Pessach - Uma Festa Para as Gerações
Rabino Paysach J. Krohn
Sobre o Autor

Um dos maiores e mais solicitados oradores americanos da atualidade, o Rabino Paysach J. Krohn conquista sua platéia através de suas idéias e das histórias que utiliza para frisá-las.

Conhecido mundialmente por sua série de livros sobre o Maguid de Jerusalém, o Rabino Shalom Shwadron Z”tl (The Maggid Speaks, Around the Maggid’s Table, In The Footsteps of the Maggid, Along the Maggid’s Journey, Echoes of the Maggid e Reflections of the Maggid), repleto de histórias do cotidiano judaico, desde os anos 1700 até hoje, suas palestras são recheadas de humor, animação, sensibilidade, calor humano e sabedoria. Suas palestras, fitas cassete, vídeos e livros são entusiasticamente aguardados e bem-vindos em todo o mundo.

Seu estilo é inconfundível: transmite suas importantes mensagens falando um inglês muito rápido, mesclando seu gigantesco repertório de histórias com muitas ‘tiradas’ de humor.

O Rabino Krohn faz parte da quinta geração de uma família de mohelim e é autor do livro Bris Milah, um livro amplamente aclamado sobre as leis e costumes desde o nascimento da criança até a circuncisão, além de outros seis livros recheados de histórias e parábolas. Nesta palestra ele mescla histórias e exemplos de sabedoria, idealismo, humor, amor, animação e sensibilidade por nossos irmãos.

Se ele tem sucesso? Pergunte a alguma das milhares de pessoas que comparecem às suas palestras ou que fazem de suas fitas parte indispensável de suas vidas.

Boa leitura!

O livro Shir HaShirim (Cântico dos Cânticos), escrito pelo Rei Salomão, é recitado anualmente no Shabat de Pessach. Esta é a época em que o Povo Judeu tornou-se a nação escolhida por D’us, e o livro descreve o amor mútuo entre D’us e sua nação.

As palavras do Shir HaShirim são misteriosas e extremamente belas. Misteriosas porque sua tradução literal não esclarece o seu verdadeiro e mais profundo significado. Extremamente belas porque elas ‘gritam’ de ansiedade e desejo pela proximidade que uma vez compartilhávamos com o Todo-Poderoso nas gerações anteriores.

Existe um versículo que é muito descritivo e lírico. Ele diz o seguinte: “Ouço a voz de meu amigo! Vejam: ele veio repentinamente para me salvar, como se saltando sobre montanhas, pulando sobre colinas (2:8)”. O Midrásh pergunta: quem é este amigo e o que são estas montanhas que ele está saltando? E responde que se trata de uma parábola. Esta parábola está tratando sobre os Judeus que eram escravos no Egito, que ouviram que Moshe estava vindo para redimi-los. Os Judeus então perguntaram: “Como você conseguirá nos salvar? O Egito está cheio de idolatrias e, infelizmente, nós nos envolvemos com elas já há muitos anos. Por qual mérito mereceremos ser salvos?” E Moshe respondeu: “D’us está sendo misericordioso. Ele está ‘pulando’ sobre suas ‘montanhas’ de pecados intencionais e suas ‘colinas’ de pecados não intencionais. Ele os ama tanto, que está ‘abrindo mão’ de seus pecados e quer tirá-los da escravidão”.

O Rebe de Slonim (Rabino Avraham Weinberg, Bielorrússia) explicou: “É daqui que proveio o nome desta festividade, Pessach. A palavra hebraica ‘Pessach’ significa ‘saltar, pular’. O que D’us fez no Egito foi ‘saltar’ sobre quaisquer obstáculos que os Judeus pudessem ter apresentado que não os tornassem merecedores da redenção. Pode ser que tenham pecado, tenham cometido terríveis transgressões, mas D’us os ama e Ele saltou sobre estes obstáculos para salvar o Povo Judeu”.


Este é o foco que devemos tentar seguir com a chegada de Pessach. Devemos tentar pensar sobre como podemos ‘saltar’ sobre aqueles obstáculos que estão nos impedido ou nos refreando de atingirmos as grandes altitudes espirituais.


A Torá nos conta que quando os Judeus estavam saindo do Egito, parados diante do Mar Vermelho, estavam muito assustados. De um lado, o Faraó estava vindo atrás deles com um grande exército. Do outro estava o mar. “Como sairemos vivos daqui?”, se perguntaram. A Torá relata: “Moshe falou para o Povo: ‘Não temam! Fiquem firmes e verão a salvação que Hashém fará para vocês hoje. Vocês nunca mais verão os egípcios novamente! Hashém fará a guerra por vocês e vocês, fiquem em silêncio (Shemót 14:13-14)’”.

O Zohar, o livro básico da Cabala, traz a seguinte observação sobre este versículo: “Aqui testemunhamos um fato conhecido como ‘Hitaruta DeLeeila’”. Esta é uma expressão em aramaico que quer dizer que houve um ‘despertar dos Céus’. Quando duas pessoas ficam juntas e há um entendimento mútuo, acaba surgindo um amor muito grande entre elas. Normalmente, quando D’us vê que estamos nos esforçando em cumprir Seus mandamentos, quando Ele vê que estamos praticando bons atos, então o amor Divino jorra sobre nós. Mas no caso da escravidão no Egito, a situação era outra. Apesar de o povo estar afastado de D’us e envolvido com as idolatrias egípcias, houve um despertar Divino e D’us veio nos salvar sem nenhum motivo além de Seu imenso amor por nós. Este é o ‘despertar dos Céus’, uma salvação dispensada por D’us independente dos méritos apresentados pelo Povo de Israel naquela ocasião.

Este é o amor que devemos sentir na mesa do Seder, o amor que devemos transmitir às crianças. O Talmud diz: “Em todas as gerações, a pessoa deve se sentir como se ela própria tivesse saído do Egito”. Devemos sentir como se fôssemos os próprios recebedores de todo o amor Divino, que D’us pulou todos os obstáculos para nos salvar apenas porque Ele nos ama. Ao sentirmos este amor, poderemos repassá-lo às crianças e jovens, fazendo-os se sentirem importantes e que entendam que D’us nos ama, o que possibilitará que consigam ter muito sucesso em suas vidas.


Por que isto acontece? Por que uma pessoa que se sente amada consegue ter mais sucesso em suas iniciativas e empreendimentos? A resposta está no livro Mishlei (Provérbios), também escrito pelo Rei Salomão: “O amor encobre todas as ofensas (10:12)”.

