Matérias >> Edição 173 >> Visão Judaica II

A Torá Só Pode Ser Divina

R. I. Betech

Analisando racionalmente a mitsvá de shemitá, percebemos claramente a origem Divina da Torá.

Baruch Hashem, estamos numa época em que vemos como se cumpre a passagem que relata como Hashem há de mandar uma fome sobre a Terra, mas não uma fome de pão nem uma sede de água, mas de escutar as palavras de D’us.

No início de Parashat Behar, consta na Torá: “Vaydaber Hashem el Moshê Behar Sinay lemor” - E falou o Eterno a Moshê no Monte Sinai, dizendo... Surge imediatamente a seguinte pergunta clássica: É frequente a Torá usar a expressão: “E disse o Eterno a Moshê, dizendo”. Por que neste caso estão acrescentadas as palavras “Behar Sinay”? Qual a relação existente entre Behar Sinay e o assunto a ser tratado a seguir - o tema do ano sabático? Afinal, se toda a Torá foi outorgada no Monte Sinai, por que somente aqui isso é citado?

Uma das respostas para esta questão é explicada pelo Chatam Sofer zt”l: Com esta frase a Torá quer nos dizer o seguinte: Se você observar o conteúdo da passagem que segue, que trata sobre o ano sabático, ou seja, o mandamento de deixar a terra descansar no sétimo ano (assim como descansamos no sétimo dia), então se dará conta de que a Torá foi verdadeiramente outorgada no Har Sinay. Não terá margem de engano, conforme acreditam algumas pessoas carentes de conhecimentos profundos do judaísmo. Essas pessoas, influenciadas por ideologias de outros povos, julgam a Torá de forma superficial e crêem que ela foi, chas veshalom, dada por um ser humano, escrita em diferentes épocas por diferentes pessoas.

Ou seja: somente D’us poderia ter dado a Torá a Moshê no Har Sinay. Prova disto é a passagem que segue e por isso a introdução cita “Behar Sinay”.

O tema tratado fala da mitsvá de shemitá: “Seis anos semearás teu campo e seis anos podarás tua vinha, e recolherás o seu produto. E no sétimo ano, Shabat de descanso será para a terra, Shabat em nome do Eterno. Teu campo não semearás e tua vinha não podarás...”. No sétimo ano a terra deve ser consagrada para o Eterno, sem ser lavrada e sem que nela sejam praticados outros tipo de atividades agrícolas.

Analisando esta passagem, surge uma questão óbvia. Vejamos: A Torá ordena que todo o Povo de Israel, durante um ano e em todo o território de Êrets Yisrael deve se abster simultaneamente de trabalhar a terra. Quem sabe, segundo os conceitos modernos, isto seja algo tolerável, mas na antiguidade, há 3.300 anos, quando não havia meios para fazer colheitas muito grandes e conservar os grãos com facilidade, se um país inteiro durante um ano não lavrasse a terra, seria algo fatal. De que viveriam? O que comeriam?

E a isto o Criador responde logo em seguida, com a passagem: “E se disserdes: ‘O que comeremos no sétimo ano, visto que não haveremos de semear nem recolher para casa o que a terra nos produzir?’ Eu mandarei a Minha bênção para vós, no sexto ano, e produzirás bastante produto para os três anos”.

Esta curta passagem já é prova, por si só, de que a Torá foi outorgada pelo Eterno. Qual ser humano seria capaz de prometer que a cada seis anos, caso cumprissem uma determinada ordem (de não trabalhar no sétimo), a terra daria produto suficiente para três anos?

