Alegria e Serenidade
Rabino Paysach J. Krohn
Sobre o Autor

Um dos maiores e mais solicitados oradores americanos da atualidade, o Rabino Paysach J. Krohn conquista sua platéia através de suas idéias e das histórias que utiliza para frisá-las.

Conhecido mundialmente por seus livros sobre o Maguid de Jerusalém, o rabino Shalom Schwadron Z”tl (The Maggid Speaks, Around the Maggid’s Table, In The Footsteps of the Maggid, Along the Maggid’s Journey, Echoes of the Maggid e Reflections of the Maggid), repletos de histórias do cotidiano judaico desde os idos de 1700 até hoje, suas palestras são recheadas de humor, animação, sensibilidade, calor humano e sabedoria. Suas palestras, fitas cassete e CDs, vídeos e livros são entusiasticamente aguardados e bem-vindos em todo o mundo.

Seu estilo é inconfundível: transmite suas importantes mensagens falando um inglês rápido, mesclando seu gigantesco repertório de histórias com muitas ‘tiradas’ de humor.

O Rabino Krohn faz parte da quinta geração de uma família de mohelim e é autor do livro Bris Milah, amplamente aclamado sobre as leis e costumes desde o nascimento da criança até a circuncisão, além de outros seis livros recheados de histórias e parábolas. Nesta palestra, ele mescla histórias e exemplos de sabedoria, idealismo, humor, amor, animação e sensibilidade por nossos irmãos.

Se ele tem sucesso? Pergunte a qualquer um dos milhares de pessoas que comparecem às suas palestras ou que fazem de suas fitas e CDs parte indispensável de sua vida.

Boa leitura!

Há um Tratado no Talmud (Taanit 29a) muito interessante que diz o seguinte: “Da mesma maneira que quando o mês hebreu de Av se inicia, diminuímos a alegria, quando se inicia o mês de Adar, aumentamos a nossa alegria”. Por que aumentamos a nossa alegria? Explicou o Rashi, rabino Shlomo Ytschaki, o grande comentarista da Torá (França 1040-1104), o seguinte: “Épocas de milagres aconteceram ao Povo de Israel. Quais foram? Purim e Pessach – Purim ocorreu em Adar e Pessach, um mês depois”.

Aprendemos desta Guemará que a parte mais alegre do calendário judaico vai do início do mês de Adar até Pessach.

Há outro trecho da Guemará (Taanit 26b), muito semelhante ao citado acima, que diz o seguinte: “Quando o mês de Av se inicia, diminuímos a alegria. Já com o início do mês de Adar, aumentamos a nossa alegria”. O rabino Shimon Schwab (Nova York, EUA, 1908-1995) explicou que daqui aprendemos que mesmo no mês de Av – o mês mais triste do calendário judaico – apenas minimizamos a alegria, nunca a anulamos. Eis as suas palavras: “A alegria é como a chama de um aquecedor a gás. Quando desejamos aquecer a água, aumentamos as chamas e, ao fechar a torneira, nós as extinguimos. Entretanto, a chama-piloto nunca se apaga. Devemos viver de forma similar: a chama-piloto da alegria deve estar sempre acesa!”

A Definição de Alegria

Falaremos aqui sobre vários aspectos de Simhá (alegria) e serenidade. O que é exatamente alegria? Qual a sua definição? Há um Salmo (31:8) muito interessante que nos diz o seguinte: “Aguila V’Esmehá Behasdêha – Exultarei e me alegrarei em Sua bondade”. Neste versículo, o rei David usa duas expressões hebraicas para designar a alegria: ‘Guilá’ e ‘Simhá’. Qual a diferença entre estas duas palavras? Não são sinônimas?

Uma das explicações é que ‘Guilá’ tem a mesma raiz que a palavra ‘Gal’, que significa ‘onda’. Imagine que você está nadando e, de repente, uma enorme onda vem em sua direção. Isto é o que ‘Guilá’ significa: uma ‘explosão’ de alegria, um contentamento súbito. Por exemplo: alguém lhe telefona e conta que um amigo muito próximo de vocês ficou noivo. Ou que outra pessoa teve um bebê, ou que um terceiro conseguiu o emprego que procurava. Maravilhoso! Ficamos alegres com estas boas e inesperadas notícias.

Já a Simhá é diferente. O Rambam (Maimônides, (1135-1204)) explicou em sua obra magna, o livro Mishnê Torá, no capítulo Hilchot Deót (1:4) o seguinte: “Não seja um piadista e inoportuno e nem um sujeito triste ou deprimido, mas sim alegre todos os seus dias, com serenidade e um sentimento interno de felicidade, com uma fisionomia amigável e agradável”. Esta é a definição de Simhá e pela qual devemos aspirar e nos esforçar.

Como é possível adquirir esta serenidade e tranqüilidade?

O rabino Avraham Pam Zt”l (Nova Iorque, EUA, 1913-2001) me contou uma extraordinária frase que leu quando criança e que o marcou por toda a vida: “As pessoas estão sempre procurando pela cidade da alegria, mas não percebem que ela está no estado de espírito”. Um belo pensamento e uma verdade tremenda, pois a felicidade está localizada exclusivamente na cabeça de cada um.

Como Colocar Isto em Prática?

A minha sugestão é procurar olhar o lado positivo das outras pessoas. Procuremos as coisas boas: há tantas virtudes em tantas pessoas! Por outro lado, não nos iludamos: é lógico que há maldade, mas procuremos frisar e enfatizar o lado bom de cada um.

Eis um exemplo:
O rabino Eliezer Silver (1881-1968), além de ser um sábio da Torá mundialmente conhecido e autor do livro Anfei Erez, era um homem de incrível personalidade, mente afiada e um aguçado senso de humor. Originário da Lituânia, veio para os EUA e exerceu o cargo de rabino em Cincinnati, Ohio (Estados Unidos) por mais de trinta anos. Sempre esteve muito envolvido em assuntos comunitários e foi um dos fundadores do Vaad Hatsalá durante a 2ª. Guerra Mundial, uma instituição que preocupou-se em ajudar e resgatar os sobreviventes do Holocausto nazista. Em 1946, vestiu um uniforme militar e foi visitar os sobreviventes que estavam espalhados por campos de refugiados (DP Camp) pela Europa. O rabino Silver era uma pessoa muito carismática e querida por todos. Nas várias vezes em que discursava nas convenções da organização Agudat Israel nos EUA, centenas de pessoas vinham ouvi-lo e se aproximavam para desfrutar de seu carinho e carisma, pois ele sempre tinha uma boa palavra para todos, para elevá-los e animá-los.

