Matérias >> Edição 173 >> Visão Judaica I

Lições das Oferendas dos Chefes

Rabino I. Dichi

Três Lições dos Chefes das Tribos de Israel: como encarar o dinheiro, merecer longevidade e ser verdadeiramente honrado.

“Vocês Honraram Um ao Outro”

Na inauguração do Mishcan (Tabernáculo), cada um dos chefes das tribos do Povo de Israel ofereceu, em dias separados, uma oferenda. Sobre isso, escreve o Rashi em nome de nossos sábios (Bamidbar Rabá 14:26):

“O que vem ensinar a referência ‘dos chefes de Israel’? Que eles se voluntariaram por si próprios e que a oferenda de todos eles foi igual: igual era seu comprimento, sua largura e seu peso, e nenhum deles ofereceu mais que o outro. Se um deles tivesse oferecido mais que o outro, nenhuma dessas oferendas poderia ser feita no Shabat. Pois o Eterno disse a eles: ‘Vocês honraram um ao outro e eu honrarei vocês, de modo que vocês poderão fazer a oferenda no meu dia de Shabat, para que não haja uma pausa entre suas oferendas’”.

Diversos assuntos foram aprendidos neste episódio pelos sábios de todas as gerações. Trataremos de três destes assuntos nesta oportunidade.

A Importância do Desprendimento Quanto ao Dinheiro

Desprendimento monetário significa a prontidão de abrir mão do dinheiro em prol de uma meta elevada, de boa vontade e sem expectativa de lucros. Quando uma pessoa o faz, demonstra que a meta pela qual está atuando é mais importante para ela que seu dinheiro. Com isso, ela enraíza em sua alma a grandeza dos valores espirituais e sua predominância sobre as posses materiais.

Os chefes das tribos apresentaram suas oferendas de seu próprio bolso, destacando-se nesta característica.

Muitos são os que tropeçam em relação a isto, preferindo sua fortuna a aquisições espirituais. Sobre isso, o Messilat Yesharim escreve (no capítulo 11):

“Eis que a cobiça por dinheiro é o que o encarcera (o indivíduo) na reclusão do mundo e coloca o jugo do esforço e da ocupação em seus braços, conforme está escrito: ‘aquele que ama o dinheiro não se satisfará com dinheiro’. É a cobiça pelo dinheiro que o retira do serviço (Divino), pois eis que quantas orações são perdidas, quantos preceitos são esquecidos por haver tanta ocupação e preocupações com o volume da mercadoria! Quanto mais isso é verdadeiro em relação ao estudo da Torá!”.

Na continuação do mesmo capítulo consta o seguinte: “ela (a cobiça por dinheiro) faz com que se transgrida, muitas vezes, os preceitos da Torá - e mesmo as leis lógicas naturais”.

De suas palavras aprendemos o quanto a ambição pelo dinheiro atrapalha todo o modo de vida do indivíduo, atingindo principalmente seu serviço Divino. O estudo da Torá, as orações e muitos preceitos podem ser prejudicados pelo desejo constante de expandir os negócios.

Isto é perceptível analisando o dia-a-dia da sociedade. Muitos são os que estão completamente envolvidos, dos pés à cabeça, em assuntos materiais. Não apenas seu tempo é consumido por eles, como também sua mente e seu coração encontram-se enclausurados, sendo muito difícil afastar-se desse modo de vida e dedicar-se ao objetivo fundamental do ser humano - a espiritualidade.

Essas pessoas fazem dos meios um objetivo. Em vez de as posses materiais auxiliarem no alcance do verdadeiro alvo, que é o serviço Divino, elas se transformam em uma meta por si só. O indivíduo concentra todos os seus pensamentos, sua fala e seus atos na aquisição de conforto, proveito e prazeres materiais. Assim, ele perde completamente o controle de sua vida.

O teste implícito nisso não é de modo algum fácil. O Messilat Yesharim escreve que o afastamento da cobiça constitui um nível sublime da alma:

“Assim como a cobiça por dinheiro é muito grande, ela levanta muitos empecilhos. Para que o indivíduo seja realmente isento deles, é necessário que pratique uma grande análise intelectual e tenha muito cuidado. Se ele estiver livre disso (da cobiça), saiba que já chegou a um nível elevado. Muitos chegaram à (virtude de) piedade em muitos ramos dela mas, no tocante ao ódio pela cobiça, não conseguiram atingir a perfeição”.

Muitos são os que conseguem atingir altos níveis de perfeição em diversos campos do serviço Divino. Neste, porém, isso é muito difícil.

Os chefes das tribos, que trouxeram de sua própria vontade uma oferenda extremamente cara, mostraram que se deve dar primazia à espiritualidade. Que se deve preferir o que leva ao amor a D’us e não a riqueza. Deles se aprende a separar uma parte considerável dos bens para a caridade, bondade e à honra dos Céus.

Um Recurso para Atingir a Longevidade

Nossos sábios falam, em diversos lugares, da enorme importância do altruísmo em relação ao dinheiro e da extraordinária bênção que o segue.