Mesmo que se quisesse explicar esta promessa como algo lógico, seria impossível. Porque é uma afirmação que não respeita a lógica nem as leis da natureza. Ninguém pode querer justificar tal afirmação dizendo que Moshê foi um grande agrônomo, conhecedor de leis agrícolas e que está aqui revelando algum segredo da natureza, pois, de acordo com a lógica, deveria acontecer algo totalmente contrário à promessa da Torá. A lógica poderia dizer (e é sabido hoje) que a terra necessita reabastecer-se de recursos minerais. Isto pode ocorrer por meio de um descanso ou de uma rotação de cultivos. Através deste raciocínio, a terra geraria melhores produtos no ano posterior ao descanso e não no anterior. A lógica diria que no sexto ano, quando a terra está mais esgotada, o produto não deve ser o melhor. Mas D’us, e somente Ele, pode garantir que no sexto ano enviará um produto triplo, dizendo: “vetsivíti et birchati” - e ordenarei Minha bênção.

Esta bênção seguramente cumpriu-se por centenas de anos, quando a mitsvá tinha sua aplicação original, quando a maior parte do Povo de Israel estava habitando a Terra de Israel. Quando o povo observava o ano sabático, a terra dava um produto adicional no sexto ano.

Quem poderia assegurar, e não somente assegurar, mas cumprir tal promessa, totalmente ilógica, se não o Todo-Poderoso?

Nossos sábios recomendam: “Quem quiser fortalecer sua confiança e segurança no Todo-Poderoso deve dedicar-se às atividades agrícolas”. Isto porque depois de todo o trabalho no campo, ninguém, a não ser o Criador, pode garantir o sucesso. Quando o camponês semeia, desenvolve profundamente o conceito de fé e confiança em Hashem. E a cada seis anos os camponeses viam como esta bênção se cumpria.

Este então é o conceito transmitido pelo Chatam Sofer zt”l: O texto diz: “E falou o Eterno a Moshê no Monte Sinai, dizendo”. Por que neste versículo estão acrescentadas as palavras Behar Sinay? Porque desta passagem facilmente concluímos que a Torá foi dada por D’us no Har Sinay.

Casos recentes

Em nossos dias, esta mitsvá de Shemitá não tem vigência como tal, pois a maioria do Povo de Israel está no exílio e não tem esta obrigação na forma original. Entretanto, por recomendação do Chazon Ish zt”l e de outros grandes sábios, muitos yehudim seguem esforçando-se, apesar das dificuldades, em cuidar do ano sabático até nossos dias.

Atualmente, muitas pessoas, demonstrando fé e confiança no Todo-Poderoso, seguem observando este mandamento. Hoje conhecemos inúmeros relatos de milagres revelados, acontecidos justamente com estas pessoas. Como o caso do grande tsadic Rav Salman Mutsafi, que todos os anos colhia 7 quilos de trigo, a não ser no sexto ano, quando colhia 21 quilos. Este é apenas um fenômeno particular dos tempos modernos, que ocorria com esta grande personalidade, detentora de gigantesca fé no Criador.

É famoso também o caso de um moshav chamado Comemiut, ocorrido na década de 50 em Êrets Yisrael, cujos trabalhadores, seguindo as recomendações do grande sábio Chazon Ish zt”l, depois de passado um ano inteiro de Shemitá sem trabalhar, ainda esperaram para semear somente depois de Sucot (para não trabalhar nem mesmo em chol hamoed). Neste ano, surpreendentemente, as chuvas atrasaram em Êrets Yisrael, de maneira que somente esta colônia agrícola (e quem mais tivesse observado o preceito de shenat shemitá) beneficiou-se com as chuvas.

Muitas outras histórias são comuns a respeito, inclusive no que se trata da ocorrência de pragas nos campos. Eventualmente atingem todos os campos vizinhos mas não afetam os campos que descansaram no ano sabático.

A mitsvá de shemitá e o Shabat

Uma vez que este preceito não se refere aos campos fora da terra de Israel, qual a lição que nos traz a mitsvá de shemitá e as idéias que recém trouxemos?

A correspondência é evidente: “Seis dias trabalharás e no sétimo descansarás”. Estas mesmas idéias de fé e confiança no Todo-Poderoso aplicam-se àqueles que observam o Shabat.

Felizmente, hoje observamos centenas de baalê teshuvá - pessoas distanciadas do judaísmo que decidem começar a observar o Shabat.