Numa das vezes em que esteve num destes campos de refugiados, um jovem aproximou-se e disse num tom desafiador: “Rabino, quero que saiba que nunca me tornarei uma pessoa religiosa!” Todos em volta ficaram em silêncio. O rabino Silver perguntou: “Por que você está dizendo isto?” O jovem retrucou: “Porque vi algo nos campos de concentração que ficará em minha mente para sempre”. O rabino e a multidão que rapidamente se reuniu em volta esperaram que o homem amargurado continuasse.

“No barracão em que morávamos, havia um homem – que se dizia religioso – que tinha um Sidur (livro de orações) e ele era o único em nosso grupo a possuí-lo. Algumas pessoas pediram que emprestasse o Sidur para poderem rezar, mas ele não o emprestava a ninguém, a não ser com uma condição: que a pessoa lhe desse metade de sua ração diária de pão!”

“E o que aconteceu?”, perguntou o rabino, com curiosidade.

“Muitos entregaram o seu pão para poder usar o Sidur”, veio a resposta. “Se alguém pode tirar vantagem de sua religião para roubar o pão de pessoas morrendo de fome, então não quero ter parte nesta religião!” Mais pessoas se juntaram ao redor, desejosos de ouvir qual seria a resposta do rabino. Então o rabino Silver sorriu para o jovem e falou em voz alta, para que todos pudessem ouvir: “Eu lhe pergunto: por que você se concentra naquele indivíduo isolado que tinha o Sidur e fez esta exigência? Por que, ao invés disso, não olha para todas aquelas pessoas devotas que abriram mão de seu pão apenas para rezar com um Sidur?”

O jovem e os demais ao redor ‘perderam o fôlego’ com a resposta pois, num instante, o rabino Silver, com sua brilhante perspectiva, inverteu um incidente que a princípio parecia inflamatório e desagradável num episódio inspirador e fora do comum.

O rabino Shimon Goldstein, um professor na Yeshivá Haim Berlin, em Nova Iorque, me contou esta formidável história que aconteceu com ele e o rabino Ytschak Hutner Zt”l (1904-1980), o diretor da Yeshivá, um dos líderes do judaísmo da geração passada.

Em maio de 1973, houve um Brit Milá do filho de um de seus alunos no bairro do Bronx e o rabino Hutner foi convidado. Os dois pegaram um táxi e foram do Brooklin para lá. Sentados no táxi, perceberam na placa de identificação do motorista que ele tinha um sobrenome judaico. O motorista, por sua vez, sentindo que havia um rabino muito importante sentado em seu carro, sem dizer uma palavra inclinou-se para a direita, pegou um boné que tinha em cima do banco de passageiros e o colocou na cabeça.

O rabino Hutner voltou-se para o rabino Goldstein e falou em hebraico para o motorista não entender: “Quem sabe quanta recompensa este senhor receberá no Mundo Vindouro somente por causa deste pequeno ato!” O rabino Goldstein, surpreso com a afirmação do Rosh Yeshivá, perguntou: “Mas por quê? Só por vestir o chapéu?”

O rabino Hutner respondeu: “Deixe-me contar-lhe uma história: ‘O Hidushei Harim, rabino Ytschak Maier Alter (1789-1866), primeiro Rebe da dinastia de Gur, costumava ir à mikve (piscina para banhos rituais) todos os dias. Era interessante que o Rebe nunca tomava o caminho mais curto entre sua casa e a mikve. Ele sempre fazia uma volta maior. Um dia, o auxiliar do Rebe perguntou: “Rebe, por que o senhor sempre usa o caminho mais comprido?” O Rebe respondeu: “Quando vamos pelo caminho mais longo, passamos em frente à estação de trem. Lá há sempre alguns carregadores judeus que carregam a bagagem dos viajantes. Estes carregadores são judeus muito simples, que não sabem nem rezar ou estudar, mas quando me vêem chegando, param o que estão fazendo, se levantam, colocam seus chapéus e dizem: “O Rebe Ytschak Meir está vindo, o Rebe está chegando!” Logo sorriem e me cumprimentam. Isto que estão fazendo chama-se, em hebraico, Kavod HaTorá, demonstrar respeito por alguém que sabe muita Torá, o que é uma mitsvá muito importante. Por esta mitsvá eles receberão seu Olam HaBá (Mundo Vindouro). Eu sei que eles não têm outra maneira de consegui-lo, então faço este caminho diariamente para dar-lhes esta oportunidade!’ ”

Não podemos subestimar os pequenos atos que fazemos e nem os atos aparentemente simples que os outros fazem. Vemos que o Hidushei Harim, apesar de não saber nada sobre a vida daquelas pessoas, sobre o que faziam de dia ou de noite, que lugares freqüentavam ou que amizades tinham, procurava ver o seu lado positivo e tentava beneficiá-los de alguma forma.

Há um ditado que diz: “Aquele que atira lama fica com as mãos sujas”. Às vezes, podemos nos tornar pessoas muito críticas e desagradáveis. Gostaria de citar alguns exemplos, infelizmente muito corriqueiros, para percebermos como é fácil escorregar e olhar para o lado negativo dos fatos.

Por exemplo: quantas vezes vamos a um casamento em que a comida está deliciosa, a decoração espetacular, mas, quando chegamos em casa, a primeira coisa que falamos é: ''Aquele salão não tinha espaço para os convidados dançarem''. Onde ficaram as coisas boas?

Às vezes vamos a uma sinagoga e o rabino faz uma excelente prédica, muito inspiradora. Entretanto, ao sair da sinagoga, logo exclamamos: “Não havia ar condicionado lá dentro. O calor estava insuportável. Onde está o presidente? Precisamos trocar o presidente da sinagoga!” Esta é uma demonstração de inspiração espiritual?

Em outra ocasião, vamos a um Kidush de um Bar Mitsvá e encontramos um monte de pessoas interessantes, amigos que não víamos há muito tempo, relembramos momentos agradáveis. Mas ao chegar em casa, a primeira afirmação é: “O peixe estava horrível!” É bonito falar isto?

Em Rosh HaShaná, a pessoa encarregada de tocar o Shofar às vezes ‘engasga’ e o som não sai perfeito, mas ele se esforça ao máximo. Depois, quais são os comentários? “Ele realmente estragou as nossas orações! Não podia ter treinado mais?”

Infelizmente, esta é uma situação muito comum. Chegamos em casa e logo começamos a criticar.