Ao gostar de uma pessoa, estamos prontos a não relevar seus erros. D’us gosta de nós, nos escolheu e nos fez sentir importantes, e é este sentimento que devemos passar para as crianças. Talvez seja por isto que existe o hábito de se recitar o Shir HaShirim ao final do Seder de Pessach. Recordar o imenso amor de D’us por nós pode nos ajudar a conseguir atingir grandes altitudes espirituais.

Lembro-me que quando conheci minha esposa, há muitos anos atrás, eu viajava várias vezes para visitá-la em Denver, no estado norte-americano do Colorado. Quando voltava para casa, eu me sentia tão energizado, tão feliz e confiante, que sentia que poderia fazer qualquer coisa no mundo que me propusesse a fazer. E preparei uma lista com 50 coisas que iria fazer. Por que de repente senti esta ‘explosão’ de energia? A resposta é que, ao voltar de Denver, eu sentia que era amado por alguém que significava algo para mim.

Se pudermos sentir este amor de D’us pelo Povo de Israel na festividade de Pessach, poderemos ter sucesso em qualquer meta que desejarmos. Como é possível traduzir este amor em ação?

Os Hábitos Influenciam Nosso Caráter

Existe um livro que explica as 613 Mitsvót (mandamentos) da Torá chamado Sefer HaChinuch. Na Mitsvá 16 ele traz a seguinte pergunta: Se existe um mandamento da Torá de lembrarmos da saída do Egito, por que não esticamos uma faixa com os dizeres: “Lembre-se! Saímos do Egito!”? Poderíamos arrumar um bom artista gráfico e ele faria belos cartazes e os espalharíamos por todos os lugares, e nos lembraríamos da saída do Egito! Por que temos que comer Matsá, beber quatro copos de vinho, reclinar na cadeira, ler a Hagadá, etc? Não seria mais fácil colocar alguns cartazes pela casa?

Na verdade, o Sefer HaChinuch veio nos ensinar uma grande lição: A pessoa age de acordo com a maneira que realiza suas coisas. Por exemplo: se conhecemos alguma pessoa maravilhosa, educada e de bom coração, e a colocarmos para trabalhar como executora de criminosos, em não muito tempo ela se transformará num ser humano baixo e cruel, pois se acostumará com as atitudes que pratica. Os hábitos de sua vida influenciam o seu caráter.

Lembro-me de que quando era pequeno, meu pai sempre reclamava que minha irmã era muito ‘pão-dura’, muito econômica. O que ele fez? Toda noite que havia alguma sobremesa gostosa em casa, como bolo ou sorvete, ele fazia com que minha irmã repartisse com os outros irmãos. Ela começou a dar suas guloseimas, seus bolos, seus sorvetes e acabou tornando-se uma pessoa generosa. Por quê? Porque a pessoa se molda a partir da maneira como age.

Por esta razão é que não é suficiente apenas falar ou colocar placas e faixas. É necessário fazer coisas, na prática.

Gostaria de compartilhar com vocês algumas histórias de pessoas que não ficaram apenas na fala, mas fizeram coisas que geraram enormes diferenças.


Numa sexta-feira, o Sr. Josh Braunstein estava dirigindo do Brooklyn para Manhattan, Nova York, através do Battery Tunnel, quando se lembrou que precisava fazer uma importante ligação telefônica. Como não estava com um celular, ele parou próximo a um telefone público para ligar.

Antes mesmo de levantar o fone, ele percebeu uma agenda grossa, cheia de papéis e anotações, em cima do telefone. Obviamente alguém tinha esquecido sua agenda ali. O primeiro impulso de Josh foi deixá-la ali e não ter que se preocupar em encontrar o dono, Entretanto, ele já era baal korê (a pessoa que faz a leitura da Torá na sinagoga) por trinta anos e na manhã seguinte ele leria na sinagoga a porção semanal Ki Tetsê, que contém o mandamento positivo de devolver objetos perdidos e o mandamento negativo proibindo a pessoa de ignorar este objeto se o encontrar (Deuteronômio 22:1-4).

Ele examinou a agenda e procurou o nome do dono e seu endereço. Nada. Ele folheou a agenda e viu que havia endereços e telefones desde San Francisco até Boston. Entre eles havia os telefones de dois Rabinos no Brooklyn, sendo um deles o do famoso legislador, Rabi no David Cohen, o que fez Josh presumir que o dono era não apenas Judeu, como também observante. Vendo a enorme quantidade de lançamentos e anotações em todas as páginas, Josh imaginou quão frustrado o dono da agenda deveria estar por ter perdido seu ‘escritório portátil’.

Quando Josh chegou em casa, sexta-feira à tarde, mostrou a agenda à sua esposa e perguntou se ela tinha alguma sugestão. Ela folheou a agenda à procura de alguma pista ou nome ou endereço familiar. Depois do Shabat ela pegou a agenda novamente, olhou para a parte de dentro da capa e percebeu que estava escrito “Mami” e um telefone com o prefixo 305, da Flórida.

A sra. Braunstein ligou para o número na Flórida e atendeu uma outra senhora. Ela então lhe falou que seu marido achara esta agenda numa cabine telefônica em Nova York. Depois de fazer uma breve descrição, a sra. Braunstein falou: “Somos Judeus Ortodoxos e existe uma Mitsvá de devolver objetos perdidos. Será que a senhora tem algum filho que possa tê-la perdido?”

“Parece ser a agenda da minha filha”, falou a senhora da Flórida. Ela então passou o nome e o telefone da filha e continuaram conversando amenidades por quase meia hora.

Domingo de manhã uma jovem veio até a casa dos Braunstein, identificou-se e agradeceu profundamente por terem se esforçado por encontrá-la. “Estava perdida sem minha agenda”, ela disse. Na sexta-feira seguinte, ela voltou com um enorme buquê de flores e um cartão. Ela explicou a razão do presente.

“Cinco anos atrás”, ela começou, “tornei-me uma baalat teshuvá (uma pessoa que se aproxima mais da religião). Minha mãe achou difícil aceitar meu novo estilo de vida e o relacionamento entre nós tornou-se muito tenso. Quando vocês fizeram um interurbano e explicaram tudo o que estavam fazendo para tentar me localizar, ela ficou pasma. Ela me ligou e disse: ‘Se este é o tipo de pessoa que você está tentando ser, então entendo agora porque você quer ser deste jeito’. Durante toda a semana ela ficou contando às suas amigas não religiosas sobre vocês, e conversamos com mais freqüência e carinho que durante os últimos cinco anos!”

