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D. Pedro II

Rachel Stoianoff

O Imperador era mais do que um amigo dos judeus!

Jóias do Maguid

Diz o velho ditado que todos os caminhos levam a Jerusalém. No meu caso, alguns caminhos levaram-me a Petrópolis.

Lendo um artigo sobre a cultura judaica de D. Pedro II, tive conhecimento da existência do Rabino Benjamin Mossé de Avignon na Provença Francesa e fiquei encantada com a grande amizade que eles mantiveram até o fim de suas vidas.

Decidi ir a Petrópolis visitar o Museu Imperial. Muito interessada no que vi, voltei lá três vezes. Resolvi conhecer melhor a cultura judaica de Pedro e o respeito e a admiração que ele tinha pelos judeus. Anotações daqui e dali resultaram neste trabalho.

Uma carta que o rabino Benjamin Mossé dirigiu ao Imperador em 9 de agosto de 1889, enviada juntamente com a biografia “Dom Pedro II, Empereur du Brésil”, fecha com o seguinte parágrafo em estilo muito floreado:

“Uma das mais belas retribuições de minha vida será apresentar, como historiador francês, o maior dos modernos Imperadores, D. Pedro II. Com os sentimentos de minha devota admiração, imploro Sua Majestade aceitar esta nova oferenda e as mais profundas homenagens de seu humilde e respeitoso servo, discípulo de Moisés e dos profetas, que invoca para Sua Majestade, sua augusta família e seu povo, a graça Divina do Supremo Criador, para que Ele o proteja contra os ataques dos insetos e o coloque à sombra das Suas asas. (Em hebraico:) que os anjos o acompanhem em todas as suas andanças!

Benjamin Mossé,
Grão-Rabino Oficial da Instituição Pública (Wolf, Egon e Frieda, 1983).”

A história dos judeus, tão diversa da de outros povos é, no entanto, a história de toda a humanidade.

A história judaica mesclou-se à história de inúmeros povos e países onde os judeus viveram, incluindo o princípio da História do Brasil desde o descobrimento. Cabral, Fernando Noronha, Pedro da Gama, tantos que para cá vieram, aqui estiveram em paz enquanto durou a repressão à inquisição pelo Marquês de Pombal.

Com a chegada da corte portuguesa em 1808, os portos foram abertos à imigração. Os judeus que chegaram a partir daí não tinham a ver com os anteriores cristãos novos.

O Brasil Império florescia sob o reinado do jovem Imperador Pedro II. E aqui propriamente começa a nossa história: o Imperador, amigo e admirador do povo, da história e da língua hebraica, deixou uma grande profusão de documentos sobre o assunto. Registrou de próprio punho, em seus diários, o bom relacionamento e as amizades que cultivava com os judeus do Brasil e de outras terras. No museu de Petrópolis encontra-se todo um acervo desta face pouco conhecida do Imperador D. Pedro II.

D. Pedro II foi coroado com 15 anos. Falava francês e inglês, era muito culto e foi sempre dedicado ao estudo, apesar dos seus deveres para com o Brasil. Em 1830 seus estudos incluíam latim, música, dança, caligrafia, geometria, matemática e geografia. Em 1839 dedicou-se também ao alemão e italiano. Depois, aprendeu grego, hebraico, sânscrito, árabe, provençal e tupi.

Em 1891 D. Pedro II publicou um livro de traduções de poesias judaicas. Declarou que se dedicara ao hebraico para conhecer a história, a literatura dos judeus e os livros dos profetas. Seu primeiro professor foi o judeu sueco Ackerblom, por volta de 1860, e depois os judeus Koch, Henning e Seybold.

Em 1887, viajando à Europa, D. Pedro II declara ser o hebraico sua língua preferida. Em seu diário, ele anota suas traduções do hebraico e assinala que ministrou aulas de hebraico. Depois registra: “Traduzi Nehemias com facilidade, não tenho esquecido o hebraico”.

Até depois de abdicar, D. Pedro II continuou estudando sempre a língua hebraica. Traduziu Camões para o hebraico e partes do Tanach do hebraico para o latim, dentre elas Yeshayáhu, Echá e Iyov. Deixou um trabalho de 19 páginas, que está no Museu de Petrópolis, com o significado de palavras hebraicas dos livros de Bereshit e Tehilim. Fez estas traduções para inglês e grego, não para o português. Este documento contém o hebraico escrito de seu próprio punho.

D. Pedro II tinha amigos judeus aos quais freqüentava e que também recebia no Paço Imperial. Quando o Imperador criou a Ordem da Rosa, vários judeus a receberam, como o coronel Francisco Leon Cohn, Henry Nestor, Dreifus e outros judeus de outros países. Abraão Bernel, por exemplo, recebeu a ordem por serviços humanitários no Brasil. Firmas inglesas a receberam, todas elas relacionadas aos Rothschild.