Certa vez, estive com minha esposa em Londres por uma semana. Encontramos pessoas maravilhosas, visitamos crianças nas escolas e vimos muitas coisas interessantes que não existem nos Estados Unidos. Um dia, eu e minha esposa estávamos caminhando e falei para ela: “Quando voltarmos para casa, não vamos dizer para nossos amigos e familiares que não vimos o sol por sete dias, que o tempo estava nublado e chuvoso. Não vamos falar que não havia a facilidade de achar lojas vendendo alimentos com o símbolo OU de Cashrut (um símbolo muito popular nos Estados Unidos, impresso nas embalagens de alimentos, que indica que aquele produto foi supervisionado e segue as leis da alimentação judaica, a Cashrut) ou qualquer outra Hashgahá (supervisão religiosa sobre os alimentos) conhecida. Falemos apenas sobre as coisas boas que vimos e nos aconteceram”.

A idéia aqui, o conceito, é que sempre há um lado bom e outro ruim numa mesma situação. Concentremo-nos no lado bom e isto nos transformará em pessoas felizes. Tentemos apreciar as pessoas pelo que elas são, relevando suas falhas.

Uma das histórias mais fascinantes que já ouvi sobre estima e apreciação é a seguinte:

Havia um homem que morava em Detroit, nos Estados Unidos, chamado Alexander Roberg. Em 1958 ele viajou para Israel para visitar uma irmã que não via há quase 20 anos, após escaparem da perseguição nazista em sua cidade natal de Stutgart, na Alemanha.

No Shabat, o senhor Roberg e seu cunhado foram rezar na sinagoga Mekor Haim em Petach Tikva. Como é costume em muitas sinagogas, sendo o senhor Roberg um convidado, deram-lhe uma aliá, a honra de fazer uma bênção sobre a Torá. Após a leitura da Torá, o gabai (encarregado da sinagoga) falou: “Gostaríamos que o senhor fizesse a Hagbaá, que levantasse a Torá antes de fechá-la”. O senhor Roberg ficou surpreso, pois normalmente quando uma pessoa recebe uma aliá, não recebe Hagbaá. “Tudo bem, eu vou!”

Depois que a reza terminou, ele dirigiu-se ao gabai e falou: “Desculpe-me por um instante. Espero que não se incomode se eu perguntar uma coisa: entendo porquê o senhor me deu uma aliá, mas por que me deu a honra da Hagbaá depois?”

O gabai respondeu: “Havia um homem na sinagoga que insistiu para que eu lhe desse a Hagbaá”. Ele disse: “Posso saber quem é?” “É aquele senhor sentado ao lado dos livros”, respondeu o gabai, apontando para um senhor de idade. O senhor Roberg foi até ele e falou gentilmente: “Bom dia! Com licença. Creio que não o conheço. Por que o senhor fez questão que eu recebesse a Hagbaá depois de já ter recebido uma aliá?”

O homem sorriu e disse: “O senhor não me conhece, mas eu o conheço. Meu nome é Felix Beifuss. Muito tempo atrás, há quase trinta anos, o senhor trabalhava como professor em um Talmud Torá (escola religiosa para crianças) numa pequena cidade na Alemanha. Nós também vivíamos naquela cidade e éramos muito prósperos. Isto foi antes de começar a guerra. Logo os alemães começaram a perseguir os judeus e o meu jovem cunhado, certo dia, foi preso sem nenhuma razão. A família temia que nunca mais o veria de novo. Minha sogra disse que, se meu cunhado saísse da cadeia vivo e com saúde, daria um Sefer Torá para a sinagoga. Alguns meses depois, meu cunhado foi libertado e naquele mesmo dia minha sogra ligou para um Sofer (escriba) em Frankfurt e encomendou um Sefer Torá. Alguns meses depois o trabalho ficou pronto e ele foi levado à sinagoga. Fizeram uma grande comemoração lá dentro e algumas pessoas escreveram as últimas letras nos Rolos da Torá. A Torá foi lida e, depois da leitura, queríamos chamar alguém para fazer a Hagbaá, o levante dos Rolos da Torá. Olhei em volta e vi o senhor. O senhor elevou o nível espiritual de nossas crianças e o nível de educação religiosa em nossa comunidade. Pensamos então que o senhor deveria receber também esta distinção, a Hagbaá”.

Senhor Roberg”, o senhor Beifuss continuou. “Nossa família teve a sorte de salvar este Sefer Torá e conseguimos levá-lo para Israel. Os Rolos da Torá que utilizamos hoje foi o mesmo que o senhor levantou há quase 30 anos. Quando vi o senhor, lembrei-me de toda a história e quis lhe dar a oportunidade de erguer o mesmo Sefer Torá mais uma vez!”

Como é bonito quando se dá o devido reconhecimento aos heróis anônimos dentro do Povo Judeu: os professores e as professoras.

Muitas vezes as pessoas reclamam dos professores de seus filhos, mas se olharmos para o lado positivo deles, todo o esforço que empenham na educação de nossas crianças, ficaremos mais felizes e eles, seguramente, também.

A Alegria de se Cumprir as Mitsvót

A primeira obrigação que temos em relação à Simhá foi trazida pelo rei David nos Salmos. O início do versículo (100:2) é o seguinte: “Sirvam o Todo-Poderoso com satisfação!” Veio o rei David nos ensinar que a pessoa precisa cumprir as mitsvót (os mandamentos da Torá) com alegria, servir D’us com contentamento. Como se faz isto? A resposta é uma só: com entusiasmo e com o coração. Todos sabem o sabor de um bolo que não foi bem assado ou de um tchulent não cozido completamente. O mesmo ocorre com nossa espiritualidade: se, por exemplo, a pessoa reza com ’meio’ coração, com pouco entusiasmo, é como se estivesse servindo um bolo não totalmente assado ou um tchulent não completamente cozido. Por outro lado, quando coloca todo o coração no que está fazendo, ela se torna um verdadeiro ‘gerador de alegria’.

E qual o final deste Salmo? “Bou Lefanav Birnaná – venham perante Ele com músicas de júbilo”. As primeiras letras hebraicas destas três palavras são Beit, Lamed e Beit. Em hebraico elas formam a palavra ‘BeLev’, que significa ‘com o coração’. Foi isto que quis ensinar o rei David: “Sirvam o Todo-Poderoso com satisfação. Como? Com o coração!”.

Outro ponto que precisamos saber é que a Torá traz em seu último livro, Devarim, uma relação de maldições que recairiam sobre o povo judeu no futuro, bem como o motivo destas maldições. Eis o motivo: “Porque vocês não serviram o Todo-Poderoso com felicidade e bom coração quando tudo lhes era abundante (28:47)”. O povo teve a oportunidade de servir a D’us com alegria e contentamento mas, infelizmente, a desperdiçou. Pesarosamente, por este motivo, coisas ruins sucederam ao povo judeu durante a história.

