Você Conhece o Outro Lado da História
Rabino Yissachar Frand
Sobre o Autor

O nome Yissachar Frand tem se tornado sinônimo de eloquência, humor, paixão, sensibilidade e sabedoria da Torá. Suas palestras e CDs são entusiasticamente aguardados e bem-vindos em todo o mundo, de Melbourne (Austrália) a Johanesburgo (África do Sul), de São Paulo a Jerusalém, passando por incontáveis outros pontos.

Nascido em Seattle (EUA) e ensinando na Yeshivá Ner Israel, em Baltimore, EUA, o rabino Frand transmite ensinamentos incisivos e relevantes, grande sabedoria e um entendimento intuitivo e claro para analisarmos o nosso dia-a-dia e nossas aspirações pelo prisma da Torá. Todos querem viver vidas com significado e conteúdo. O rabino Frand nos inspira a nos elevarmos e nos aperfeiçoarmos como pessoas. Se ele tem sucesso? Pergunte a algum dos milhares de pessoas que comparecem às suas palestras ou que fazem de seus CDs parte indispensável de suas vidas.

Raramente uma pessoa consegue capturar a atenção de tantos tipos diferentes de audiência. Nesta tradução vocês terão a oportunidade de conhecer seu estilo, balanceando a vida moderna contemporânea com os eternos valores da Torá. Como uma sinfonia nas mãos de um virtuoso, estes temas, tão banais e ao mesmo tempo básicos em nossa complexa sociedade, tomam forma e se tornam claros através da mente e da caneta do rabino Frand.

Shaná Tová e Boa leitura!

Dan Lekav Zechut

Gostaria de tratar hoje sobre um tema que creio todos nós já ouvimos a respeito: o conceito de Dan Lekav Zechut, dar aos demais o benefício da dúvida, enxergar as pessoas sob um enfoque positivo.

Mas quero começar falando não diretamente sobre esta Mitsvá (mandamento), mas sim sobre dieta. Sim: dieta, regime. Um assunto que tenho certeza muitos de nós já pensaram a respeito. Qualquer um que tenha de fato feito uma dieta, sabe que ela não é a solução em si. A pessoa pode fazer uma dieta, perder peso, diminuir a quantidade de comida, mas isto não solucionará o problema a longo prazo. Qualquer um que tenha feito regime sabe que se não tiver algum tipo de ‘plano de ação’, eventualmente irá recuperar de novo o peso que perdeu.

O necessário é uma mudança de comportamento. Deve-se mudar a forma de encarar a comida, o jeito como se pensa em comer. O que o pretendente a perder peso precisa, literalmente, é mudar de comportamento.

De certo modo, esta Mitsvá sobre a qual vamos tratar, o mandamento de ‘Betsédek Tishpót Amitêcha’, julgar as pessoas com bondade e generosidade, baseia-se, literalmente, numa mudança de comportamento. É algo que pode mudar e melhorar radicalmente nossa relação com o próximo. Isto é mais do que simplesmente tentar parar de fazer alguma coisa em particular, mas trata-se de realmente mudar completamente o jeito que nos relacionamos com nossos semelhantes.

Ao checarmos na Torá este versículo, ‘Betsédek Tishpót Amitêcha’ - o mandamento positivo de julgar as pessoas favoravelmente e dar a elas o benefício da dúvida (em Vaikrá, capítulo 19, versículo 15) - e lermos os 3 versículos que se seguem, ficaremos surpresos com o que eles nos ensinam.

Vamos estudar os 4 versículos juntos. A Torá nos diz:

• Julgue o próximo favoravelmente
• Não difame as pessoas
• Não fique passivo diante do seu próximo quando ele estiver em perigo
• Não odeie o próximo
• Repreenda, corrija-o
• Não humilhe ou embarace alguém em público
• Não seja vingativo

Estes versículos que mencionam: ‘Não difame, não odeie, não humilhe, não se vingue’, são quase todo o corpo de leis, dentro do Código de Leis judaico, que trata sobre o relacionamento entre o homem e seus semelhantes. É sobre isto que tudo se baseia: Não fale mal do outro, não odeie o próximo, não se vingue, ame o próximo como a si mesmo!