Recordo-me que no encerramento de um seminário de fim-de-semana no México, num domingo, ouvi as conclusões de um dos participantes, dono de joalherias, que decidiu não mais abrir seus negócios no Shabat a partir daquela data. Na sexta-feira seguinte, antes do primeiro Shabat que observaria, esta pessoa veio me relatar: “D’us me pagou adiantado. Meus negócios desta semana foram tantos que ultrapassaram o faturamento de uma semana completa, incluindo o sábado.”

Outro participante de um seminário, um engenheiro químico, decidiu que começaria a cumprira a mitsvá de maasser - o dízimo, doando 10% de seu salário para instituições de caridade. Relatou-me que, no dia seguinte à sua decisão, foi chamado por seu chefe para tratar de assunto referente a seu salário. Pensou então que a diretoria da empresa voltara atrás com relação a um aumento de salário cedido 15 dias antes, uma vez que as negociações pelo aumento tinham sido difíceis. Ao contrário do que imaginava, seu chefe comunicou-lhe que a diretoria reconheceu seu valor na empresa e a partir de então lhe concederia um incremento de 10% sobre o salário atual.

Infelizmente, por falta de conhecimento, muitas pessoas que decidem cumprir o Shabat perdem a mitsvá por não conhecerem seus detalhes.

Não é raro, ainda hoje, escutarmos o seguinte argumento: “Em nossos tempos, tempos modernos, o que é mais trabalhoso: subir de escada nove andares ou apertar um botão do elevador? Qual o grande esforço que fazemos ao riscar um fósforo? Pode ser que há muitos anos atrás fosse trabalhoso fazer uma fogueira com duas madeiras ou com pedras, mas hoje...”

Quem se utiliza deste tipo de argumento demonstra falta de conhecimento tanto em Torá como em história da civilização.

Mesmo no Egito, antes da Outorga da Torá, para fazer fogo não se utilizavam pedras ou madeiras. Havia um pequeno aparato semelhante a um isqueiro - uma pequena bolsa de couro - onde se colocavam ervas raladas, uma pedra e um pedaço de metal. Os livros de história da civilização trazem estes dados.

Ou seja, há 3.300 anos, a dificuldade que se enfrentava para fazer fogo era a mesma que experimentamos hoje - mínima.

O que D’us recomendou na Torá é a abstenção de atividades que modificam a natureza. Atividades que demonstram nosso domínio sobre a natureza, e não se trata de esforços físicos.

Seguramente, subir nove andares de escada é mais cansativo do que apertar o botão do elevador, mas isso não vem ao caso.

Existe um conceito que este mundo foi criado com a letra hê. Para esta afirmação existem análises profundas, mas a explicação mais simples é a seguinte: Esta letra é a que menos esforço requer para ser pronunciada. Ou seja, D’us não fez nenhum esforço para criar este mundo. Apenas com “palavras” este mundo foi criado. É absurdo imaginar que depois de tanto esforçar-se durante seis dias, o Todo-Poderoso passou o sábado dormindo! Durante seis dias o Criador esteve modificando a natureza e no sétimo dia suspendeu suas atividades - “shavat” - e dedicou-se a coisas relacionadas com o nêfesh - “vayinafash” - coisas espirituais.

Em lembrança à Criação do Mundo é que observamos o Shabat. O que é proibido não é o que cansa, mas sim, atividades que modificam a natureza. Quando apertamos o botão do elevador, fecha-se um circuito eletrônico que desencadeia processos físico-químicos que alteram a natureza. Subir os andares de um edifício cansa, mas não é uma atividade que modifica de alguma forma a natureza.

O que é então modificar a natureza? D’us definiu isso como sendo 39 atividades - as 39 “melachot”. São estas as atividades proibidas no Shabat.

As leis referentes a estas proibições abrangem inúmeros detalhes e é por isso que a Mishná escreve que quem não estuda e não repassa constantemente tais leis, com certeza tropeçará e transgredirá algum detalhe inadvertidamente. Uma pessoa que não estuda a Torá com regularidade não consegue cumprir de forma satisfatória seus preceitos.