O Rabeinu Bahie (Espanha, 1263-1340) explicou este versículo dizendo que é obrigação de toda pessoa fazer as coisas com alegria pois, ao fazer uma mitsvá, um bom ato, com alegria, a alegria em si se torna uma mitsvá. Ao cumprirmos um mandamento de D’us, existe recompensa por cumprir a mitsvá e mais uma recompensa por realizá-la com alegria. Há, por exemplo, a mitsvá de comer matsá em Pessach, ouvir a Megilát Ester em Purim, sentar-se na Sucá em Sucót, etc. Cada uma delas gera uma recompensa espiritual. Todavia, a alegria ao fazê-las determina uma recompensa especial a mais.

O rabino Aharon Kotler (Lituânia e EUA, 1891-1962) escreveu o seguinte num artigo especial sobre a Simhá: “A alegria demonstrada ao se fazer uma mitsvá demonstra o quanto a pessoa valoriza e preza este ato”.

Gostaria de lhes contar uma história que ouvi do rabino Avraham Shmuelevitz, filho do rabino Haim Shmuelevitz, o famoso e genial diretor da Yeshivá de Mir (Israel, 1902-1978).

Muitos anos atrás, dois jovens estudantes vieram até a Yeshivá do Hatam Sofer, o rabino Moshe Schreiber (Hungria, 1763-1839) em Presburg, Hungria, para fazer uma prova de admissão que determinaria se poderiam ser aceitos na prestigiosa Yeshivá.

Era logo após a festividade de Sucót, alguns dias antes do início do semestre letivo, e os alunos estavam ansiosos para se tornarem parte desta mundialmente famosa instituição. Ambos os jovens tinham uma boa reputação, mas um deles era um ilui, um verdadeiro gênio, cuja percepção e entendimento dos tópicos do Talmud eram fora de série. O segundo rapaz também tinha o bom nome de ser um aluno exemplar, mas não tão brilhante como o primeiro.

Os dois fizeram a prova e, depois, o Hatam Sofer anunciou que iria aceitar somente um deles, o aluno de boa reputação, mas não o gênio. Os educadores e professores da Yeshivá que observaram e ouviram os jovens sendo testados, ficaram surpresos. Ambos foram bem, mas o ilui seguramente foi melhor. Voltaram-se para o Hatam Sofer e perguntaram: “Rabino, aquele rapaz tem uma reputação tão especial e acrescentaria tanto ao nível de estudos da Yeshivá. Por que o senhor escolheu o outro jovem?“

O Hatam Sofer olhou para eles e respondeu com firmeza: “Antes dos dois jovens entrarem na minha sala, eu estava olhando pela janela e os vi chegar. Havia na calçada schach (a folhagem) de uma Sucá que tinha sido recém desmontada. O ilui não tentou evitar o schach e calmamente pisou nele enquanto andava. O segundo rapaz, entretanto, contornou a folhagem para não pisar nela”.

“Uma pessoa que pisa no schach dois dias depois de Sucót não tem uma sensibilidade apropriada sobre o valor de uma mitsvá. Um aluno assim eu não quero em minha Yeshivá. Ele encontrará outro lugar para estudar”.

Esta história nos ensina o padrão de respeito e santidade pelas mitsvót. Ao sentirmos que a mitsvá é importante, não pisaremos no schach.

O rabino Mordehai Schwab (Monsey, Nova York, 1911-1994) contou-me a seguinte história sobre um homem que conheceu em Lucerna, na Suíça. Seu nome era Zevulun, sua família veio da Alemanha e ele trabalhava no comércio de acessórios de costura. Seu filho Daniel estava com 17 anos e trabalhava com ele. O jovem aprendeu todos os matizes do negócio e se adaptou muito bem. Ao ficar mais velho, começou a fazer viagens comerciais representando a empresa. Eram viagens curtas e normalmente estava de volta ao entardecer. Certa vez, quando já tinha seus 19 ou 20 anos, o pai lhe falou: “Preciso que você faça uma viagem a Locarno, uma pequena cidade na parte italiana da Suíça. É uma viagem de trem de cerca de cinco horas e você ficará lá por uma semana para cuidar de alguns negócios de nossa firma”. O rapaz ficou muito feliz.

Na manhã seguinte, após voltar da sinagoga, o senhor Zevulun entrou em casa e, ao passar pelo quarto do filho, notou que ele viajara e esquecera o seu Talit (o xale utilizado durante as orações). Como é sabido, os jovens de origem alemã utilizam o Talit mesmo antes de casar. Nós utilizamos Talit apenas depois de casados, mas eles utilizam quando solteiros e alguns até mesmo antes de fazer Bar Mitsvá (completar 13 anos de idade).

O pai percebeu que o filho levara consigo o Tefilin, mas o Talit ficou para trás. O senhor Zevulun foi até a sua loja, falou para o gerente tomar conta dos negócios, dirigiu-se à estação de trem e fez a mesma longa viagem de cinco horas que seu filho tinha feito na véspera. Ao chegar, dirigiu-se diretamente para o hotel onde o filho estava hospedado e bateu na porta. Daniel ficou assustado ao ver o pai.

“Papai, está tudo bem em casa?”, perguntou o filho. “Por que o senhor veio até aqui?”

“Está tudo bem, querido filho. É que percebi que você esqueceu algo importante e vim lhe trazer”.

“Foram alguns papéis da negociação ou algo semelhante?”

“Não”, falou o pai. “Você esqueceu o seu Talit”.

Daniel ficou sem jeito. “Não posso acreditar. O senhor fez toda essa viagem apenas por causa do Talit?”

Depois de alguns segundos de um silêncio incrédulo, o rapaz disse: “Obrigado por me trazer o Talit, papai”. O pai beijou o filho e voltou para a estação de trem para a sua viagem de volta a Lucerna.

O rabino Schwab me contou que, quando ouviu esta história muitos anos atrás, contou-a ao rabino Naftali Zev Leibowitz (1890-1954), mashguiach (conselheiro espiritual) da Yeshivá de Kaminetz e disse: “Não é extraordinário que um homem em Lucerna faça uma viagem tão longa somente por causa de um Talit?” O mashguiach deu uma resposta muito perspicaz: “Não, não. O senhor Zevulun não fez a viagem pelo Talit. Ele fez a viagem pelas gerações! Nenhum de seus descendentes jamais esquecerá de colocar o Talit”.

