Matérias >> Edição 174 >> Visão Judaica II

A Doença do Monóculo

Yochanan David Salomon

Visão Judaica II

Meus queridos netos - disse o vovô Israel - já que vocês querem saber como faleceu a nossa velha tia, vou tentar explicar.

Não é fácil responder o que levou à morte da titia. É necessário conhecê-la um pouco melhor, seus pensamentos e costumes para entender como decaiu seu estado de saúde até causar sua morte.

Titia, que descanse em paz, tinha apenas um olho. Digo, na verdade tinha dois olhos como todos nós, mas uma vista estava muito comprometida. Aparentemente o olho estava bom, mas quase não enxergava nada. No outro olho ela encaixava um monóculo. Vocês não sabem o que é um monóculo? Pois prestem atenção, crianças. Há muito tempo, antes de inventarem os óculos com duas lentes que fica apoiado sobre o nariz, já existiam algumas pessoas com miopia e outras com astigmatismo, mas óculos não havia. Como, então, essas pessoas com vistas defeituosas corrigiam seus problemas? Simples! Uma lente de vidro polida era afixada em um aro de metal que possuía um cabo, no qual se segurava. Esta lente era chamada de monóculo. A pessoa o segurava próximo aos olhos e assim podia ler ou olhar para qualquer lugar.

O problema começava quando sua mão se cansava de ficar para cima. Por isso, inventaram um método para fixar a lente frente aos olhos sem necessitar da ajuda das mãos. Prendiam então o monóculo com os músculos próximos aos olhos, levantando um pouco a bochecha. Assim o monóculo ficava fixo sem a ajuda das mãos. Para evitar que as lentes caíssem no chão espatifando-se, amarrava-se uma das pontas de um pequeno barbante no cabo do monóculo e a outra ponta na camisa.

Realmente a tia tinha uma aparência sui generis quando olhava pelo seu monóculo. A lente dela era de aumento. Dessa maneira, seu olho parecia bem maior. Parecia que conseguia “enxergar” os segredos das pessoas. Mas pelo outro olho ela quase não enxergava, o que nem todos sabiam. Para qualquer pessoa que a visse, parecia que tinha uma visão introspectiva e profunda, enquanto na verdade não conseguia enxergar nada além do ponto ao qual se detia.

Não, não... ela não morreu por causa do monóculo! Aconteceu o seguinte: a tia tinha alguns problemas de saúde. Por causa desses problemas, foi visitar muitos médicos, mas não confiava neles. Até que um dia, a conselho de uma conhecida da mercearia, foi até um curandeiro que a conquistou completamente. Quando ela entrou em sua sala, ele examinou sua unhas e os traços da palma de sua mão. Depois, disse por quais operações ela passou em vida e quando as tinha realizado. A tia quase desmaiou de tanto espanto. Desde então, ela não quis mais ir a nenhum outro médico. Tornou-se uma adepta ferrenha deste curandeiro, e disso ela morreu.

Como? Muito simples. A tia - assim foi confirmado posteriormente - tinha uma úlcera em estado avançado, mas o curandeiro não sabia. Ele dava a ela remédios e mais remédios - dos mais variados - para limpar seu sangue de “venenos”. Ela confiava ao máximo nas recomendações do curandeiro, mas não mencionava sua úlcera. As coisas foram piorando e seu estado agravando-se até vir a falecer, bar minan.

Vocês entendem qual era a verdadeira doença da tia? Era a visão pelo monóculo através de um único olho! Vejam: analogamente ao seu problema físico de enxergar apenas com um olho, ela possuía uma outra “doença”. Teimosamente, resistia em enxergar a verdade. Era uma “doença no cérebro”. Ela não queria abrir o “outro olho”, o do intelecto.

Ela seguiu cegamente aquele curandeiro que se dizia o rei da magia e que tudo podia, só porque ele adivinhou quais foram suas operações. Eu não desacredito essa sua potencialidade e nem sei explicar isso, mas qualquer intelecto sabe que essa força oculta não pode substituir toda a sabedoria da medicina.

Eu acho que D’us deu para a tia dois olhos: um para ver quão grande era a força desse curandeiro e outro para discernir e entender se essa grandeza não era limitada e passageira. Mas a pobre tia somente usava um olho; ela tinha uma visão parcial. Não tentou olhar à sua volta. Essa era sua grave doença que lhe custou caro.

Não pensem vocês que a tia era uma doente rara e singular nessa anomalia! Definitivamente, não. Muitas pessoas passam a vida inteira com um tapa olho no cérebro. Essas pessoas não morrem de úlceras, mas suas almas correm sérios riscos.

Será que alguém entregaria seu carro para ser consertado por uma pessoa que lava o carro de forma excelente? Será que daria para um ótimo poeta redigir um contrato financeiro complexo? Quem tem o cérebro no lugar entende que ser bem dotado numa área, mesmo que espetacularmente, não significa conhecer outras matérias!

Os políticos costumam fazer uso frequentemente da visão de um olho só de seus eleitores. Um cidadão que escolhe seu presidente está, na verdade, deixando em suas mãos a economia do país, a política externa, a administração de toda a máquina governamental, problemas de habitação e saúde. Tudo isso influenciará sua vida: se terá ou não um emprego, qual será seu trabalho, qual será seu salário, etc.

Aqueles que pretendem um cargo de presidente tentam transmitir a aparência de pessoas corretas, limpas e honestas. De pessoas que vivem bem com suas famílias, amam as criaturas e a natureza. Quem se perguntasse o que tem a ver tudo isso com a direção do país, jogaria fora toda a propaganda do candidato. Mas as pesquisas comprovam que esta aparência de família feliz influencia os eleitores, assim como a sua preferência esportiva e seus hábitos alimentares. Tudo isso influi nas pesquisas muito mais do que o plano econômico que o candidato pretende aplicar se empossado presidente.

A doença da tia não é uma doença rara, é uma doença muito frequente. Nós mesmos, às vezes depositamos toda nossa fé em uma pessoa levando em consideração somente sua aparência simpática, enquanto não há nada que ateste que simpatia é sinônimo de capacidade ou honestidade. Uma pessoa simpática merece nossa confiança? Se aparecer alguém ditando uma nova conduta de vida, pode chegar a ter muitos seguidores, principalmente se for carismático, profetizar a alta do dólar ou entortar garfos. Se aprendermos alguma lição com os erros da titia, não faremos parte destes romeiros.