Mas por onde tudo isto começa? Começa com 3 palavras: ‘Betsédek Tishpót Amitêcha’, julgue o próximo favoravelmente. O que isto nos diz implicitamente é: “Meu amigo, faça o seguinte: julgue favoravelmente os demais, dê o benefício da dúvida e todo o resto irá se encaixar. Procedendo assim, falaremos menos mal das pessoas, não iremos odiar ninguém, não sentiremos necessidade de humilhar ninguém, mas sim iremos nos importar com os demais e não iremos querer nos vingar”.

Mas isto só ocorrerá se pudermos dar aos outros o benefício da dúvida, pois é aí que tudo se inicia. Literalmente: ‘Betsédek Tishpót Amitêcha’.

Fazer um julgamento desfavorável está particularmente relacionado com o pecado de difamar, falar mal dos outros. Quais são as 3 palavras seguintes na Torá? “Ló Telêch Rachíl Beamêcha (não andarás com mexericos entre o teu povo (Vaikrá 19:16))”.

O Chafets Chaim, Rabino Israel Meir Kagan (Polônia, 1839-1933), nos disse isto claramente:

“... quanto mais formos cuidadosos em julgar as pessoas favoravelmente e dar-lhes o benefício da dúvida, menos Lashón HaRá (difamação) iremos falar”.

É uma relação inversamente proporcional: Quanto melhor, mais favorável e generosos formos o ao julgar as pessoas, menos Lashón HaRá falaremos. O Chafets Haim insiste neste ponto ainda mais explicitamente:

“... a maior parte dos casos de Lashón HaRá começa porque falhamos em dar às pessoas o benefício da dúvida”.

É aí que tudo começa ... Pense a respeito: isto não acontece sempre conosco? Não acontece de que antes de começarmos a dizer algo sobre alguém, ‘temos’ (como se fossemos obrigados!) que fazer uma avaliação, ‘temos’ que fazer um julgamento, um comentário sobre a pessoa? E então, depois que fizemos o comentário, fizemos o julgamento ... já é tarde demais! Já começamos a falar Lashón Hará!

Mas se antes de tecermos um julgamento conseguirmos pensar: “Espere um pouco! Talvez não seja desse jeito, talvez o sujeito não quis dizer isto, não foi esta sua intenção, não foi isto o que ele fez...”, o Lashón HaRá pararia antes mesmo de começar. Permitam-me dar um exemplo pessoal. Neste caso, não caí na armadilha do Lashón Hará, mas poderia ter seguido por este caminho muito facilmente:

Alguns meses atrás tivemos, graças a D’us, a boa sorte de casar um de nossos filhos. Como vocês todos sabem, um dos grandes ‘prazeres americanos’ ao se casar um filho é sentar, algumas semanas antes do casamento, e organizar as mesas dos convidados. Pois bem, aqui estávamos nós, duas noites antes do casamento, sentados, tentando organizar as mesas. E digo a mim mesmo: “O que será que houve com fulano de tal? Nós lhe mandamos um convite e ele não deu resposta: nem sim, nem não”. E pensei comigo mesmo: “Isto realmente não é legal, é uma falta de consideração. Pelo menos uma resposta ...”

Não disse nada. Apenas falei: “O que será que houve com fulano de tal?”

No dia seguinte, encontro o filho desta pessoa e lhe digo: “Sabe, mandamos um convite para seu pai e ele não nos respondeu. Você teria alguma idéia do motivo?” Naquela noite recebo uma ligação da tal pessoa e ele me diz:

• “Eu nunca recebi seu convite!”
• “Não? Mas eu verifiquei a lista, nós o enviamos!”
• “Bem, eu não recebi o seu convite.”
• “Não tem problema, O.K., estas coisas acontecem ...”