Como algo tão bacana pode acontecer? Há pessoas que falam: “Eu gosto de ajudar os outros” ou “Sempre ajudo quando posso”, mas muitas vezes isto fica apenas na conversa. Mas quando ela passa para a prática, se mexe para fazer as coisas acontecerem, sua família enxerga seus esforços, seus amigos sabem o que ela faz, então realmente mais pessoas se inspirarão para devolver objetos encontrados.

Eis Outra Excelente História

Num final de tarde, o Rabino Yossef Buchsbaum, diretor do Instituto Machon Yerushalaim, em Israel, e seu colega, o Sr. Aharon Martzbach estavam caminhando pelo bairro Shaarei Hessed, em Jerusalém. A escuridão começava a descer sobre a cidade e os últimos raios de sol desapareciam no horizonte. À distância, eles viram um homem com as duas mãos colocadas num poste de luz. Parecia que não estava se sentindo bem e apoiava-se no poste à procura de apoio.

Preocupados, os dois correram até o homem. Ao se aproximarem, perceberam que não era ninguém menos que o mundialmente famoso Sábio da Torá, o Rabino Shlomo Zalman Auerbach (Israel, 1910-1995), um dos moradores do bairro. Os dois então se aproximaram do grande sábio.

Rosh Yeshivá”, o Rabino Yossef chamou, “Há algo de errado? O senhor está passando bem?”

“Talvez vocês não tenham escutado as más noticias”, respondeu o Rabino Shlomo Zalman, “mas o senhor Baruch Rothschild, que vivia nesta área, faleceu hoje”.

“Baruch Dayan Emet (Abençoado é o verdadeiro Juiz)”, os dois homens disseram em uníssono, recitando a declaração apropriada ao se ouvir sobre a morte de alguém. Eles se lembravam bem do senhor Baruch.

“Vocês conheciam ele, não?”, perguntou R’ Shlomo Zalman.

“Sim, lógico. Mas o que isto tem a ver com o senhor se inclinando sobre o poste?”, perguntou o senhor Aharon.

“Vou lhes contar”, disse R’ Shlomo Zalman. “Durante os anos que viveu entre nós, o senhor Baruch fez muitas amizades. Entretanto, uma vez que morara em outro bairro há uns cinco anos atrás, muitos de seus antigos amigos provavelmente perderam o contato com ele. O funeral será esta noite (em Jerusalém os enterros são realizados até mesmo à noite, uma vez que é proibido que um falecido pernoite na Cidade Sagrada) e me ocorreu que seus amigos gostariam de lhe prestar seus respeitos finais”.

“Como o funeral ocorrerá daqui a pouco, eu temia que as pessoas acabassem não sabendo da notícia, e quando soubessem amanhã, já seria tarde e se sentiriam mal por não terem comparecido. Então escrevi alguns avisos sobre o funeral e os estava colocando em alguns locais por onde muitas pessoas passam”.


Imaginem uma pessoa como o Rabino Shlomo Zalman Auerbach, um grande Tsadik, que recebia consultas de todos os locais do mundo, interrompendo o seu dia super ocupado para afixar alguns cartazes sobre o falecimento de um conhecido seu! Há um provérbio que diz: ‘Pessoas importantes tomam conta de coisas pequenas. Pessoas pequenas às vezes até ignoram as coisas importantes’. O Rabino Auerbach demonstrou na prática o seu amor pelo próximo, transformando em atos o seu grande amor pelo Povo Judeu.

Esta é a primeira lição que devemos aprender: já que somos amados por D’us, que somos pessoas especiais e sentimos que podemos pôr em prática qualquer coisa que desejemos fazer, devemos lembrar também que Pessach não é uma época para ‘belas declarações’, mas sim de ensinar as crianças e os jovens, de fazer um Seder bem bonito e caprichado para envolver as pessoas com as Mitsvót, os mandamentos da Torá.

Ao dizer que amamos o próximo, devemos fazer algo para demonstrar isto, da mesma forma que se dissermos que somos honestos, devemos agir de forma a comprovar que realmente o somos.

Tirando o Chamêts de Nossos Corações

Vamos dar mais um passo para uma outra coisa que podemos aprender da festividade de Pessach.

Existe uma prece que fazemos três vezes todos os dias, intitulada ‘Shemone Esrê’. Ao final dela, existe um parágrafo em que se faz alguns pedidos ‘extras’. O Talmud (Berachót 17a) traz diferentes pedidos especiais que os Sábios faziam ao final desta oração. O Rabino Alexandri costumava pedir: “Todo-Poderoso, é sabido perante o Senhor que nossa vontade é fazer a Sua vontade, mas o que nos impede? Seor She BaYssá, o ‘fermento que existe na massa’”.

Nossos livros sagrados explicam que Seor She BaYssá, o ‘fermento que existe na massa’, refere-se às atitudes ‘azedas’ que temos em nossos corações. Ao limparmos a casa antes de Pessach, procurando por Chamêts (produtos feitos com trigo, aveia, cevada, centeio ou espelta, que podem estar na forma de pão, macarrão, pizza, etc.) para eliminá-lo, devemos procurar não apenas o pão e outros alimentos do gênero, mas também o Chamêts que há em nossos corações.

Existe um outro trecho no Talmud que relata sobre o rei Dario, da Pérsia. Uma vez o Talmud o classifica como um bom rei, pois permitiu a construção do Segundo Templo Sagrado de Jerusalém, e depois afirma que foi um mau rei, pois impediu o término das obras. O Talmud então usa uma interessante expressão: “Ele foi um bom rei antes de virar Chamêts, antes de tomar atitudes ‘azedas’, e tornou-se ruim depois que seu coração ‘azedou’”.

Um dos comentaristas do Talmud, o Rabeinu Bachiê, afirma que todos temos Chamêts em nossos corações, e da mesma maneira que há três exigências em relação à eliminação do Chamêts de nossas propriedades, há três níveis de eliminação do Chamêts de nossos corações:

- Bal Yraê: não devemos ver nenhum tipo de Chamêts em nossas propriedades durante os dias de Pessach.

- Bal Ymatsê: não devemos encontrar nenhum tipo de Chamêts em nossas propriedades durante os dias de Pessach.

- Bitul: devemos expressar verbalmente a anulação de qualquer Chamêts que haja em nossas propriedades, que por ventura não tenhamos encontrado e eliminado.