Quando eu estava completando minha pesquisa sobre esta história, tive o privilégio de falar com o neto do senhor Daniel, que trabalha como mashguiach numa Yeshivá muito importante. “Não sei se o que vou lhe dizer tem qualquer relevância a este acontecimento”, ele me disse, “mas alguns anos atrás meu avô voltou de uma viagem a Israel e trouxe presentes para todos os seus netos. E comprou para cada um o mesmo presente: um Talit”.

O que aprendemos desta história? A resposta é: se dermos uma real importância às mitsvót, se ficarmos alegres ao cumpri-las, não apenas receberemos sua recompensa, como explicou o Rabeinu Bachie, mas estaremos transmitindo esta alegria aos nossos filhos e netos. Que o esforço de todos os pais possam gerar uma ‘colheita’ de bênçãos para os seus filhos e netos!

O rabino Moshe Feinstein, um dos maiores rabinos da geração passada (Nova York, EUA, 1895-1986), costumava dizer que a primeira geração de imigrantes europeus que vieram para o Lower East Side, em Manhattan, Nova York, eram todos ortodoxos praticantes. Eram religiosos e cuidavam do Shabat. Entretanto, como naquela época (fim do século XIX e início do século XX) nos Estados Unidos se trabalhava sete dias por semana, as pessoas que queriam cumprir o Shabat acabavam sendo demitidas no domingo por não terem comparecido no sábado. Muitos pais de família tinham que procurar emprego toda semana, pois os empregadores não aceitavam que um funcionário não viesse no sábado.

Todavia, apesar de tanto esforço para guardar o Shabat, muitos de seus filhos se afastaram da religião. Todos se perguntavam: “Como é possível uma coisa destas? Com tanto empenho em cuidar da religião e os filhos se afastando para o outro lado?” O rabino Feinstein costumava dar a seguinte resposta: “Vocês querem saber o porquê? Porque estes pais chegavam sexta-feira em casa e exclamavam: ‘Perdi meu emprego novamente. Que droga!’ Os filhos, por seu lado, não conheciam o prazer de se cumprir um Shabat como seus pais desfrutaram na Europa. A única coisa que viam era a tristeza, a dor e a depressão ao se cumprir uma mitsvá. Logo chegaram a uma conclusão simples: ‘Para que precisamos do Shabat? O Shabat não quer dizer nada para nós’ E assim foram procurar formas alternativas de vida, diferentes dos caminhos da Torá”.

Daqui aprendemos como é importante cuidarmos de tudo ligado ao judaísmo com alegria e empolgação. Desta maneira nossos filhos verão que é algo agradável e que vale a pena ser vivido e nunca pensarão em trocá-lo ou descartá-lo.

O rabino Eliau Lopian (1872-1970), o reverenciado Tsadik e mashguiach da Yeshivá de Kfar Hassidim, em Israel, certa vez disse a um grupo de pessoas que cumprimos os mandamentos divinos hoje da mesma maneira que o fazíamos quando éramos crianças. Alguém poderia perguntar: “E o que há de errado nisto?” E ele deu uma incrível resposta: “Quando um menino reza, logo quer acabar e ir brincar. Quando uma mulher reza, quer logo concluir e voltar a cuidar da casa. Quando nós rezamos, queremos logo voltar para o telefone ou para os negócios. A criança quer voltar para os brinquedos, a mãe para os afazeres da casa, o pai para os negócios e todos tratam as orações como se fossem um fardo, algo pesado que precisa ser feito logo e resolvido”.

O rabino Haim Vital (Tsefat, Israel, 1542-1620), discípulo do grande cabalista, o rabino Ytschak Luria (Israel, 1534-1572), conhecido como Arizal, contou o seguinte: “Vocês sabem como o meu mestre Arizal atingiu o seu elevadíssimo nível de espiritualidade? Ele conseguiu isto por causa de sua Simhá, sua alegria ao cumprir os mandamentos divinos”. Este é o caminho que devemos nos esforçar para seguir.

O rei David escreveu o seguinte Salmo (126:6): “Aquele que carrega seu fardo de sementes e chora enquanto caminha, voltará em exultação, carregando seus feixes de espigas”. O que quis dizer o rei David com este versículo? Explicou o rabino Shalom Schwadron Zt”l (Israel, 1912-1997) da seguinte maneira: “Aquele que cumpre os mandamentos de D’us, mas reclama do seu fardo, receberá sua recompensa. Entretanto, aquele que faz as mitsvót com alegria e exultação sairá carregado com ‘feixes e feixes’ de recompensa.

Diminua a Velocidade!

Há uma história que o rabino Tuvia Goldstein, diretor da Yeshivá Emek Halachá, no Brooklin, contou-me. Na época ele estudava na grande Yeshivá de Baranovich (Polônia), sob a orientação do rabino Elchanan Wasserman ZT”L (1875-1944), seu diretor. Certa noite, o rabino Wasserman não estava se sentindo bem e pediu que alguns alunos viessem à sua casa para fazer um Minian (um quorum de dez pessoas) e poder rezar. Naquele dia um novo aluno tinha começado a estudar na Yeshivá e também veio à casa do rabino Wasserman.

Alguém pediu ao rapaz que fosse o Hazan (o líder da oração). Como era o seu primeiro dia na Yeshivá, o jovem ainda não sabia que o ritmo da reza nas Yeshivót é bem mais lento e tranqüilo que nas sinagogas. Ele então começou a rezar, mas muito mais rápido que os outros congregantes, pois assim estava acostumado. O rabino Wasserman olhou surpreso para o novo aluno, mas não falou nada. Após o término das orações, o rabino chamou o jovem. Então, longe dos ouvidos dos demais, ele disse: “Existe um trecho na Torá em que D’us conta as coisas ruins que aconteceriam com o Povo Judeu no futuro caso se desviassem do caminho da Torá. Há um versículo que diz: “Você fugirá mesmo sem ninguém o perseguir (Vaikrá 26:17)”. Meu jovem aluno: se você está ‘correndo’ na reza e não há ninguém lhe ‘perseguindo’, saiba que isto faz parte das coisas ruins escritas na Torá”.

E esta é uma importante mensagem a todos: precisamos diminuir nossa ‘marcha’, parar de tanto correr. Hoje em dia ninguém tem tempo para olhar para uma flor, para dar atenção a coisas aparentemente menores.

O rabino Yaacov Kaminetski fez uma observação fantástica: “Nos Estados Unidos, ganhamos o Shabat mas perdemos a véspera do Shabat”. O que isto quer dizer? Ele quis nos transmitir que hoje em dia ninguém é obrigado a trabalhar no Shabat, mas o que ocorre nas sextas-feiras? Corremos como malucos, não há tempo para a família, para os amigos, para nada. Esta seguramente é uma das razões pelas quais as pessoas não conseguem ser felizes. O sujeito mal acaba um projeto e já mergulha em outro. Não há tempo nem para desfrutar o fato de termos tido sucesso em uma coisa e já estamos indo para outra. Precisamos ir mais devagar, reduzir a velocidade frenética em que vivemos.