Agora, dias depois, vemos como a coisa toda poderia ter se deteriorado em Lashón Hará. O que aconteceu? Uma semana após o casamento esta mesma pessoa me liga e diz:

– “Adivinhe? Recebi o convite. Enviado e carimbado pelo correio de Baltimore, Maryland, em 10 de fevereiro, chegando no Brooklin, Nova York, em 23 de março”.

Imaginem vocês: levou seis semanas para a carta chegar de Baltimore até o Brooklin, uma distância de apenas 400 km! É o correio americano trabalhando ...”


Mas o que poderia ter acontecido? Eu poderia ter feito um julgamento, tirado uma conclusão precipitada e ter dito: “Aquele fulano de tal? Que negócio é esse? Isto é jeito de se tratar um amigo?”

Mas parei a tempo. E é sobre isto que o Chafets Chaim se referia: “ ... a maior parte dos casos de Lashón HaRá começa porque falhamos em dar às pessoas o benefício da dúvida”.

Mas por que dar tanta importância a este ‘probleminha’ de Lashón HaRá?

A resposta é: porque o Lashón HaRá não é apenas um lapso, uma falha da boca. Trata-se de uma falha no poder de percepção da pessoa, que pode estar enraizada em sua própria personalidade. E tudo vem acompanhado de um simples comentário: “He, he, tivemos que julgar a pessoa”.

Depois desta introdução, podemos entender agora que o ato de difamar uma pessoa inicia-se no momento que articulamos o Lashón Hará. Mas para notar isto, temos que saber perceber o mal. Se o carro de uma pessoa pára no meio da estrada, muitas vezes a pessoa abre o capô e passa um bom tempo tentando descobrir o problema. Já pensou sua reação quando olhar o mostrador do tanque e descobrir que estava sem combustível? Quanto tempo jogado fora e quanto esforço desnecessário!

O mesmo ocorre conosco: se pelo menos pudéssemos dar o benefício da dúvida à pessoa, muita discussão e perda de tempo poderiam ser evitadas.


Vou lhes contar algo que talvez lhes seja uma novidade: Não há uma grande distância entre avaliar negativamente uma pessoa e assassinar alguém, via Lashon HaRá. De onde aprendemos isto?

A Torá nos relata que o motivo pelo qual nos enlutamos em Tishá Be Av (o dia 9 do mês hebraico de Av, o dia mais triste de nosso calendário) foi porque os espiões, após retornarem de uma missão de 40 dias à Terra de Israel, fizeram um relato maligno do que viram a Moshe. Eles relataram, o Povo chorou e nós ‘ganhamos’ um 9 de Av. O versículo nos diz: “Yom LeShaná, Yom LeShaná” - para os 40 dias de Lashón Hará, 40 anos no deserto. Quarenta dias de Lashón HaRá resultaram em quarenta anos vagando no deserto!

“Mas espere um pouco!”, irão me perguntar. “Não foram quarenta dias de Lashón Hará ... Os espiões não falaram Lashón HaRá por 40 dias! Eles voltaram e deram seu relatório. Quanto tempo isto levou? 10 minutos? Meia hora? Uma hora? O que são esses ‘40 anos por 40 dias’? ”

A resposta é: a razão deste enorme castigo foi porque ocorreram 40 dias de percepções e análises, foram 40 dias de andanças na Terra de Israel vendo acontecimentos, vendo coisas e pessoas e não dando o benefício da dúvida, não vendo as coisas sob uma perspectiva positiva. Foram 40 dias olhando ao redor e vendo as coisas pela ótica negativa.

Foi aí que tudo começou. Portanto, se quisermos corrigir isto, se queremos arranjar um meio de tratarmos melhor as pessoas, temos que começar por aqui: com uma mudança de comportamento, com um simples comando positivo da Torá: ‘Betsédek Tishpót Amitêcha’.

E vale a pena! Façamos isto, tornemo-nos mestres nesta arte e seremos melhores pessoas e melhores judeus. É simples assim. É quase garantido. Tome conta disto e você será um judeu melhor. É isto o que o Chafets Chaim e o versículo querem nos dizer.