O Trabalho toma muito tempo

É frequente também o seguinte argumento de muitas pessoas que justificam o pouco de tempo que dedicam ao estudo da Torá e às orações com minyan: “Meu trabalho, que proporciona meu sustento, impede-me dedicar mais tempo a estas atividades”. Pensam que por trabalharem mais tempo, comprometendo inclusive horários de estudos, terão maiores lucros.

Isto é ilógico! Não se entende que o Todo-Poderoso, “como castigo” por uma pessoa ter saído mais cedo do trabalho para ir rezar com minyan ou estudar, faça com que ganhe menos. D’us outorgará mais berachá para estes - “vetsivíti et birchati” - e ordenarei Minha bênção.

O que se espera é que as pessoas reforcem sua confiança em D’us e que estejam atentas para observar Sua mão. A mão de Hashem pode ser vista em todas as coisas, mas um dos pontos onde é facilmente constatada é nos assuntos relacionados à parnassá - o sustento.

Talento comercial

Há muitas pessoas que acreditam ter tino comercial e grande capacidade para os negócios. Dizem que utilizando-se da “astúcia” e “talento comercial” para argumentar - que na realidade não passam de mentiras - conseguem melhores negócios. “Este é o melhor tecido da praça”, “você não vai encontrar melhor preço” e outras “mentirinhas” e “jeitinhos”, como trocar etiquetas de roupas, por exemplo, são práticas repudiadas pela Torá. Todo dinheiro ganho com estes tipos de subterfúgios é um dinheiro que, lô alênu, não tem berachá.

“Vetsivíti et birchati” - e ordenarei Minha bênção. A quem D’us ordenará Sua abundância? A quem mente nos negócios? A quem deixa de estudar Torá para trabalhar mais? A quem, por trabalhar mais, deixa de rezar com minyan? A quem trabalha no Shabat? Definitivamente, não! Esta afirmação cabe àqueles que depositam sua confiança Nele.

Será que é difícil para o Todo-Poderoso fazer com que os vencimentos de quem procede com confiança compensem o tempo que deixa de trabalhar para cumprir mitsvot e estudar Torá?

Há um outro importante conceito sobre a berachá de D’us que esta passagem, referente ao ano sabático, transmite-nos:

Relata a Torá: “E se disserdes ‘O que comeremos no sétimo ano, visto que não havemos de semear nem recolher para casa o que a terra nos produzir?’ Eu mandarei a Minha bênção para vós, no sexto ano, e produzirá bastante produto para os três anos.”

Ou seja, se perguntarem “O que comeremos”, então D’us enviará o triplo. Mas e se não perguntarem? Dizem nossos sábios que se não perguntarem, a terra não dará o triplo do produto. Neste a caso a berachá será diferente. Há vários tipos de berachá. Quem não fizer este tipo de pergunta, por encontrar-se em um nível espiritual ainda mais elevado, receberá uma berachá maior. Apesar de receber aparentemente o mesmo produto da terra, este terá um potencial triplo, ou seja, suficiente para três anos. Esta pessoa não terá tanto trabalho - colher, armazenar e moer mais produto - quanto as outras e o benefício da colheita será o mesmo.

A berachá que cada pessoa recebe depende do nível espiritual em que se encontra. A berachá que receberam o vendedor de jóias e o engenheiro químico são evidentes, mas existe a berachá em um nível superior: quando as pessoas não se dão conta de que estão ganhando mais e mesmo assim o dinheiro rende mais: não são necessários gastos com médicos, com remédios, com consertos de carros, com máquinas quebradas, etc.

Se reforçarmos nossa confiança em Hashem, tratarmos de ver Sua “mão” em todos os momentos e cumprirmos as mitsvot com mais precisão, carinho, entusiasmo e alegria, estudando a Torá com regularidade, seguramente desfrutaremos do prazer de sentir a proximidade do Eterno, de perceber que Ele está conosco em todos os momentos e seremos merecedores da afirmação - “vetsivíti et birchati” - e ordenarei Minha bênção.