto. Deixei minha imaginação solta e pensei com meus botões:
“Imagine se não fosse eu, Avraham Levi, quem morasse nesta casa, mas sim o Rabino Yisrael Salanter. Sim, o Rabino Salanter, o mestre do mussar. Como ele atenderia a todos esses telefonemas por engano? Com certeza ele não bateria o telefone com raiva. Isso até mesmo nós não fazemos. Ele, com certeza, explicaria ao interlocutor com calma e paciência o seu engano. E faria isso com a mesma paciência até mesmo no décimo telefonema daquele dia.”
Fiquei pensando dessa forma por alguns momentos. Mas depois voltei atrás no meu pensamento. Não, isso não combina com ele. Ele faria algo totalmente diferente. Ele se dirigiria às famílias Levi da rua e tomaria nota de todos os membros das famílias com os respectivos números telefônicos ao lado de cada um. Assim ele poderia ser útil àqueles que ligassem por engano. Até no caso da Tuti, ele anotaria o recado para posteriormente entregar a ela.
Minha imaginação levou-me à época de Avraham Avínu. Imaginei um viajante passando por sua tenda e perguntando: “Com licença, aqui mora o Mamrê?” Outra pessoa ficaria furiosa por interromperem-na no meio do seu estudo. Mas o que você acha que Avraham faria? Ele atenderia correndo e diria simpaticamente que Mamrê mora do outro lado do monte. Ofereceria uma bebida, descanso e depois se proporia a acompanhá-lo até o monte para indicar o caminho. Assim foi Avraham Avínu, que ensinou seus filhos como recepcionar e praticar bondade e justiça.
Envergonhei-me.
Um ano inteiro fiquei fervilhando de raiva e procurando descobrir como me livrar deste “centro de informações” no qual fui envolvido sem aviso prévio e sem ser consultado. Como não passou pela minha cabeça que coube a mim uma função ímpar de ser prestativo para as pessoas e, ao mesmo tempo, a oportunidade de autoeducar-me nas virtudes da paciência, de ter um bom coração, ajudar o próximo e ser simpático com todos?