Gostaria, então de estudar uma Mishná – ensinamento da Torá Oral - em Pirkei Avót (Ética dos Pais) que lida com este assunto. No capítulo 1, Mishná 6, está escrito:


Yehoshúa Ben Perachiá diz: Consiga para você um rabino, compre um amigo e julgue as pessoas favoravelmente”. (Em hebraico: “ ... Yehoshúa Ben Perachiá Omer: Assê Lechá Rav, Uknê Lechá Chaver Ve Hêve dan et Kol HaAdám Lekáv Zechut“)


A explicação mais conhecida para esta Mishná é: Arranje um mentor, faça questão de conseguir um bom amigo na vida e julgue as pessoas favoravelmente: dê a todos o benefício da dúvida.

Esta é a tradução da Mishná.

Mas eu a traduzi incorretamente. Porque se esta Mishná diz e significa: ‘Dê a todos o benefício da dúvida’, então deveria ser escrita, em hebraico: “Hevê dan et Kol Adám Lekáv Zechut”. “Kol Adám - dê a todos”.

É assim que se diz a palavra ‘todos’ em hebraico: ‘Kol Adám’. Mas perceba a sutil diferença: “Hevê dan et Kol HaAdám Lekáv Zechut”. Isto significa algo completamente diferente. Significa: “Dê à pessoa toda o benefício da dúvida”. Percebem a diferença? Não: “Dê a todos o benefício da dúvida”, mas sim: “Dê à ‘pessoa toda’ o benefício da dúvida”.

O que isto significa? O que significa ‘Dar à pessoa toda’ o benefício da dúvida?

Esta Mishná está nos dizendo qual é o nosso desafio. Ela está nos dizendo que, para julgarmos alguém, devemos conhecer a pessoa como um todo, inteiramente. Significa que antes de começarmos a julgar alguém, a fazer afirmações e chegar a conclusões, temos que conhecer a pessoa por inteiro. O que esta Mishná está efetivamente nos dizendo é que temos de saber toda a história, pois as pessoas são realmente compostas de diversas ‘histórias’. E são longas, longas histórias. Elas são grandes livros. Tentar julgar alguém vendo apenas um relance da pessoa é como abrir um livro, por exemplo, na página 446 e tentar entender como são os personagens do livro. Todos sabemos que é extremamente difícil adivinhar as coisas no meio de um livro.

É isto que esta Mishná está tentando nos dizer. “Hêve dan et Kol HaAdám Lekáv Zechut” - que para podermos julgar uma pessoa, devemos conhecer toda a pessoa, toda sua história. E quão raramente sabemos toda a história! Encontramo-nos com alguém, conhecemos superficialmente alguma pessoa e já achamos que a conhecemos perfeitamente. Mas sabemos por onde ela esteve e o que aconteceu com ela, quem seus pais eram e que tipo de vida teve, quem eram seus parentes? Provavelmente não. E mesmo assim esperamos poder julgá-la? Esperamos tomar uma decisão baseados numa fotografia instantânea?

É isto que esta Mishná veio nos ensinar: “Hêve dan et Kol HaAdám”. E, por mais que possamos pensar que sabemos toda a história, raramente o sabemos. Muito raramente.

Devemos entender que as pessoas têm histórias, têm mistérios. Que quando nos encontramos com alguém, somos apresentados a alguém, até mesmo se já o conhecemos há muito tempo, raramente sabemos toda a história. E esta é a chave no que diz respeito a fazer julgamentos, a fazer afirmações: “Hêve dan et Kol HaAdám Lekáv Zechut - Dê à ‘pessoa toda’ o benefício da dúvida”.

Será que estou dizendo algo novo? Será que esta é a primeira vez que ouvimos alguém dizer: “Sabe, você tem que saber toda a história”? Nunca ouvimos isto antes? Nunca pensamos nisto antes? Estou dizendo alguma coisa nova, única?

Não, não estou. Todos sabemos disto. Já ouvimos isto, já vimos isto e já vivenciamos isto. Dúzias de vezes.