Agradecendo Por Tudo o Que Temos

Conversei com uma senhora que passou muitas dificuldades na vida, mas estava sempre feliz. Perguntei-lhe qual o segredo de se manter alegre mesmo ao passar por situações tão difíceis. Eis a sua resposta: “Agradeço constante e invariavelmente a D’us por todas as coisas boas que tenho em minha vida”.

É muito interessante que este mesmo conceito está expresso em um dos trechos da prece Shemoná Esrê, recitada três vezes diariamente. Este trecho é chamado de Modim e nele recitamos o seguinte: “Com gratidão agradecemos ao Senhor, nosso D’us e D’us de nossos antepassados, por toda a eternidade... Agradecemos e relatamos Seus louvores por nossas vidas que estão conectadas ao Senhor, por nossas almas que Lhe estão confiadas, pelos Seus milagres que ocorrem conosco todos os dias e por suas maravilhas e favores, em todos os tempos – noite, dia e tarde”.

Por que muitas pessoas falham em agradecer ao Todo-Poderoso por tudo o que têm? Há dois motivos principais: o primeiro é que muitos acham que têm todo o direito às coisas que lhe pertencem, como saúde, família, dinheiro, amigos, etc. Elas não se dão conta que são dádivas de D’us e podem ser retiradas a qualquer instante. Por não se darem conta de que não há garantia vitalícia de permanência para tudo o que possuem, deixam de agradecer.

O segundo motivo é que acreditam que tudo é natural, faz parte da natureza. É muito interessante notar que o valor numérico da palavra ‘A Natureza’ (Hateva, em hebraico) é 86 e é o mesmo valor da palavra hebraica Elokim, D’us. E sabem o que mais tem o valor de 86? Justamente esta prece de Modim que parcialmente transcrevemos acima. Ela tem 86 palavras em sua íntegra.

Gostaria então de sugerir algo: da próxima vez que recitarmos esta oração, contemos as 86 palavras e conscientizemo-nos das maravilhosas bênçãos que temos. Pensemos na família, no marido ou esposa, nos filhos, no emprego (todos sabem que se a pessoa está empregada isto já é um motivo de muita alegria). Lembremo-nos das férias que tiramos há algum tempo. Lembremo-nos de que temos amigos, bons amigos a quem podemos recorrer! Precisamos olhar ao nosso redor e ver as coisas boas que possuímos.

O Midrash Raba (Vaikrá 9:7), uma das explicações sobre a Torá, relata que no futuro, quando da reconstrução do Templo Sagrado em Jerusalém, todas as oferendas que eram trazidas antigamente serão canceladas. A única que permanecerá é o Corbán Todá, a oferenda de agradecimento. A razão é que sempre precisamos agradecer pelas coisas boas que cada um tem em sua vida.

O Que Não é Felicidade

Há um outro ponto importante sobre a felicidade. Não devemos nunca ficar felizes com o erro dos outros ou às custas dos outros.

Há uma Guemará impressionante. O Talmud (Berahót 28b) nos conta que havia um rabino chamado Nehunia ben Hakana. Diariamente, ao entrar e sair da sinagoga, ele fazia a seguinte prece: “Que seja Sua vontade, Todo-Poderoso, eu lhe imploro, que nada de ruim aconteça por meu intermédio e que eu não cometa nenhum erro e outros fiquem felizes com isso... e que os outros não errem e eu fique feliz com o erro deles”.

Há um livro em nossa literatura chamado Orhot Tsadikim. Foi escrito na segunda metade do século XV por um autor desconhecido. Este livro é uma coletânea de ensinamentos dos rabinos da época do Talmud e também dos que viveram entre os séculos X e XV E.C., com conselhos práticos sobre o desenvolvimento do caráter. No capítulo que trata sobre a alegria (Shaar HaSimhá) o autor fez a seguinte pergunta: “Que coisa esquisita, não? O rabino Nehunia ben Hakana era um dos grandes rabinos de sua geração e muito respeitado por todos. Mesmo assim, achou por bem fazer diariamente uma prece pedindo para não ficar contente com o equívoco dos outros rabinos e vice-versa. Será que passaria pela cabeça de pessoas importantes ficarem zombando de outras igualmente importantes?” Respondeu o autor de forma surpreendente: “O motivo disto é que é da natureza humana uma pessoa ficar feliz com o erro de outra, pois assim se sente glorificada, mais elevada e até eximida de seus próprios erros. Mais ainda: até pessoas importantes tropeçam neste erro!”

Com isto podemos entender um conhecido versículo escrito pelo rei Salomão no livro Mishlei (Provérbios) que diz o seguinte: “Quando seu inimigo cair, não fique contente; Quando ele tropeçar, que seu coração não fique alegre (24:17)”. Esta é uma alegria que ninguém deve querer ter.

Eis um exemplo real disso. Ao contar a seguinte história, os olhos do rabino Isser Zalman Meltzer (Israel, 1870-1953) se enchiam de lágrimas, pois sempre se comovia profundamente com o episódio. Balançava sua cabeça em assombro e dizia: “Imagine a que grandes distâncias uma pessoa pode ir para salvar outra de ser envergonhada. A genialidade envolvida é incrível!” O episódio ao qual se referia envolveu o rabino Ytschak Elchonon Spektor, o querido rabino de Kovno (Lituânia, 1817-1896), que era conhecido por seu grande amor e preocupação por seu povo.

Numa pequena cidade bem distante de Kovno, o rabino local se equivocou numa decisão sobre uma pergunta que lhe haviam feito. Apesar de nem todos terem notado o erro, dois indivíduos perversos e zombadores perceberam que o rabino havia cometido um grande engano. Ele havia esquecido que a situação apresentada já havia sido discutida pelo rabino Shabetai Hacohen (Lituânia, 1621-1663), conhecido pelo acróstico Shach, um dos principais comentaristas do Shulchan Aruch, o Código de Leis Judaicas.

Procurando humilhar e degradar o rabino, os dois patifes enviaram uma carta para o rabino Ytschak Elchonon Spektor fazendo a mesma pergunta. Eles sabiam que a resposta do rabino Spektor estaria de acordo com a do Shach, em confronto com a opinião do rav (rabino) da cidade. Com a carta de respostas do rabino Spektor em mãos, eles iriam mostrá-la para toda a comunidade, humilhando e desonrando o rav.