Em 1869 chegou no Rio o maestro e pianista Gottschalk. Entre muitas apresentações, houve uma solene dedicada ao Imperador, composta de 20 músicos. A lista de artistas israelitas que aqui vieram foi enorme e tiveram sempre o apoio de sua majestade.

D. Pedro II viajou muito e, por onde passava, visitava as sinagogas locais. Em Londres, visitou as duas sinagogas principais. No sábado o Imperador foi assistir o culto em uma delas e recebeu bênçãos para si e toda a família imperial. Em S. Francisco a Torá lhe foi apresentada e o Imperador a leu fluentemente, traduzindo o texto com desembaraço, para surpresa dos presentes. Assim também, visitou as sinagogas das cidades onde esteve nos Estados Unidos e na Europa, como em Bruxelas e em Toledo.

Em Damasco procurou os judeus e visitou-os. Em Israel, esteve em Cafarnaum e anotou: “Estudei a Bíblia o quanto pude”. Nesta viagem, foi várias vezes a Jerusalém e anotou: “Vou ao Monte das Oliveiras e vou ver os judeus orando junto à Muralha do Templo”.

Voltando ao Brasil, D. Pedro II, sempre ligado aos amigos judeus, continuou mantendo vasta correspondência sobre o hebraico. Havia um amigo especial - Ernest Renau, filósofo, professor de hebraico e sânscrito. Apesar de ser escritor também, os livros publicados por ele sobre religião não interessaram a D. Pedro II, visto que os pontos de vista de Renau não coincidiam com o sentido religioso do Imperador. D. Pedro II sempre declarava: “Creio em D’us, sempre tive fé”.

O Imperador recebia publicações de várias partes do mundo. Assim foi se formando a biblioteca imperial. Dos Estados Unidos, por exemplo, chegou um livro em hebraico de autoria do rabino Halish e um manuscrito de Jerusalém enviado por Salomon Henvitz. Muitas cartas em hebraico, poemas, e um livro sobre Yehudá Halevy foram enviados para o Castelo D’Eu quando o Imperador já estava no exílio.

D. Pedro II foi para França depois que sua esposa morreu e continuou freqüentando os meios judaicos. Há diversas anotações em seu diário referentes a seus contatos com judeus radicados em setores diversos: professores, médicos, escritores, rabinos. Seis semanas antes de sua morte, ele enviou uma carta ao professor Max Pettenkoper, agradecendo as poesias em hebraico.

Seu grande amigo, o rabino Benjamin Mossé de Avignon, sugeriu-lhe traduzir os poemas litúrgicos daquela região da Provença, pois ele dominava os dois idiomas. Os poemas eram escritos de maneira especial, eram piyutim escritos uma linha em hebraico outra em provençal. D. Pedro II fez a tradução ao seu modo. O texto hebraico foi para o francês e o provençal para caracteres latinos. D. Pedro II fez muitas outras traduções para o rabino de Avignon, incluindo traduções do aramaico.

Nas publicações religiosas do rabino, denominadas “La Famille de Jacob”, estão documentados os trabalhos de D. Pedro II. A Biblioteca Nacional de Paris possui esses exemplares. As bibliotecas judaicas na França e em Israel não os têm, embora nelas constem documentos franceses com as traduções feitas pelo Imperador dos “Treze atributos de D’us” de Rashi - Rabi Shelomô ben Yitschac de Troyes. Em 15 de setembro de 1873 D. Pedro II recebeu o Grande Diploma de Honra por seus trabalhos escritos por intermédio do rabino Benjamin Mossé.

O rabino, juntamente com o Barão do Rio Branco, escreveram uma biografia do Imperador. A morte de D. Pedro II aos 68 anos foi um choque para o rabino de Avignon e ele escreveu um necrológio no seu jornal “La Famille de Jacob”:

“D. Pedro II d’Alcantara, cuja biografia um modesto rabino teve a honra de escrever com a colaboração de um sábio brasileiro Barão do Rio Branco, foi uma das mais admiráveis figuras de nossa época moderna. Fundador e organizador do imenso Império brasileiro, foi amigo das letras. Conhecedor a fundo do hebraico, não somente amava nossa língua mas nos amava, elogiava as virtudes de nosso povo e indignava-se com o anti-semitismo.”

A última obra em que o monarca trabalhava era judaica, uma manifestação ressoante em favor do judaísmo, que guardará para sempre sua memória.

O povo judeu, que encontrou tanto desamor através dos séculos, também teve amigos sinceros. Entre eles, um muito especial, Pedro João Leopoldo Salvador Babiano Francisco Xavier de Paula Leopoldino Miguel Gabriel Gonzaga de Alcântara Orleans e Bragança, Imperador do Brasil.

Referências Bibliográficas:
Wolf, Egon e Frieda “D. Pedro II e os Judeus” Ed. B’nai B’rith, 1983.
Wolf, Egon e Frieda “O Imperador e o Rabino - Resenha Judaica”Arquivo do Museu Imperial de Petrópolis.