E sabe o quê? Não ajudou. Isto não ajuda.

Porque apesar de sabermos bem disso, continuamos a tropeçar no mesmo erro. Portanto, é algo que devemos ‘martelar’ em nossas cabeças constantemente.

Hêve dan et Kol HaAdám”, temos que saber toda a história! E se acharmos que já sabemos bem esta fala, ainda não a praticamos o suficiente.

Deixem-me contar-lhes outra parábola:


Havia uma vez um sujeito que tinha uma fala numa peça teatral. Ele fazia uma única aparição na peça e sua parte era muito simples. Quando o canhão acabasse de fazer seu ensurdecedor barulho, ele deveria dizer as palavras: “Herk, escuto o canhão rugir!” Esta era sua fala.

– “Herk, escuto o canhão rugir!” O canhão dispara e ele: “Herk, escuto o canhão rugir!”

Por duas semanas foi tudo o que fez.

• “Herk, escuto o canhão rugir!”
• “Herk, escuto o canhão rugir!”
• “Herk, escuto o canhão rugir!”

O grande dia chegou, o dia da peça. Ele está ali no palco. O canhão faz: Buummmm!

E o sujeito diz:

– “Meu D’us, que barulho foi esse?!!!?”

Ele estragou tudo!

Ele praticou e praticou e praticou. Por duas semanas. E quando chegou a hora da verdade, estragou tudo. Errou sua fala. E este somos nós:

“Temos que saber toda a história, Temos que saber toda a história, Temos que saber toda a história. ‘Hêve dan et Kol HaAdám, Kol HaAdám, Kol HaAdám’ “.

Então chega o dia da estréia. O canhão faz ‘Buummm’. E nós? “Meu D’us, que barulho foi esse?!!!?”

Nós estragamos tudo.

Sabem, estou envolvido nesta palestra. Tenho pensado muito neste assunto, falado e estudado a respeito nos últimos meses: Dan Lekáv Zechut. Tenho que saber toda a história, dar o benefício da dúvida.

Você pensaria que como estou tão envolvido no assunto de julgar as pessoas favoravelmente, pelo menos neste período, certamente seria mais cuidadoso. Mas veja o que me aconteceu:

Algumas semanas atrás entrei num banco. O Nations Bank. Eu precisava algo do meu cofre particular. O procedimento é o seguinte: Entra-se no cofre e lá dentro, atrás de uma mesa, está sentada uma funcionária do banco. Ela registra meu nome, pega minha chave, pega a chave dela, vai até o cofre, abre o cofre, pega sua caixa e me entrega. Ponho ou tiro o que preciso na caixa, volto e a devolvo.

Dirigi-me ao cofre e não havia mais ninguém ali, só esta mulher. Ela estava lá sentada, falando em russo ao telefone. Eu fiquei lá de pé, plantado, esperando. Porém, é como se eu não existisse. E penso comigo mesmo: “Sabe, isto é realmente antiprofissional! Ficar conversando, em russo. Com quem ela pode estar falando? Com sua mãe? Sua tia? Sua irmã? Ela está num Banco! Ela trabalha para o Banco! Se estivesse no guichê, com certeza não estaria falando em russo ao telefone”.

Tudo bem, eu não falo nada. Dou-lhe minha chave, ela pega minha caixa, eu ponho minhas coisas dentro, volto 3 minutos depois e lá esta ela de novo, ao telefone, em russo. Novamente com sua irmã, sua tia, sua mãe. Puxa! Isto é tão antiprofissional! É tão anti-ético da parte dela. Tirar proveito de sua posição de estar no cofre. Podia falar com quem quisesse!

Mas o que realmente estava acontecendo é que havia outra mulher russa, em outra filial, que não conseguia comunicar-se com o pessoal de lá. E era necessário um intérprete que pudesse explicar às pessoas na outra filial o que a mulher queria. Esta mulher não estava agindo de maneira anti-profissional, nem de maneira antiética, nem estava tentando ‘safar-se’ do crime na privacidade do Banco. Muito pelo contrário: ela estava fazendo o seu trabalho.

