
Na época do Talmud havia um grande sábio chamado Rav Beroca, que vivia na cidade de Mechozá. Certa vez, ele viajou para a cidade de Bêt Lêfet. Ali havia uma feira, onde os comerciantes negociavam suas mercadorias e os moradores da cidade faziam as compras dos mantimentos que necessitavam. Dentre os frequentadores da feira, encontravam-se também muitos yehudim.
Os yehudim da cidade eram facilmente reconhecidos entre todas as pessoas, pois usavam tsitsiyot nas roupas e sapatos diferentes. Eles não costumavam usar sapatos pretos como as outras pessoas.
Certa manhã, quando Rav Beroca foi para a feira, ficou observando as pessoas que passavam. Conseguiu identificar muitos yehudim, ocupados com seus negócios de compra ou venda, gesticulando, conversando e negociando diversas mercadorias.
Rav Beroca pensou consigo mesmo: “É muito fácil identificar nesta feira os yehudim. Como saber quais dentre eles, com certeza, serão dignos do Mundo Vindouro sem antes passar por punições? São pouquíssimas as pessoas que conseguem este mérito com suas boas ações neste mundo!”
Ele ainda estava entretido com seus pensamentos, quando Eliyáhu Hanavi apareceu ao seu lado. Eliyáhu Hanavi só aparece para pessoas muito especiais como aquele grande sábio.
Rav Beroca imediatamente reconheceu o grande personagem de Benê Yisrael, pois já o havia visto em outra situação. Ficou muito contente ao vê-lo e perguntou: “Por acaso há algum yehudi, dentre todos estes, que certamente merecerão o Mundo Vindouro sem passar antes por punições?
Esta é uma pergunta muito difícil de ser respondida. Mesmo as pessoas muito boas e cumpridoras da vontade de D’us, enquanto estão neste mundo, não têm garantias de ir para o Mundo Vindouro. Mesmo que em determinado momento de suas vidas sejam pessoas justas, pode acontecer alguma coisa que as faça mudar de conduta e perder seus méritos.
Eliyáhu Hanavi olhou ao seu redor e respondeu: “Até agora, não!”
Mas logo em seguida disse: “Espere! Neste exato momento está chegando um homem que certamente merecerá o Mundo Vindouro imediatamente após a sua morte!”
- Quem é este tsadic? - indagou com curiosidade o sábio.
- Veja! - continuou Eliyáhu Hanavi. - É aquele que está amarrando seus sapatos logo ali adiante. Este homem é a pessoa que você está procurando.
Ao identificar o homem apontado por Eliyáhu Hanavi, Rav Beroca ficou surpreso. Ele sabia que é muito importante seguir os costumes dos yehudim no local em que se vive, mesmo que não sejam recomendações da Torá. E aquele homem calçava sapatos pretos. Além do mais, ele não usava tsitsiyot, como todos os outros yehudim.
Rav Beroca queria muito desvendar qual o grande mérito daquela pessoa que nem parecia ser yehudi. Aproximou-se dele e chamou-o. O homem não atendeu ao chamado do rabino e terminou de amarrar seu sapato.
Rav Beroca não se contentou. Aproximou-se ainda mais e perguntou: “Diga-me, qual a sua ocupação? O que você faz na vida?”
Sem dar muita atenção, o homem simplesmente respondeu: “Vá embora e volte amanhã.” Virou e desapareceu na multidão.
Na manhã seguinte, Rav Beroca ficou esperando pelo homem e quando o encontrou e viu que se dirigia a um abrigo isolado da multidão, foi ao seu encontro. Novamente perguntou-lhe: “Agora diga-me: quem é você e qual a sua ocupação?”
- Eu sou yehudi - começou a explicar o homem. - Sou guarda na prisão. Lá também estão presos yehudim. Há homens e mulheres nesta prisão. Eu me preocupo com que as mulheres fiquem separadas dos homens. Quando acontece de alguém querer fazer mal a uma moça yehudiyá, eu me arrisco para salvá-la.
- Você é um bom homem - concluiu Rav Beroca. - Mas, se você é judeu, por que usa sapatos pretos, desrespeitando o costume dos yehudim deste local? E por que você não usa tsitsit?
- É muito simples - respondeu apressadamente o homem. - Eu não posso deixar que saibam que eu sou yehudi, pois não me deixariam salvar as moças yehudiyot. Além do mais, há outro motivo muito importante: eu faço amizade com os guardas da prisão e com outras pessoas. Todos se sentem à vontade ao conversar comigo e comentam sobre seus planos contra os yehudim. Logo que eu fico sabendo de suas más intenções, eu aviso aos chachamim, os sábios da cidade, e eles rezam para que D’us nos salve e tenha piedade de Seu povo. Quando D’us aceita suas preces, os maus decretos são anulados.
- E por que você não me contou isso ontem, quando nos encontramos? - perguntou o sábio.
- Porque justo ontem eu fiquei sabendo de intenções muito ruins que estavam para acontecer com os yehudim e precisava avisar imediatamente os sábios. - O homem terminou suas palavras e apressou-se em partir.
Rav Beroca pensou: “Quão grandes são os atos deste homem! A cada dia ele se expõe ao perigo, salvando as moças na prisão e encontrando-se às escondidas com os sábios de Am Yisrael. Ele faz tudo sem esperar vantagens para si próprio e, com sua diligência ao cumprir a mitsvá de salvar as pessoas, nem se preocupa com seu próprio bem estar!”
Rav Beroca entendeu, então, que este homem certamente teria o Mundo Vindouro, pois é sabido que as pessoas que se preocupam em salvar o próximo e evitar que pequem, o auxílio vem dos Céus para sua própria salvação e para que não incorram em pecados.
Ele ainda estava absorto em seus pensamentos a respeito do guarda da prisão, quando novamente Eliyáhu Hanavi apareceu ao seu lado, dizendo: “Há nas proximidades mais duas pessoas com o mérito que você procura. São estes dois homens que se aproximam!”
O Rav Beroca viu então os homens que vinham em sua direção. Eram dois yehudim de aparência muito simples. Quando estavam bem próximos, o sábio abordou-os: “Por favor, contem-me quem são vocês e o que fazem.”
Com alegria e boa vontade os dois homens explicaram: “Nós somos yehudim. Somos homens muito simples e não fazemos nada muito especial, mas estamos sempre alegres. Nós também alegramos as outras pessoas. Quando encontramos alguém triste ou nervoso, tratamos de entretê-lo e alegrá-lo até que mude seu estado de espírito. Assim, ele também ficará feliz e poderá rezar e estudar Torá. E se nós presenciamos alguma discussão entre duas pessoas, tratamos de reconciliá-las com palavras amenas e bonitas, até que esqueçam o rancor.”
Os dois homens despediram-se educadamente do Rav Beroca e partiram.
Novamente o sábio entendeu por que aquelas pessoas também seriam dignas, com certeza, do Mundo Vindouro. Eles também se preocupavam com o bem-estar dos outros sem se importar com o seu próprio e evitavam com que os outros pecassem. Estavam, portanto, assegurados que os Céus os ajudariam a ficar livres de pecados.