Matérias >> Edição 181 >> Dinheiro em Xeque

O Motorista

Todas as dúvidas e divergências monetárias de nossos dias podem ser encontradas em nossos livros sagrados!

Dinheiro em Xeque

Efráyim era um jovem que recentemente recebera sua carteira de motorista.

Certo dia, ele entrou com seu carro por uma rua estreita. Logo percebeu que, um pouco adiante, havia um caminhão que estava mal estacionado - metade na calçada e metade na rua.

Efráyim parou seu carro no meio da rua e ficou esperando o motorista tirar o caminhão daquela posição, para que ele pudesse passar.

Efráyim buzinou pedindo que o motorista do caminhão tirasse o caminhão da rua. Mas o motorista estava fazendo a descarga de seus produtos e ignorou completamente a solicitação.

Alguns carros começaram a fazer fila atrás do carro de Efráyim.

Efráyim buzinou mais algumas vezes, até que o motorista apareceu e gritou sem muita paciência para Efráyim:

- O que você quer, hein?! Até mesmo um ônibus pode passar por aí! Siga logo em frente, menino!

Efráyim era um motorista sem muita experiência. Entrou em pânico ao escutar os gritos do motorista e as buzinas dos carros que se aglomeravam atrás dele.

Pressionado pela situação, Efrá­yim tentou passar pelo caminho estreito e... Esbarrou no caminhão.

Ao tentar se desvencilhar, acabou amassando ainda mais a lataria do seu carro e do caminhão.

Mais tarde, verificou-se que, de fato, não havia espaço suficiente para que o carro passasse. O choque seria inevitável para qualquer um que tentasse passar.

Agora, cada uma das partes está cobrando o prejuízo da outra.

O motorista do caminhão está cobrando de Efráyim os danos causados ao seu caminhão, dizendo:

- Você não viu que não dava para passar?! Como você tentou fazer algo impossível?!

E o jovem Efráyim responde alegando:

- Mas foi você mesmo que gritou afirmando que dava para passar facilmente! Foi devido à grande pressão, que segui em frente e acabei danificando meu carro! Se você não gritasse para eu passar, eu aguardaria calmamente. E se você tivesse tirado o caminhão conforme eu solicitei, nada disso teria acontecido! Portanto, você é quem deve pagar os prejuízos da lataria amassada em meu automóvel!

Quem está com a razão?

O veredicto

O veredicto deste caso, aparentemente depende do posicionamento e da intenção do motorista do caminhão ao gritar para Efráyim.

1. Se o motorista do caminhão estava longe ao gritar, e afirmou para Efráyim seguir em frente apenas para se livrar da situação, para ganhar mais algum tempo:

Neste caso, Efráyim estaria obrigado a pagar pelos danos causados ao caminhão.

Já que Efráyim é um “ser pensante”, deveria ter percebido que não daria para passar por lá. Ele não deveria ter dado atenção aos gritos do motorista e nem para as buzinas dos carros que estavam atrás dele.

Sendo assim, já que causou uma perda financeira à outra pessoa, estaria obrigado a pagar.

2. Se o motorista do caminhão estava perto do carro e do caminhão, e era perceptível que seus gritos de “siga em frente” eram conscientes:

Neste caso, é plausível dizer que Efráyim está isento de pagar pelos danos causados ao dono do caminhão.

Os gritos do motorista do caminhão seriam uma “autorização” para Efráyim passar pelo vão estreito. Ao gritar “Siga em frente, menino!”, o motorista do caminhão estaria conscientemente dando sua permissão para a passagem do automóvel, apesar dos riscos.

Sendo assim, Efráyim teria agido somente seguindo as instruções do motorista mais experiente.

No Shulchan Aruch (Chôshen Mishpat 306, 6) consta o seguinte caso:

Uma pessoa mostra uma moeda antiga para um comerciante do ramo de moedas. O comerciante afirma que a moeda é boa e que vale a pena adquiri-la. Depois, descobre-se que a moeda era falsa.

A lei neste caso é que o comerciante do ramo está obrigado a pagar pelas perdas causadas na aquisição da moeda, já que o comprador depositou confiança nas suas palavras.

Levando em consideração esta lei, poderíamos tentar aplicá-la no nosso caso também.

Os gritos do motorista poderiam ser entendidos como a seguinte mensagem: “Confie em mim! Siga em frente!”.

Sendo assim, o jovem estaria isento de pagar pelos danos causados ao caminhão.

Mas há uma diferença entre o caso da moeda e o caso do caminhão.

A pessoa que mostrou a moeda ao comerciante não era entendido em moedas. Depositou toda sua confiança no comerciante de moedas, um especialista do ramo.

No caso do motorista, o jovem era portador de uma carteira de motorista. Caberia a ele perceber que o carro não passaria pelo vão estreito. Neste caso, poderíamos dizer que o jovem não deveria ter escutado o “conselho” dos outros.

De qualquer maneira, o Gaon Rav Yitschac Zilberstein Shlita disse que se deve isentar o jovem de pagar os danos causados ao motorista do caminhão. Isto porque se leva em consideração o raciocínio explicado acima de ele ter “danificado com permissão”.

De todos os modos, o motorista do caminhão também está isento de pagar pelos danos causados ao carro do jovem, uma vez que ele pode argumentar que o jovem não estava “obrigado” a escutá-lo e seguir em frente. O jovem recebeu apenas uma “permissão” de seguir, e o fez porque quis.

Do semanário “Guefilte-mail” ([email protected]).

Traduzido de aula ministrada pelo Rav Hagaon Yitschac Zilberstein Shelita

Os esclarecimentos dos casos estudados no Shulchan Aruch Chôshen Mishpat são facilmente mal-entendidos. Qualquer detalhe omitido ou acrescentado pode alterar a sentença para o outro extremo. Estas respostas não devem ser utilizadas na prática sem o parecer de um rabino com grande experiência no assunto.