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Por Trás das Máscaras

R. Elie Bahbout

Comemorando II

Refletindo sobre acontecimentos relacionados com Purim, percebemos alguns fatos que necessitam maior análise:

1) O rei Achashverosh não pôde cancelar o decreto da exterminação dos judeus, e por isto determinou ser permitido aos judeus se prepararem para a guerra. Todos os eventos e milagres que ocorreram até a queda de Haman e a ascensão de Mordechay não foram suficientes para inibir o extremo perigo iminente. Ainda estava em vigor o decreto do rei de que em todos os países devia-se guerrear contra os judeus, até a exterminação completa, chás vechalila.

Somente graças a um novo milagre, o de que todos os povos foram tomados por um grande temor pelo povo judeu, os judeus venceram a guerra.

Este fato desperta curiosidade: por que D’us não fez, simplesmente, com que Achashverosh abolisse o decreto anterior? Isso com certeza não era impossível para o Todo-Poderoso!

2) Diz a Meguilá (8:17): “E em todo país e país e em toda cidade e cidade, lugar onde a palavra do rei e seu decreto (ou seja, o decreto que permitia aos judeus se defenderem) chegava, havia alegria e júbilo para os judeus, banquete e dia de festa”.

Por que os judeus ficaram tão felizes por poderem se defender a ponto de festejarem? Pelas leis da natureza, mesmo com essa permissão, não seria possível que conseguissem se salvar! Exemplificando a questão: se os Estados Unidos decretassem o extermínio absoluto de um pequeno povo, inteiramente civil e espalhado pelo território americano, mas determinassem que a autodefesa seria permitida pela lei, será que este povo se sentiria aliviado e organizaria refeições festivas?

3) O Todo-Poderoso provocou uma sucessão de acontecimentos e “coincidências” para que Haman levasse Mordechay honradamente desfilar no cavalo real. Qual foi a necessidade deste evento? Certamente Mordechay preferiria abster-se deste episódio, pois os justos procuram fugir das honrarias!

Dizem nossos sábios no tratado de Chulin (139b) que a Torá faz alusão oculta a “Ester” no versículo em Devarim (31:18): “E Eu (D’us) esconderei (“haster astir”) Minha face naquele dia.” Depois da destruição do Primeiro Templo (época do episódio de Purim) o Criador começou a ocultar mais Sua influência sobre o Mundo. Esta conduta foi resultado dos pecados do Povo de Israel. Pecados causam uma incompatibilidade espiritual do povo com a Revelação clara da Providência Divina neste mundo. Este ocultamento significa que, embora D’us controle o mundo, o ser humano não é capaz de perceber claramente Seu controle. Aos olhos das pessoas, parece que o mundo tem uma existência autônoma.

No entanto, mesmo nas épocas de “hester panim” (ocultamento da face), D’us “conversa” com o Povo Judeu de forma oculta, indireta. Quando o rei Achashverosh resolveu dar a Haman seu anel, para que Haman pudesse decretar o que bem entendesse em nome do rei, isto demonstrou para o Povo de Israel que D’us estava insatisfeito com sua conduta. Como disse Shelomô Hamêlech (Mishlê 21:1): “O coração do rei está na mão de D’us”. Ou seja, D’us usa os reis como “marionetes” conforme Seu desejo, e revela mensagens para o povo por meio das atitudes deles. Por exemplo, quando a assimilação de judeus chegou ao auge na história judaica de então, na Europa pré-guerra mundial, Hitler decretou (15 de setembro de 1935, em Nuremberg) que seria proibido aos judeus casarem-se com não judias.

D’us “conversa” com Seu povo por meio das cordas vocais dos inimigos de Israel. Por isto, explica o Zôhar que, em todo lugar que a Meguilá quer fazer referência a D’us, faz por intermédio da palavra “Rei”, pois é por meio do rei Achashverosh que pode-se reconhecer os caminhos do Rei dos reis. Este é também o motivo do costume de fantasiar-se em Purim, pois D’us Se ocultou por trás de “máscaras”.

Devemos notar que as atitudes de D’us não são ocultas totalmente - esse é o motivo das “máscaras” em vez de “escuridão”. Ou seja, é possível perceber a Sua atuação, só não fica claro Quem se oculta por trás das ações sistemáticas que conseguimos perceber.

Na época de Haman, o Povo de Israel, por meio da ajuda de Mordechay e Ester, entendeu corretamente a “mensagem” oculta por trás da decisão de Achashverosh. Eles não consideraram as más notícias como um “acaso”, mas sim como a mão Divina. Imediatamente reuniram-se para rezar e jejuar durante três dias, juntamente com um sincero esforço de teshuvá (arrependimento e retorno ao caminho correto). Fizeram isso ao ponto de receberem sobre si o jugo da Torá com um sincero amor a D’us (tratado de Shabat 88a).

D’us aceitou o arrependimento dos judeus. Assim, procurou transmitir esta mensagem a eles fazendo com que Haman puxasse Mordechay no cavalo real. Enquanto Haman levava Mordechay pelas ruas da cidade, ele anunciava a todos que “este é o homem que o ‘Rei’ (ou seja, o Rei dos reis) aprecia”. A honra para Mordechay e o desprezo para Haman não foi um fato histórico casual, mas sim a vontade do Criador, anunciando que começaria a queda dos inimigos e a ascensão dos judeus. O rei Achashverosh também deu o seu anel para Mordechay. Isto demonstrou que o controle passava para a mão dos judeus.

Entendemos, assim, por que o Todo-Poderoso fez com que Achashverosh não pudesse cancelar o decreto de exterminação, mas tão somente permitisse a autodefesa dos judeus. Tendo em vista que os judeus tinham entendido as “mensagens Divinas ocultas” (não consideraram os eventos como um acaso e fizeram teshuvá), eles agora eram merecedores de que D’us se conduzisse de uma forma mais revelada, retirando um pouco as “máscaras”. Ou seja, os judeus se aproximaram do nível espiritual perdido por seus antepassados, para os quais D’us afirmara (Shemot 14:14): “D’us guerreará por vocês - e vocês permaneçam em silêncio (sossegados)”.

Apesar de que, até então, os milagres de Purim tinham sido ocultos pela máscara de eventos aparentemente ocasionais, os judeus alcançaram o mérito de a vitória final acontecer acima das leis da natureza. A vitória não foi um simples cancelamento do decreto por meio de uma pressão política de Mordechay ou da rainha. Isto seria mais um milagre oculto. Em vez disto, todos os povos e exércitos do rei Achashverosh foram tomados por um enorme temor do pequeno Povo Judeu, de forma a não serem capazes de cumprir as ordens reais (a exterminação, ainda em vigor). Além disso, os inimigos caíram nas mãos de um povo sem treinamento militar ou armas.

Podemos entender, também, por que os judeus festejaram a notícia de poderem se preparar para a guerra. Eles compreenderam bem o significado da mensagem oculta: D’us aceitara sua teshuvá, e trataria de salvá-los de forma claramente milagrosa.

Pouco tempo depois do episódio de Purim, o Bêt Hamicdash foi reconstruído. O Povo de Israel voltara, relativamente, ao nível de enxergar a influência Divina de forma clara, como nos milagres diários que ocorriam anteriormente no Bêt Hamicdash. Eles souberam perceber corretamente Quem se oculta por trás das máscaras. Então, tornaram-se merecedores de uma nova aproximação com D’us de forma mais revelada.

Que seja a vontade do Criador que possamos, nós também, perceber e entender os passos Divinos ocultos nos “acasos” de nossas vidas, e assim nos tornarmos merecedores de uma conduta Sua mais revelada, amen sela.