Falou o Rabeinu Bachiê: existem três tipos de transgressões: aquelas que fazemos com o coração, outras que fazemos através de ações e ainda aquelas que fazemos com nossas bocas. Nas semanas que antecedem Pessach, ao procurarmos acabar com todo o Chamêts que se encontre em nossas posses, devemos também lembrar de exterminar o Chamêts que há em nossos pensamentos, em nossa fala e em nossos atos.


Vamos falar, então, sobre algo do coração: Compartilhar a alegria de outra pessoa.

Todos sabem que se ouvimos que alguém faleceu, logo fazemos uma visita à família enlutada ou uma ligação de pêsames. Ao sabermos que alguém está passando por dificuldades, logo procuramos tentar ajudar. Mas quão realmente felizes nós ficamos quando alguém faz um casamento ou um Bar Mitsvá? Será que realmente compartilhamos de sua alegria? Quantas vezes ouvimos alguém dizendo: “Olhe, aquele rapaz conseguiu uma ótima noiva!” e o outro retruca: “Sim, mas a mãe dela é uma bruxa!”. Ou: “Aquele sujeito comprou um excelente carro” e logo alguém fala: “É, mas o acabamento interno não vale nada!”.

Recentemente eu estava assistindo o vídeo do casamento de minha filha. Normalmente, durante o casamento, estamos tão envolvidos com a dança, com os parentes e convidados que nem conseguimos reparar no ambiente ao redor. Ao assistir uma determinada cena, liguei para um dos convidados e ele pensou que eu fiquei maluco. Contei-lhe que estava assistindo o vídeo e agora estava ligando para agradecer por ele estar tão feliz no casamento. Eu me senti muito bem por ver aquela pessoa tão feliz no casamento de minha filha.

Será que realmente nos alegramos e entusiasmamos com a felicidade do próximo? Todos sabem que quando damos uma festa, gostaríamos que todos os nossos amigos e parentes comparecessem para se alegrar conosco. Precisamos então educar nossos corações a se empolgar desta mesma forma com a alegria dos demais, também.

A Honestidade

O segundo ponto proposto pelo Rabeinu Bachiê foi sobre a fala. Vamos falar, então, sobre algo muito importante: a honestidade.

Certa vez ouvi duas pessoas que conversavam sobre seu seguro saúde. O primeiro sujeito falou: “Acho que vou declarar que tenho 41 anos, assim poderei receber os benefícios da aposentadoria mais cedo. Pensando melhor, creio que declararei que tenho 39 anos, assim pagarei uma mensalidade mais baixa”. Seu colega então perguntou: “Mas quantos anos você tem?“ “Quarenta”, veio a resposta. “Por que não declara 40, então?”. “Puxa, nem havia pensado nisto antes”, foi a resposta do primeiro.

Esta é a mensagem: devemos ser sempre honestos, sem tentar tirar vantagem das empresas ou situações. Eis uma grande história, contada pela filha do Chafets Chaim (Rabino Meir Israel Kagan – Polônia, 1838-1933 – um dos maiores líderes Judaicos das últimas gerações), a Sra. Faiga Haia Saks (1904-1993).

Em 1914, quando Faiga Haia tinha dez anos de idade, seu pai estava ocupado com a tarefa de checar meticulosamente cada página de cada conjunto de livros que ele recentemente publicara, intitulado Mishná Berurá, Como a qualidade da impressão naquela época não era excelente, o trabalho de checagem decorria lentamente.

O Chafets Chaim folheava as páginas de cada livro, certificando-se que foram impressas com clareza e de que não havia páginas em branco ou mal impressas. Uma vez que constatava que o livro estava em boas condições, ele anotava na capa interior a palavra ‘conferido’. Somente então é que o Chafets Chaim considerava vendê-lo.

Numa determinada tarde, o Chafets Chaim pediu à Faiga Haia que checasse alguns volumes que estavam sobre a mesa. Ela polidamente recusou, dizendo: “Vou brincar com minhas amigas agora, Papi. Eu faço mais tarde”. O Chafets Chaim falou: “Eu preciso disto agora. Preciso esvaziar a mesa e guardar estes livros”. Aí ela disse: “Papi, quando voltar eu confiro 60 livros, mas agora minhas amigas estão me esperando”.

Ela voltou uma hora depois e descobriu que seu pai deixara 60 livros do Mishná Berurá sobre a mesa. Ela ficou chocada com a visão dos sessenta livros esperando por ela. Isto não era exatamente o que tinha em mente para fazer agora. O Chafets Chaim percebeu sua surpresa e pronunciou algumas palavras que ela nunca mais esqueceu: “Uma pessoa precisa saber que palavra é palavra” E ela checou cada um daqueles 60 livros!

Isto é honestidade, não apenas exagero ou ‘maneira de se expressar’.


Pessoas grandes preocupam-se não apenas com a honestidade de seus atos, mas também com a de seus pensamentos. Se temem que um pensamento ‘perdido’ possa lhes causar um prejuízo espiritual, logo procuram uma maneira de antecipar o problema e contorná-lo.

Em Chol HaMoed (os dias intermediários das festividades de Pessach e Sucót) não é permitido escrever nem realizar qualquer outro trabalho a menos que esteja sendo feito para evitar perdas e prejuízos ou que seja necessário para a própria festividade. Certo ano, em Chol HaMoed, o Rabino Isser Zalman Meltzer (Israel, 1870-1953), o grande diretor da Yeshivá Etz Chaim em Jerusalém, pediu a seu sobrinho uma caneta para escrever algo.

“Qual a emergência?”, perguntou o sobrinho, o Rabino David Finkel, que estava sempre junto com o tio.

“Tenho algo muito importante para escrever. Por favor, consiga para mim uma caneta rapidamente”, respondeu o Rabino Meltzer.

Seu sobrinho curioso persistiu. Ele sabia que o tio não fazia nada sem antes pensar e avaliar a situação e, portanto, queria saber exatamente o que estava acontecendo. “Mas tio, hoje é Chol HaMoed. Não estou vendo nada de tão urgente que não possa aguardar até o término das festividades”.

O Rabino Isser Zalman sabia que não conseguiria sossegar o sobrinho sem lhe revelar sua verdadeira intenção e então falou: “Você sabe que em Chol HaMoed as pessoas costumam visitar seus mestres e rabinos. Eu sei que terei muitas visitas. No entanto, D’us presenteou-me com um entendimento profundo das pessoas. Após alguns momentos, logo estou ciente das virtudes e defeitos da pessoa. Dói-me saber as falhas das pessoas que vêm me visitar. Além disso, ao saber os defeitos dos outros, o orgulho pode acabar subindo à cabeça. Por tudo isto, planejei um antídoto para este problema”.