E eu estraguei tudo!

No meio disto, no meio de toda minha preparação sobre julgar os outros favoravelmente, de saber toda a história e “Herk, escuto o canhão rugir!”, faço o erro novamente.

Descobri que este é o desafio. O desafio é que isto deve tornar-se parte integrante de nós, que deve tornar-se uma segunda natureza pensar: “Espere um momento, será que conheço toda a história?” “Hêve Dan et Kol HaAdám Lekáv Zechut!”

Se aprendêssemos a fazer isto, o Lashón HaRá cessaria, pois diríamos: “Talvez ele não teve a intenção, talvez não falou isto, talvez não sabia”. O ódio iria parar, pois daríamos o benefício da dúvida. A necessidade de nos vingarmos acabaria, pois daríamos o benefício da dúvida.

Foi a tudo isto que me referi quando disse que esta Mitsvá pode radicalmente alterar o jeito com o qual tratamos o próximo. Entretanto, é ainda mais dramático que isto. Esta maneira de abordar os acontecimentos pode mudar nosso comportamento “Ben HaAdám LaMakóm” (entre o homem e D’us) também. Pode salvar nosso relacionamento com o Todo-Poderoso.


Cumprir a Mitsvá de “Betsédek Tishpót Amitêcha”, de julgar o outro favoravelmente, é como fazer uma apólice de seguro para quando abandonarmos este mundo, depois dos 120 anos. Este ‘seguro’ garante que nossas Mitsvót estarão lá em cima, nos esperando, quando chegarmos. Nós passamos toda uma vida fazendo Mitsvót, colocando Tefilin, rezando, praticando atos de bondade (Guemilut Chassadim), de visitar pessoas enfermas (Bikur Cholim), etc. Passamos uma vida toda fazendo isto! E esperamos que quando chegarmos ao Céu, após 120 anos, isto tudo esteja esperando por nós. Como garantimos isto? Há uma apólice de seguro que podemos fazer para garantir que estas mitsvót estarão de fato esperando lá. Mas como?

Deixem-me compartilhar com vocês outra Guemará. No Talmud, no Tratado Shabat, está escrito: “Aquele que julga o próximo favoravelmente, julgam-no favoravelmente”. É isto que diz a Guemará: se julgarmos as pessoas favoravelmente e dermos a elas o benefício da dúvida, então D’us, ele próprio, irá julgar-nos e nos dar o benefício da dúvida também.

Porém, se analisarmos esta Guemará mais detidamente, constataremos que esta afirmação é algo teologicamente problemático, é algo de se ficar teologicamente perplexo: O que a Guemará quer dizer com “Se dermos a alguém o benefício da dúvida”? Será que D’us não sabe o que fizemos, o que falamos? Ele vai nos dar o benefício da dúvida? O que isto quer dizer? D’us tem dúvidas? D’us não sabe o que fizemos, o que falamos ou o que queríamos dizer? D’us é onisciente! Ele sabe tudo! O que esta Guemará quer dizer com “Aquele que julga o próximo favoravelmente, julgam-no favoravelmente”?

O Chafets Chaim nos explica que esta Guemará não veio nos ensinar literalmente o que está escrito. Ela não quer dizer que se dermos a alguém o benefício da dúvida, então D’us nos dará, também, o benefício da dúvida. Ela sim refere-se, especificamente, a depois dos 120 anos, quando partimos deste mundo para o Mundo Vindouro, quando D’us colocará em julgamento os atos que praticamos durante nossas vidas neste mundo. A Guemará veio explicar como que este julgamento irá funcionar.

Quando abandonamos este mundo, temos que passar por uma prova, uma prova final. E D’us irá corrigir esta prova. Ele dará nota a este teste.