Quando o rabino Ytschak Elchonon recebeu a carta, sua primeira reação foi de surpresa. Embora ele já tivesse recebido dúvidas de pessoas daquela cidadezinha anteriormente, ele se lembrava de que nunca recebera nenhuma consulta destes dois homens. “Por que estariam escrevendo agora”, perguntou-se o rabino, “e por que estariam enviando uma pergunta com a qual qualquer rav, incluindo o rav de sua cidade, com certeza estaria familiarizado?”

Ele investigou e descobriu que estes dois homens eram excepcionalmente encrenqueiros e já tinham um ‘currículo’ de causar problemas na comunidade.

Rav Ytschak Elchonon logo suspeitou que os dois estavam maquinando um plano para denegrir o rabino da cidade e procurou frustrá-lo. Primeiro, ele mandou uma carta com a resposta errada à questão, respondendo exatamente como o rav daquela cidade fez. Então, no dia seguinte, enviou um telegrama que chegaria antes da carta, dizendo que havia errado em sua decisão escrita e que deveriam desconsiderar a carta com o veredicto errado que logo estaria chegando.

Desta forma a maligna parelha não poderia utilizar nem a carta nem o telegrama para difamar o rav, pois a carta concordava com o rav e o telegrama claramente indicava que um dos maiores sábios da geração, o rabino Ytschak Elchonon Spektor havia errado naquele assunto, assim como o seu rav. Com esta ‘engenharia’ ele conseguiu salvar a reputação do rav do esquema maligno daqueles dois patifes.

Em nosso dia-a-dia também acontecem coisas semelhantes, onde seria muito ‘normal’ ficarmos felizes com o tropeço do outro. Por exemplo: às vezes estamos tentando aumentar a clientela de nosso negócio e não conseguimos. Porém, logo recebemos notícias de que o nosso concorrente também não está tendo sucesso em conseguir mais clientes. Será correto ficar feliz e pensar: ”Bom, se eu não arrumo mais clientes, pelo menos que ele não consiga também!”? Se quando não conseguimos ter sucesso já é suficientemente chato, então não fiquemos felizes com a má sorte do outro!

De vez em quando ouvimos alguém que não pára de falar sobre o carro novo que comprou e será entregue em algumas semanas, dizendo que vai poder viajar com ele, etc e etc. Finalmente, quando o carro chega, todos vêem que não há nada de formidável naquela aquisição. Será correto nos alegrarmos com o fato de que o ‘grande falador’ não recebeu o ‘sonho’ que esperava? “Ah! Ele não devia ter falado tanto!”, é o nosso primeiro pensamento.

Ou quando um milionário faz um negócio que não dá certo, será que sentimos um ‘gostinho’ de satisfação?

Sobre isso falou o rei Salomão (Mishlei 24:17): “Quando seu inimigo cair, não fique contente; Quando ele tropeçar, que seu coração não fique alegre”, e mesmo que não seja seu inimigo e sim um simples conhecido.

Não devemos fazer nada disso. Não é este o tipo de alegria que a Torá pediu para vivenciarmos constantemente. Devemos estar sempre felizes, mas não às custas dos outros.

A Alegria de Dar

A alegria também é conseguida quando damos, não apenas quando recebemos. O Rambam escreveu (Hilchot Meguilá 2:17) “É melhor que a pessoa dê muitos Matanot LaEvionim (presentes aos carentes) ao invés de fazer uma grande refeição de Purim e convidar os amigos e parentes, pois não há alegria maior e mais elevada do que alegrar o coração de pobres, órfãos e viúvas. Aqueles que contentam estas pessoas tão necessitadas de misericórdia assemelham-se em seu comportamento ao do Todo-Poderoso, como está escrito no Profeta Yeshaiau (Isaías): ’(D’us) revive o espírito dos humildes e o coração dos deprimidos (57:15)’”.

Fazer outras pessoas felizes gera muita alegria a quem o faz. Objetos não trazem felicidade. Há pessoas que querem ter o último modelo de computador, o carro mais moderno, o brinquedo recém-lançado, mas isto não lhes trará felicidade. No momento em que souberem que o seu vizinho comprou um modelo melhor, logo ficarão descontentes e com um sentimento de que algo está faltando.

Ao darmos algo como tempo, atenção, dinheiro ou causarmos alguma diferença positiva na vida de outra pessoa, isto fará com que fiquemos satisfeitos. Isto sim é um ‘gerador’ de felicidade.

Além de tudo, há um preço a ser pago por aqueles que acumulam e acumulam. Todos conhecem a famosa expressão trazida no Pirkei Avot (2:8): ”Quanto mais bens, mais preocupações”. O Midrash Shmuel (um dos explicadores do Pirkei Avot) explica esta Mishná da seguinte maneira: “A alegria que você pensa que terá é apenas um milésimo das preocupações e aborrecimentos que virão deste grande acúmulo de bens e riquezas”. As pessoas ao redor começam a ter inveja e ódio. Elas ficam irritadas quando o que tem muitos bens exibe e gaba-se de suas posses. O Talmud (Sanedrin 92 a) já advertiu: “Falou Rabi Elazar: ‘Mantenha sempre a discrição, que os outros nem notem a sua presença’”. Não conte a todos os sucessos que teve ou o dinheiro e bens que conseguiu acumular.

O caminho da felicidade é dar de si e dar de seu tempo aos demais.

Gostaria de lhes contar uma história sobre um Rebe que deu de si a alguém especial.

Pouco antes da 2ª Guerra Mundial havia uma jovem em Jerusalém, mãe de quatro filhos, com um problema sério. Sua terceira filha, Haia, de três anos, ainda não começara a andar. A quarta criança já estava andando e, embora Haia fosse uma criança brilhante em todos os outros aspectos, sua mobilidade era restrita e sua família estava muito preocupada.

Cerca de vinte anos antes, conta-se que um Tsadik (uma pessoa pia) revelou-se em Jerusalém. Ele veio para Israel em 1925, pouco antes de os russos destruírem sua cidade, Zvil, na Europa Oriental. Serenamente estabeleceu-se em Jerusalém, sem alarde, e diariamente ia estudar numa pequena sinagoga na Cidade Velha. Seu nome era rabino Shlomo Goldman, mas era mais conhecido na Europa como Zviler Rebe (1869-1945).

Um dia, um homem rico de Zvil veio procurar o seu reverenciado Rebe. Ninguém parecia conhecê-lo ou saber onde se encontrava. Quando encontrou o Rebe na pequena sinagoga da Cidade Velha de Jerusalém, o homem rico ficou muito angustiado. Virou-se para as pessoas no shul e gritou: “Vocês sabem quem está aqui? Este homem é um Tsadik que consegue grandes feitos. Como puderam deixá-lo ficar aqui sozinho?