“O Rei Salomão escreveu em Mishlei (Provérbios 4:25): ‘Que seus olhos procurem a honestidade e suas pálpebras foquem diretamente à frente’. A palavra hebraica usada aqui como ‘honestidade’ pode ser traduzida como ‘para você mesmo’, dando um significado novo ao versículo: ‘Que seus olhos procurem em você mesmo’. Em outras palavras: olhe para você mesmo e procure seus defeitos ao invés dos defeitos dos demais. Eu sempre mantenho este versículo na minha frente, num pequeno pedaço de papel, enquanto as pessoas falam comigo e isto me ajuda a evitar o orgulho. Agora não estou achando aquele pedaço de papel. É de máxima importância tê-lo à minha frente durante todo o Chol HaMoed. Preciso escrevê-lo já!”

Muitos anos depois deste incidente, num Chol HaMoed de Sucót, esta história foi recontada pelo Rabino Shalom Schwadron, de Jerusalém (1912-1997). A filha do Rabino Isser Zalman Meltzer estava presente, ouviu a história e se retirou da Sucá. Alguns momentos depois ela voltou com um sorriso no rosto e um açucareiro na mão. “Este é o açucareiro que meu pai mantinha em sua mesa”. No açucareiro estava raspado o versículo ‘Que seus olhos procurem a honestidade e suas pálpebras foquem diretamente à frente’.

A Importância da Tsedaká

O terceiro ponto proposto pelo Rabeinu Bachiê foi sobre os atos. Falaremos sobre a Tsedaká, atos de caridade, que devem ser feitos na época de Pessach. Logo no início da Hagadá, consta o seguinte trecho: “Todo aquele que estiver faminto, que venha e coma. Que participe e celebre com todos os demais”. Esta é a Mitsvá (o mandamento) que devemos cumprir da melhor maneira possível, tornando-nos exemplos de caridade e generosidade.

Existe um incrível Midrásh (uma das explicações da Torá) em Bamidbár (22:8) que explica que a palavra hebraica para ‘posses’ é ‘nechassim’, pois os bens materiais de uma pessoa podem acabar ‘nichsim’ (serem tirados) de uma pessoa e dados à outra. Em outras palavras: não existem garantias que a riqueza que uma pessoa tenha hoje esteja com ela amanhã.

O Talmud chama o dinheiro de ‘zuzin’, porque o dinheiro ’zaz’ de uma pessoa para a outra. ‘Zaz’ quer dizer ‘mover-se’. Portanto, se você o tem hoje, use-o com sabedoria e gaste adequadamente, dando Tsedaká.

Ele também é chamado de ‘Maót’, uma conjunção das palavras hebraicas ‘Má Laet’, que querem dizer: “Com que você está se preocupando? É apenas por um período temporário que ele está com você”.

Precisamos ensinar às nossas crianças e familiares o valor do dinheiro e a importância de se dar Tsedaká antes de Pessach. Muitos de nós conseguimos comprar as Matsót (pão ázimo), o vinho, a raiz forte, etc. Pessach é uma festividade cara. Mas se é cara para nós, imagine o quão cara ela é para aquelas pessoas com menos condições financeiras!

Portanto, se queremos eliminar o Chamêts de nossos corações através de atos, precisamos nos assegurar de ajudar os demais com suas despesas para a festividade, doando às instituições que se preocupam em prover alimentos de Pessach aos carentes da comunidade.

Com esta idéia de Tsedaká em mente, podemos entender uma nova explicação para um conhecido versículo da Torá, escrito no livro Shemót. A Torá está nos relatando sobre a última das dez pragas que D’us mandou sobre os egípcios, que foi a morte de seus primogênitos. D’us então avisa os Judeus que Ele irá afligir apenas as casa dos egípcios e ‘saltar’ sobre as casas dos Judeus: “Eu passarei (Passachti) sobre vocês. Não haverá destruição sobre vocês quando Eu castigar os egípcios (12:13)”.

Um dos explicadores da Torá, o Targum Unkelos, que explica toda a Torá em aramaico, traduz a palavra ‘Passarei’ como ‘Terei compaixão’. A palavra ‘Pessach’ pode significar ‘Passar’, mas também ‘ter compaixão’. Tudo isto vem nos ensinar que precisamos desenvolver e valorizar a característica da compaixão pelos demais.


Vamos dar mais um passo, um passo muito importante em relação à festividade de Pessach. A Torá declara: ‘Moshe dirigiu-se ao Faraó e disse: ‘Com nossos jovens e com nossos idosos sairemos. Com nossos filhos e filhas, com o nosso rebanho e nosso gado iremos, pois é uma festividade de D’us para nós (Shemót 10:9)”. O Faraó retrucou: “Não! Vocês querem servir D’us? Isto é para os homens, não para as crianças”. Moshe então falou: “Não! Com nossos jovens!”

Esta é a parte mais importante do Seder e de toda a festividade: a educação e a transmissão de nossa herança Judaica às crianças.

Há uma espetacular história ocorrida com o Bluzover Rebe, o Rabino Israel Spira (Polônia, 1889-1989).

Ele estava no campo de concentração de Bergen-Belsen e Pessach estava se aproximando. Os prisioneiros mal e mal recebiam uma ração de pão, como poderiam conseguir Matsót para Pessach? Ele então se dirigiu a um dos comandantes alemães e implorou: “Nós temos um mandamento em nossa religião que temos que comer Matsót nesta época o ano. Por favor, ao invés de nos dar pão, dê farinha e faremos um forno e poderemos assar Matsót para nós”.

O comandante respondeu: “Eu não posso autorizar. Preciso pedir autorização dos escalões mais altos em Berlin”. Entretanto, de alguma maneira, ele recebeu uma resposta positiva autorizando-o a dar farinha aos Judeus.

Neste meio tempo, uma mulher estava para dar a luz e foi enviada a um hospital fora do campo de concentração. Um dos presos entregou uma carta a esta mulher, pedindo que a repassasse a um Judeu da Suíça, para que a coletividade Judaica suíça soubesse quão terrível era a situação no campo de concentração e que lhes enviasse alimentos.