Assim, consta no Talmud (Massêchet Meguilá 28a):

“Perguntaram os alunos de Rabi Nechunyá ben Hacanê: Pelo que teve (o senhor) o mérito de ter uma vida longa? Respondeu a eles: Nunca me honrei com base na vergonha de meu companheiro; não subiu à minha cama a maldição de meu amigo, e indulgente com meu dinheiro eu fui... Pois falou Mar: Iyov era indulgente com seu dinheiro, pois deixava uma moeda para o padeiro junto com o dinheiro”. Toda essa passagem é explicada pelo Maharshá no primeiro capítulo de Massêchet Bavá Batrá.

No livro de Iyov está escrito que ele viveu muito bem por longos anos após haver sobrepujado os testes que D’us lhe impôs: “E viveu Iyov, depois disso, cento e quarenta anos. Viu seus filhos e os filhos de seus filhos; quatro gerações. Faleceu Iyov idoso e satisfeito de anos”. A longevidade de Iyov aconteceu, entre outros, por sua indulgência quanto ao dinheiro. Por isso, Rabi Nechunyá ben Hacanê respondeu que um dos motivos de sua longevidade foi ter sido indulgente com seu dinheiro.

No mesmo trecho consta que Rabi Akiva perguntou a Rabi Nechunyá Hagadol por qual mérito ele viveu tanto tempo. Rabi Nechunyá também respondeu que foi por esta característica.

É difícil apontar exatamente qual é o verdadeiro elo entre a indulgência e a longevidade. De um modo geral, parece que a primeira é capaz de servir como parâmetro para a direção na qual se inclina a alma do indivíduo e quais são os valores que lhe são realmente relevantes.

Aquele que abre mão de seu dinheiro demonstra que a espiritualidade é o principal em sua vida. A alguém assim, D’us concede a possibilidade de continuar a vida, levá-la a um elevado grau de plenitude, aproximar-se de D’us e transformar-se em um ente espiritual.

Em Massêchet Avodá Zará (18) consta que Rabi Yossi ben Kismá falou a Rabi Chaniná ben Teradyon: “Seja minha parte de sua parte e meu destino de seu destino”. Rashi explica que o motivo que Rabi Yossi desejou ter o mesmo destino de Rabi Chaniná era o fato de este ser indulgente quanto a seu dinheiro. Isso ficou evidente com o episódio do dinheiro que Rabi Chaniná deu para os pobres em Purim, o qual tinha se misturado com outras moedas de tsedacá.

D’us auxilia os que agem em prol dos preceitos da Torá; concede-lhes longevidade e permite a eles que cheguem à meta desejada da vida.

A Importância de Honrar o Próximo

Uma segunda lição deste episódio se aprende do fato de os chefes das tribos terem tomado cuidado para um não oferecer mais que o outro.

No capítulo 20, que trata sobre a virtude de “chassidut” (devoção), o Messilat Yesharim diz o seguinte:

“Não se deve julgar elementos de chassidut à primeira vista. É necessário analisar e refletir até onde chegam as consequências do ato que se pretende fazer. Isso porque, às vezes, o próprio ato parece bom mas, uma vez que suas consequências são ruins, é necessário evitá-lo. Caso realize o ato nessas condições, será um pecador e não um piedoso”.

O Messilat Yesharim continua:

“Veja (por exemplo): é óbvio que é apropriado a cada indivíduo que se apresse e corra para executar um ato de mitsvá, esforçando-se por ser um dos primeiros a tratarem dele. Porém, às vezes, por isso podem acontecer discussões, sendo que o preceito mais será desprezado e o Nome de D’us mais profanado do que honrado. Nestes casos, certamente o piedoso deve abandonar este preceito e não correr atrás dele”.

Em outro trecho o Messilat Yesharim diz algo semelhante: “...tudo isso em relação a agir com um acréscimo de piedade. Se caso o piedoso fizer isso perante as massas e os demais o desprezarem e zombarem dele, eles (os zombadores) se tornarão pecadores e serão castigados por causa do piedoso. Nestes casos o piedoso podia deixar de praticar o acréscimo de piedade, por não se tratarem de obrigações totais. Eis que, sobre algo assim, é certamente mais correto que o piedoso desista de agir”.

É apropriado frisar que, no tocante a preceitos e proibições obrigatórios, estes constituem deveres impostos a todos. Nesses casos deve-se empreender todo o esforço possível para que sejam cumpridos, sem que se pese “o que dirão os outros”. A ordem Divina é o único fator que conta nestas oportunidades.

No entanto, há muitos assuntos que não são obrigatórios, constituindo níveis elevados de piedade e de serviço Divino. Nesse campo, valem as palavras do Messilat Yesharim: que o indivíduo deve analisar bem quais serão as consequências de seus atos.

Há vezes nas quais a intenção é positiva, mas a consequência não é. O resultado pode levar ao escárnio das criaturas, a desavenças ou ao desprezo da Honra dos Céus, chás veshalom, entre outros. Nestes casos, é preferível deixar de agir. Isso está incluso nas características da importante virtude de “chassidut”, à qual o Messilat Yesharim dedica uma explicação abrangente.