O segredo fora revelado e em pouco tempo as pessoas começaram a afluir ao Rebe, contando seus problemas e procurando seus conselhos e orientações.

Agora, anos depois, a jovem com a filha que não conseguia andar quis ver o Rebe para pedir sua bênção. Ela já havia ido a médicos que lhe deram pouca esperança no futuro da menina, mas sentia que um Tsadik poderia seguramente intervir com o Todo-Poderoso em seu benefício.

Quando viu o Rebe, começou a chorar e, entre as lágrimas, contou a sua história. O Rebe ouviu atentamente e com simpatia enquanto falava. Então ele disse tristemente: “Mas o que posso fazer? Não tenho como ajudar”.

“Rebe, por favor”, ela implorou, chorando ainda mais, “minha filha precisa de sua bênção”. O Rebe respondeu: “Há vezes em que posso ajudar e outras em que não. Não há nada que eu possa fazer”.

Ela, com muita dor no coração, perguntou: “Então o que posso fazer?” O Rebe ficou em silêncio por alguns instantes e disse: “Existe uma tradição judaica muita antiga de que uma pessoa com problemas que for rezar no Kotel HaMaaravi (o Muro Ocidental) por quarenta dias seguidos será atendida. A única coisa que posso sugerir é que você faça exatamente isto. Vá ao Kotel por quarenta dias seguidos, ore pela solução do seu problema e o Todo-Poderoso responderá aos seus apelos”.

“Mas Rebe”, a moça respondeu, “eu tenho quatro crianças em casa. Não há possibilidade de eu conseguir ir 40 dias sem perder nenhuma vez”. Então, esperando que o Rebe não a considerasse rude, ela clamou: “Rebe, por favor, seja o meu mensageiro e vá lá por mim”. O Rebe respondeu: “Isto eu posso fazer. Serei o seu mensageiro e irei lá rezar”.

Ela agradeceu profusamente e voltou para casa, iniciando mentalmente a contagem regressiva dos dias. Ela não tinha certeza se o Rebe teria começado a ir ao Kotel no dia seguinte à sua visita, mas contou a partir daquela data de qualquer maneira.

No quadragésimo dia, ela estava na cozinha de sua casa quando ouviu um grito vindo do quarto das crianças. Ela, que era a esposa do rabino Shalom Schwadron, juntamente com o marido, entraram correndo no quarto e pararam, de olhos arregalados: a criança dera seu primeiro passo e estava tentando dar mais um.

O que aprendemos daqui? O Rebe poderia ter dado uma berahá (bênção), mas decidiu dar do seu tempo. Ele foi e rezou e isto é algo que todos podemos fazer. Todos conhecem pessoas com diversos tipos de dificuldades e sofrimentos. O mínimo que podemos fazer por elas é rezar para que encontrem a salvação que tanto anseiam.

Conquistando a Alegria

Gostaria de finalizar com mais um pensamento sobre ‘felicidade’. Perguntei ao meu rabino, o rabino David Cohen (Nova York): “Como alguém pode conseguir a felicidade?” Ele respondeu com apenas uma palavra: “Conquistando”. Perguntei-lhe: “O que isto significa?”. Ele explicou: “Todos temos uma guerra interna contra os nossos maus instintos, maus hábitos e maus comportamentos. Todos temos características que precisam ser aprimoradas. Alguns são preguiçosos, outros são nervosos, alguns correm atrás de honra e respeito. Várias pessoas não conseguem admitir que estejam erradas e assim por diante. Trabalhe sobre esta característica ruim e você ficará muito orgulhoso de tê-la melhorado. Este ‘orgulho’ proporcionará uma satisfação e uma alegria contínuas.

Por exemplo: na próxima vez em que estiver nervoso, que alguém ‘fechá-lo’ no trânsito, controle-se e não grite. Na próxima vez em que não encontrar um livro, não vire a casa de cabeça para baixo num acesso de raiva, mas controle o seu temperamento. Isto o fará feliz, pois agora você se tornou uma pessoa melhor, com autocontrole. Há aqueles que são arrogantes e prepotentes. Na próxima vez que conseguir algum feito importante, tente não contar para ninguém e não se gabar de sua capacidade. Sejamos sensíveis aos sentimentos dos demais. Controlemos o nosso orgulho, ou a nossa raiva ou o fato de que às vezes podemos estar errados.

Como iniciamos com um ensinamento do rabino Shimon Schwab, gostaria de concluir com outra grande lição de vida ensinada por ele. Durante os últimos dez anos de sua vida, o rabino Schwab esteve confinado a uma cadeira de rodas devido a uma enfermidade em suas pernas. Seu neto, Natan Schwab, certa vez lhe perguntou: “Já fazem muitos anos que o senhor não consegue andar. Mesmo assim a vovó me disse que o senhor nunca reclamou disso. Como consegue manter um sorriso sereno em seu rosto estando assim tão limitado?”

O rabino sorriu e respondeu: “Imagine que um homem muito rico lhe empreste um milhão de dólares para você utilizá-los como bem entender por setenta anos! Passados setenta anos, ele lhe diz que deseja cem ou mil dólares de volta. Você ficaria bravo com ele? Seria possível ficar bravo com ele? Ele lhe deu a oportunidade de usar uma dádiva especial por tanto tempo, podendo ter pegado tudo de volta quando bem quisesse”. “Minhas pernas são uma dádiva de D’us e Ele tem o direito de pegá-las de volta. Eu não sou minhas pernas. Elas não são minha propriedade. Sua perda não é nada mais do que um desconforto, uma inconveniência!”

seu dinheiro, sua casa e até seu corpo – eram dádivas do Todo-Poderoso. Nada era seu. Ele era um simples guardião de tudo o que D’us permitiu que utilizasse enquanto estivesse neste mundo.

E o rabino Schwab acrescentou para o neto: “Além disto, tenho uma esposa, uma família, mais de cinqüenta filhos, netos e bisnetos que estão seguindo no caminho de seus antepassados. Tenho tido o privilégio de dirigir a comunidade de Kehal Adat Yeshurun em Washington Heights (Nova York) há mais de cinqüenta anos. Será que tenho do que reclamar? Será que deveria andar sem um sorriso no rosto?”

Que possamos em breve vivenciar o que está escrito nos Salmos (118:24):” Este é o dia que o Todo-Poderoso fez; vamos nos regozijar e ficar alegres nele”, o dia da vinda do Mashiach, que seja em breve, em nossos dias!

Purim Sameach e Pessach Casher VeSameach!