Normalmente os nazistas nunca checavam os pertences das mulheres que iam para o hospital, mas desta vez checaram. Eles encontraram a carta e ficaram furiosos. “Estamos dando farinha e permitindo que assem suas Matsót e assim eles nos agradecem?”

Eles voltaram ao Bluzover Rebe e falaram: “Nos entregue aquele que escreveu esta carta!”

O Rebe respondeu: “Não posso. Eu não sei quem a escreveu”.

“Você é o Rabino aqui e pode descobrir!”

“Mesmo se eu descobrisse, eu não o entregaria”.

“Então vou matá-lo!”

“Você pode me matar até agora, se quiser. Eu não revelarei quem escreveu a carta!”, falou o Rabino.

O alemão ficou mais furioso ainda, virou-se em direção ao forno, chutou-o, destruindo tudo e saiu.

Mas os Judeus já tinham conseguido assar um punhado de Matsót.

Quando a noite do Seder chegou, a pergunta reinante era: quem receberia as Matsót? Deveriam dar aos adultos, pois eram eles que tinham a Mitsvá, a obrigação, de comer as Matsót nesta noite?

Uma das prisioneiras, uma viúva que estava cuidando de suas duas filhas e de mais duas sobrinhas, dirigiu-se ao Bluzover Rebe e falou: “Rebe, não dê aos adultos e sim às crianças! Elas são o futuro do Povo de Israel! Se conseguirmos sair deste terrível lugar, serão elas que dirigirão o futuro do Povo Judeu, não nós. Dê-lhes as Matsót e permita que entendam o que Pessach significa!”

O Bluzover Rebe refletiu por algum tempo, concordou com a opinião desta senhora e deu as Matsót às crianças e aos jovens.


Certa vez o Rav de Ponovitz, o Rabino Yossef Shlomo Kahaneman (Lituânia e Israel, 1886-1969), declarou: “Uma criança órfã é aquela que não tem pais. Uma nação órfã é aquela que não tem crianças”.

O Compromisso com as Gerações Futuras

A grande meta de Pessach é o nosso comprometimento com as crianças. É isto que Moshe quis dizer quando falou ao Faraó: “Com nossos jovens e com nossos idosos sairemos”. Mas que tipo de comprometimento seria este?

Gostaria de lhes contar uma história que foi contada pelo Rabino Matitiau Salomon (Lakewood, Nova Jersey, EUA), um dos grandes Sábios de nossa geração.

Um pai muito chateado certa vez veio falar com o Rabino Zalmen Plitnick (1895-1984), o Rabino da cidade de Liverpool, na Inglaterra, e pediu que ele conversasse com sua filha, que queria abandonar a família e ir viver com um amigo. O pai implorou que o Rabino interviesse e tentasse mudar a idéia da jovem.

O Rabino respondeu: “Ficarei muito feliz de poder ajudar”.

Ele ligou para a jovem e conversaram por mais de uma hora, e ele logo percebeu que não havia maneira de convencê-la a abandonar estes planos que tanto magoavam seus pais. Ele ligou de volta para o pai e este veio ao escritório do Rabino.

O Rabino teve de dar a má notícia: “Veja, eu tentei todos os argumentos, mas sem sucesso”. O pai estava tremendamente desapontado e sua face refletia sua angústia. Ele esperava que o Rabino conseguisse ao menos adiar a decisão da filha.

O Rabino então falou: “Quero lhe contar algo que o Chafets Chaim certa vez me falou”.

O Chafets Chaim certa vez contou sobre um grande médico que descobriu a cura de uma debilitante doença infantil. Somente ele sabia a correta mistura de ingredientes para fazer o medicamento que se mostrara efetivo. Todos os dias, os pais faziam fila fora de sua clínica com suas crianças doentes, aguardando para serem atendidos, e o médico passava incontáveis horas administrando o remédio e curando as crianças. Ele também viajava a outras cidades e vilarejos para medicar e curar as crianças que moravam lá. Uma noite, enquanto viajava, ele foi assaltado por três bandidos. Eles pegaram todos os seus pertences e fugiram na escuridão. Só lhe sobraram as roupas que vestia.

Os ladrões chegaram a uma ponte onde havia luz e, quando se asseguraram que não havia ninguém por perto, rapidamente vasculharam as valises e as malas roubadas, mas não encontraram dinheiro ou nada que parecesse valioso. Para se livrar das evidências do roubo, eles atiraram as valises e seu conteúdo no rio que passava lá embaixo.

Na manhã seguinte, o abatido médico entrou na clínica sabendo que muitas pessoas o aguardavam. Agora ele teria que informar-lhes que não havia remédio para elas. Os primeiros da fila, aguardando para vê-lo, eram um homem e seu filho.

“Preciso da sua ajuda, doutor”, o homem falou emocionado. “Meu filho está muito doente e somente o senhor pode ajudá-lo”.

O médico olhou para o homem e disse: “Você não me reconhece?”.

“Não, creio que não”.

“Eu sou aquele que você assaltou ontem à noite! Onde está tudo que você tirou de mim?”

O homem ficou paralisado e assustado. “Eu estava procurando por dinheiro e jóias. Joguei tudo no rio”, falou em voz baixa.

Movendo sua cabeça com tristeza, o médico disse: “Você tinha o remédio em suas mãos e o jogou fora. Agora não há nada que eu possa fazer por você”.


Quando o Chafets Chaim acabou de contar esta parábola, ele acrescentou: “Todos queremos que nossos Rabinos respondam todas as respostas aos nossos filhos. Entretanto, muitas pessoas vêm da sinagoga, sentam-se à mesa e dizem: ‘Ah, o que o Rabino falou é ridículo! Ele não fez um bom discurso e tudo o que disse está errado’. Quão frequentemente um professor ou diretor falam algo a um aluno, e quando este conta a seus pais, eles argumentam: ‘O que o professor disse é besteira. Você tem que fazer do jeito que eu estou lhe dizendo’. Isto diminui o Rabino e o professor aos olhos das crianças”.

“Porém, quando um dia o Rabino for necessário para ‘remediar’ os problemas de seus filhos, ele estará de mãos amarradas, pois os pais minaram a sua credibilidade. Aí será tarde demais”.