Os chefes almejaram doar para a inauguração do Mishcan e, para isso, ofereceram generosamente uma grande quantia de dinheiro, conforme explicado anteriormente. Junto com isso, eles tomaram muito cuidado para que outros não fossem atingidos por seus bons atos e que não despertassem inveja.

Todos doaram uniformemente. Desse modo, com seus atos incrementaram a amizade e a união. Conforme diz o Midrash: “os chefes cuidaram para não oferecer um mais que o outro”.

“Pedem Permissão Um ao Outro”

O profeta Yesha’yáhu, no capítulo 6, descreve como os anjos santificam o nome de D’us: “e chamou um ao outro e disse: ‘Santo, Santo, Santo é o Eterno, D’us das hostes’, e assim por diante.”

Sobre isso Rashi explica: “(Os anjos) pedem permissão um do outro, para que um não se antecipe ao outro e mereça ser queimado. Em vez disso, começam todos juntos. É isso que foi instituído para ser recitado na oração de ‘Yotser Ôr’: ‘Santidade todos, como um só, respondem e falam com temor’”. Aprende-se daqui a importância de todos começarem juntos, a ponto de que aquele que não o faz merece ser duramente castigado.

Isso é explicado também no Tossafot (sobre Chaguigá 13b): “‘novos para as manhãs’ - (essa expressão significa que o Eterno) cria anjos a cada dia; eles entoam uma canção e são exterminados, conforme é trazido em seguida. Isso porque há um sinal entre os anjos fixos, que esperam um ao outro para entoarem a canção; enquanto que esses novos não sabem disso, apressam-se para cantar e merecem perecer”.

Tudo isso demonstra a necessidade de servir a D’us simultaneamente e com união. Os chefes das tribos agiram assim. Eles se esforçaram para não se sobressaírem em relação a seus colegas, trazendo suas oferendas com a mesma medida.

“Engrandeçam ao Eterno Comigo”

Consta em Massêchet Berachot (45): “Disse Rabi Chanan bar Aba: de onde aprendemos que aquele que responde amen não deve elevar sua voz mais alto que o que recita a bênção? A respeito disso está escrito: ‘engrandeçam ao Eterno comigo e elevemos Seu Nome conjuntamente’. Escreve sobre isso o Meiri (acerca de Massêchet Nazir 66b): “pois, às vezes, o que ouve faz mais cavaná (intenção) do que aquele que abençoa”.

Explica o Rav Chayim Efráyim Zaitchik em seu livro Col Tsofáyich (Parashat Yitrô): “Pois, uma vez que eleva sua voz mais do que aquele que abençoou, demonstra sua exaltação, emoção e agradecimento a D’us. Desta forma, é como se ele procurasse mostrar sua vantagem e seu maior sentimento, comparado àquele que abençoa. Aquele que faz isso, como que diminui e apaga a luz e a voz da discreta oração de seu companheiro. Às vezes, isso acontece também com seus mestres, demonstrando como ele está mais exaltado ou mais emocionado que eles”.

Isso nos ensina que, juntamente com o serviço Divino, é imposto a cada um de nós não se colocar acima dos outros. É um dever também conceder aos semelhantes a oportunidade de eles se expressarem, avançarem e terem êxito em seu campo de trabalho. É importante deixar que cada um possa servir a D’us, para que o Eterno tenha satisfação de todo o Povo de Israel.

Nisto destacaram-se os chefes das tribos, que demonstraram o bom caminho a todos os que vieram depois deles.

Qual É a Verdadeira Honra?

Um terceiro ponto é aprendido do fato de D’us ter honrado os chefes e permitido a eles que trouxessem suas oferendas até mesmo no dia de Shabat - para que não houvesse uma pausa entre as oferendas.

Consta em Shemot Rabá (parashá 8, 1): “Por que o Criador é chamado de ‘Rei da Honra’? Porque ele honra aqueles que O temem. Assim nos ensinaram nossos sábios: ‘Quem é o honrado? Aquele que honra as criaturas’”.

À primeira vista, a lição aqui contida é oposta ao que é geralmente aceito - que o honrado é aquele que recebe honrarias dos outros. Nossos sábios enfatizam o contrário: o honrado é justamente aquele que honra os demais.

O fato de honrar os outros demonstra que o indivíduo é interiormente honrado e possui uma importância própria, o que reflete exteriormente. O fato de ele ser honrado pelos outros, no entanto, não necessariamente demonstra isso. Sendo assim, D’us - Que possui a mais elevada honra interior - honra os outros.

Se cada um dos chefes procurasse trazer mais que o outro, ele não chegaria à meta almejada, não receberia honrarias por parte de D’us e sua oferenda não poderia ser trazida no Shabat. Foi justamente o fato de cada um abrir espaço para que o outro pudesse servir ao Criador, que trouxe a eles a honra.

Deles aprendemos a respeitar os outros, auxiliar e honrar cada membro do Povo de Israel, para sermos realmente considerados honrados.

do livro “A Fonte da Vida”