Quando o Rabino Zalmen Plitnick concluiu a história, sua mensagem ficou muito clara para aquele pai desesperado. Agora ele tinha vindo ao Rabino pedir conselhos para que sua filha não saísse de casa. No entanto, este mesmo cavalheiro, no decorrer dos anos, havia sido sempre muito crítico em relação ao posicionamento do Rabino em muitos assuntos, bem como em relação à escola. A filha aprendeu que o Rabino não era ‘nada’, bem como os professores, e não havia nada de útil que eles pudessem lhe transmitir. Agora, quando o pai mais necessitava, o Rabino não podia ajudá-lo, pois involuntariamente o pai havia minado seus sábios conselhos e orientações.

Este é o comprometimento que temos de assumir em relação às crianças. O Rabino deve ser colocado num ‘pedestal’. O diretor e os professores devem ser olhados com reverência. E se houver reclamações, estas devem ser feitas sempre pessoalmente. Nunca, nunca na presença das crianças, pois se fizer comentários negativos sobre os rabinos, mestres e aqueles que deveriam ser os líderes da comunidade, seu filho poderá acabar não se aconselhando com o Rabino, mas sim procurar ‘orientações’ em locais estranhos e perigosos.

Aproximando os Afastados

Outro ponto a ser destacado em Pessach é que devemos tentar aproximar nossos irmãos mais afastados e ‘derrubar’ os preconceitos existentes.

Algumas semanas antes de Pessach durante a Primeira Guerra Mundial, o Rabino das Forças Armadas Alemãs, o Rabino Doutor Naftali Carlebach, recebeu uma carta de um soldado Judeu lutando no front.

O soldado escreveu que era originariamente de uma pequena cidade, onde ele era o único que sempre assava as Matsót para os seus habitantes. “Pessach está se aproximando”, o jovem escreveu, “e se eu não voltar para casa antes da festividade, não haverá ninguém lá que saiba assar as Matsót. Será que o senhor poderia interceder em meu nome junto ao Ministro da Guerra para que eu pudesse voltar à minha cidade somente por este período?”.

O Rabino Carlebach leu e releu a carta, tocado pela sinceridade e sensibilidade do jovem soldado. Mas o que, na realidade, um capelão poderia fazer? O mundo estava em chamas e o exército alemão era parte ativa na conflagração. O Rabino tinha certeza que o Ministro da Guerra nem iria recebê-lo.

Mas, refletindo melhor sobre a situação, ele pensou consigo: “O jovem está me pedindo ajuda, e assim sendo, devo compartilhar de seu fardo e tentar aliviá-lo da forma que puder”. Então o Rabino Carlebach viajou para Berlin para marcar uma audiência com o Ministro da Guerra.

Ele sentou-se pacientemente na sala de espera, junto com capitães, coronéis e generais. Porém, cinco minutos após ter apresentado suas credenciais ao secretário do ministro, ele o chamou e disse: “O ministro irá recebê-lo agora”.

O Rabino Carlebach ficou surpreso de estar sendo recebido tão rapidamente. Ao entrar na sala, o ministro estava em pé atrás de sua mesa. Enquanto o Rabino Carlebach estendia sua mão em continência, o ministro falou: “Você se parece exatamente com seu pai”.

O Rabino ficou chocado! É verdade que todos diziam que ele se parecia muito com seu pai, mas como o Ministro da Guerra alemão sabia disto?

“O senhor conheceu meu pai?”, perguntou o Rabino Carlebach incrédulo.

“Sim”, respondeu o ministro. “Sente-se”, continuou. “É uma longa história que você provavelmente não conhece”.

Esta é a história que o ministro alemão, em meio à fúria da guerra, com dezenas de pessoas aguardando para falar com ele, contou ao Rabino:

“Quando seu pai era jovem, ele quis construir uma casa de repouso, em Berlin, para os Judeus Ortodoxos mais idosos. Ele tentou levantar fundos para o projeto, mas não teve sucesso. Percebendo que não estava se aproximando de sua meta, ele decidiu falar com o Ministro das Finanças do Império Alemão, que também era Judeu”.

“Muitas pessoas desencorajaram o seu pai, dizendo que era uma perda de tempo falar com o ministro, pois ele era um Judeu afastado de suas origens e, portanto, não alocaria fundos para o projeto de seu pai, que era primariamente destinado aos Judeus Ortodoxos. Seu pai sentiu, entretanto, que tendo esgotado todos os demais canais, ele deveria tentar este último”.

“Ele dirigiu-se ao Ministério das Finanças em Berlin e pediu uma audiência. A secretária pediu que aguardasse e entrou. Em poucos momentos, ela apareceu novamente, dirigiu-se ao seu pai e disse: “O ministro irá atendê-lo já”!”.

“Seu pai ficou boquiaberto. Ele não imaginava ser atendido tão rapidamente. Ao entrar na sala do ministro, ele falou: ’Eu estava lhe aguardando’”.

“’O senhor estava? ’, seu pai perguntou, não acreditando no que ouviu”.

“’Sim’, disse o ministro. ‘Deixe-me contar-lhe o por quê’. E falou:”

“Na noite passada tive um sonho muito confuso e incômodo. Sonhei que havia um grupo de rabinos sentados ao redor de uma mesa e sobre a mesa havia uma grande semente. Cada um dos rabinos examinou a semente e disse que estava muita seca e que nunca poderia germinar. Um rabino, entretanto, olhou, segurou a semente e disse: ‘Não, não é tão tarde. Se a semente for nutrida adequadamente, ainda há chance de brotar’. E então acordei”.

“Pensando sobre o sonho, decidi que a semente representava a mim mesmo. Resolvi então que se um Rabino, qualquer Rabino, viesse ao meu escritório hoje, eu consideraria isto como um sinal de que minha interpretação do sonho estava correta. E o senhor apareceu. Diga-me: Como posso ajudá-lo?”


“Seu pai”, o Ministro da Guerra continuou, “contou ao Ministro das Finanças sobre o seu desejo de construir uma casa de repouso para Judeus Ortodoxos. Após ouvir a idéia, o ministro afirmou que iria ajudá-lo o máximo possível. E realmente, um magnífico edifício foi construído. Mais ainda: devido à sua associação com seu pai, o ministro começou a aproximar-se da religião e, ao morrer, era um homem religioso. Antes de falecer, ele especificou em seu testamento que ninguém deveria fazer um discurso de lamentação para ele a não ser o seu pai. E assim foi. No funeral ninguém falou a não ser o seu pai”.

“Naquela época”, continuou o Ministro da Guerra, “eu era um jovem oficial trabalhando no quartel-general e, como oficial do governo, compareci ao funeral”.

“Quero lhe dizer que fui treinado como soldado para matar e torturar”, o ministro continuou. “Há poucas coisas que me sensibilizam. Nunca chorei quando adulto. Mas quando seu pai falou, suas palavras eram tão eloqüentes e tão comoventes que chorei como uma criança”.

Ele pausou por alguns instantes, enquanto relembrava os tocantes momentos daquele dia já tão distante. “Nunca esqueci as palavras ou a face de seu pai. Então, quando ouvi o nome Carlebach, precisava checar se era um parente dele. Está claro para mim que você é filho dele. Diga-me: como posso ajudá-lo?”

O Rabino Carlebach, que estava então tremendo, explicou a situação do soldado que pediu uma licença para poder assar Matsót para os habitantes de sua cidade.

O impensável então ocorreu: a permissão foi concedida. O Rabino Carlebach agradeceu o ministro por sua gentileza e o ministro, por sua vez, agradeceu o Rabino por ter vindo encontrá-lo.

Pessach e os Atos de Bondade

Em Pessach ocorreu a primeira grande salvação do Povo Judeu sob a liderança de Moshe. A redenção final será sob a liderança do Mashiach. Uma das coisas que ajudará as pessoas a chegarem até esta época tão ansiada são os atos de bondade.

Na introdução ao famoso livro Nefesh HaChaim, escrito pelo Rabino Haim de Volozin (Lituânia, 1749-1821), o filho do autor, R’ Ytschak escreveu: “Meu pai constantemente dizia: ‘A pessoa precisa saber que a essência do homem é que ele não foi criado meramente para o seu próprio beneficio. Todos precisam se envolver para aliviar o fardo do próximo’”.

O Todo-Poderoso abençoou cada um de nós com talentos e potenciais diferentes e é nossa obrigação utilizar estas dádivas não meramente para o nosso lucro ou glória, mas para beneficiar os demais.

Leiam uma incrível história que ocorreu logo depois da Segunda Guerra Mundial:


O Skulener Rebe, Rabino Eliezer Zissia Portugal (1896-1982), era conhecido por todo o mundo por seu ilimitado Ahavat Israel, amor pelo Povo de Israel. Ele e sua esposa adotaram cerca de 400 crianças depois da Segunda Guerra Mundial e tomaram conta de suas necessidades, tanto físicas quanto espirituais. Ele fundou uma organização chamada Chessed L’Avraham, que ajudou milhares de pessoas e é um modelo até hoje para outras organizações que se dedicam a beneficiar o próximo.

Em Abril de 1945, pouco depois do final da Segunda Guerra Mundial, o Skulener Rebe encontrava-se em Czernovitz, na Romênia, então governada pela Rússia. Os Judeus que sobreviveram aos campos de trabalho forçado e guetos da Ucrânia acabaram se encontrando em Czernovitz, e quase todos estavam abatidos, terrivelmente pobres e deprimidos.

Pessach iria começar em algumas semanas e o Rebe estava preocupado sobre como cada um teria Matsót para comer em Pessach. Ele pediu a um de seus seguidores, o senhor Fishel Kerpel, que fosse a uma fazenda próxima comprar trigo, para que fosse moído em farinha para as Matsót.

Com muita dificuldade, o senhor Fishel conseguiu o trigo e um moinho, e os chassidim (seguidores) do Rebe começaram a trabalhar fervorosamente para produzir o máximo de Matsót possível. Sabendo que havia outros Rebes Chassídicos em Czernovitz, o Skulener instruiu seus chassidim para encontrá-los e dar-lhes três Matsót para os seus Sedarim (as refeições festivas das duas primeiras noites de Pessach).

Os seguidores do Rebe prontamente seguiram as instruções e logo se tornou sabido que ele estava distribuindo Matsót gratuitamente aos Judeus da localidade. Uma semana antes de Pessach, o Rabino Moshe Hager, filho do Rebe de Seret-Viznitz, o Rabino Baruch Hager (1895-1963) apresentou-se ao Skulener Rebe. “Meu pai me enviou”, disse R’ Moshe. “Ele precisa de Matsót para Pessach”.

“Lógico”, respondeu o Skulener Rebe. “Estou honrado em dar Matsót para o seu Seder”. O Rebe pegou três Matsót e as entregou ao Rabino Moshe.

Este agradeceu profusamente, mas logo acrescentou: “Meu pai disse que ele quer seis Matsót”.

“Como posso lhe dar seis Matsót?”, perguntou o Skulener Rebe incrédulo. “É tão difícil assar as Matsót, há tanta gente que necessita delas e nós simplesmente não temos o suficiente para dar seis Matsót a ninguém”.

“Que posso dizer?”, falou o filho do Rebe de Seret-Viznitz. “Meu pai insistiu que eu não saísse de sua casa até conseguir seis Matsót. É um assunto de kibud av (honrar meu pai)”.

O Skulener Rebe pensou por alguns momentos e então disse: “Não temos escolha. Vou lhe dar as seis Matsót e, por favor, deseje ao seu pai, em meu nome, um Pessach Casher VeSameach!”

O Rabino Moshe estava muito entusiasmado ao trazer as Matsót para o seu pai, o Rabino Baruch.

Na véspera de Pessach, o Rabino Moshe voltou à casa do Skulener Rebe carregando três Matsót. Ele presenteou as Matsót ao Skulener Rebe e disse: “Meu pai, o Rebe de Seret-Viznitz, disse-me para entregar estas três Matsót ao senhor”.

O Skulener Rebe ficou surpreso. “Agora você traz as Matsót? Eu quis lhe dar somente três Matsót anteriormente. Por que seu pai insistiu em seis? Por que você está trazendo as Matsót de volta agora?”

A resposta foi uma mensagem maravilhosa:

“Meu pai disse: o Skulener Rebe é uma pessoa tão boa e com tanta consideração pelos demais, que provavelmente irá distribuir até a última Matsá, não sobrando nada nem para si próprio. Portanto, meu pai pegou uma porção extra de três Matsót para que pudesse devolvê-las ao senhor bem na véspera de Pessach, para que tivesse Matsót para o seu próprio Seder”!

Estas foram as Matsót que o Skulener Rebe usou em seu Seder!

Enquanto o Skulener Rebe estava pensando em todos os demais, o Rebe de Seret-Viznitz estava pensando nele.

Dois grandes corações, duas grandes mentes. Quem é como o seu Povo, Israel!


Que possamos viver para testemunhar a bondade máxima de D’us, com a vinda do Mashiach, em breve em nossos dias, Amém!


Pessach Casher VeSameach!