Sabem, há dois tipos de examinadores neste mundo. Eu sou professor por profissão. De tempos em tempos eu dou provas. Eu sou o que se chama ‘um examinador fácil’. Se o aluno tem a resposta basicamente certa mas escreve ‘Sim’ ao invés de ‘Não’, ‘Casher’ no lugar de ‘Tarêf’, caso a resposta esteja basicamente certa, dou-lhe o ponto, ou pelo menos meio ponto. Mas há alguns professores em que é ‘ou tudo certo ou tudo errado’. Ou ponto completo ou nenhum ponto.

Que tipo de professor é o Todo-Poderoso? Será que é um examinador rigoroso ou será que é um examinador amigável, brando? Quando Ele olhar para nossas mitsvót e escrutiná-las em Seu julgamento, será que vai dizer: “Bem, se esta Mitsvá não foi perfeita, pode esquecer! Nenhum crédito!” Ou será que dirá: “Ele a fez basicamente certa”.

Que tipo de examinador é D’us? É isto que a Guemará veio nos ensinar. Se durante nossas vidas fomos generosos, perdoamos, demos às pessoas o benefício da dúvida, não funcionamos sempre através da justiça estrita, então, quando abandonarmos este mundo e o Todo-Poderoso for nos julgar, podemos esperar o mesmo tipo de tratamento.

Mas se fomos sempre exigentes, nunca cedendo, nunca perdoando, nunca sendo clementes no julgamento, sempre exigindo, sempre sendo minuciosos, é isto que podemos esperar no julgamento celestial.

E é um pensamento assustador este, de que D’us irá nos julgar com o critério estrito da justiça. E é por isto que a Mitsvá de “Betsédek Tishpót Amitêcha” pode garantir isto. É como se eu estivesse vendendo apólices de seguro hoje. Faça esta Mitsvá e garanta as suas outras. É uma excelente apólice de seguro, pois o simples pensamento de D’us nos julgar com a justiça estrita é de fato assustador, muito assustador.

Mas sabe, há algo que talvez seja mais assustador do que D’us nos julgando estritamente. Sabe o que pode ser mais assustador que isto? Nós, julgando a nós mesmos. Isto mesmo, não D’us, mas você julgando a si próprio. Como pode ser isto?

Explica o Baal Shem Tov (Rabino Israel ben Eliezer, 1698-1760) que isto é o que acontece às vezes. Às vezes a pessoa faz algo na vida e D’us fala: “Não, Eu não irei julgar isto! Não darei o veredicto! Irei esperar!” O Baal Shem Tov, para sustentar isto, baseia-se na Mishná em Pirkei Avót (Capítulo 2, Mishná 4) que diz: “Não julgue o próximo até que esteja em seu lugar”. O Baal Shem Tov escreve que D’us adia seu julgamento e faz com que veja seu amigo fazendo algo similar ao ato que você fez anteriormente. E D’us espera para ver o que você irá dizer dele. E o que você disser sobre o próximo será exatamente o julgamento que ouvirá sobre si mesmo.

Querem um exemplo? Um exemplo ‘poderoso’? Há uma história no Tanach, uma história do Rei David, o Rei de Israel. Ele mandou o esposo de Batsheva, Uria HaChití, para a guerra. Uria foi enviado para o fronte, morreu e o Rei David casou-se com sua viúva. Tecnicamente falando, não havia nada de errado com isto. Mas não era o jeito que David, o Rei de Israel deveria agir. D’us envia-lhe o profeta Natan (D’us ainda não julgara o Rei David) com uma pergunta:

“Tenho um caso para você, David. Havia dois homens. Um deles era muito rico e tinha muitas ovelhas. O outro possuía apenas uma única ovelhinha. E o rico queria aquela ovelha. Ele desejava aquela ovelha, foi lá e pegou para si a ovelha do pobre homem”. David ficou muito irado com o sujeito que roubara a única ovelha do pobre homem. E disse: ‘Eu juro que esta pessoa merece morrer por ter pego a única ovelha do pobre’. E o profeta Natan falou a David:


Você é o homem! É exatamente o que aconteceu com Você!”


Havia um homem e tudo o que ele tinha era uma única esposa. E você, como Rei, tem várias esposas. Você pegou para si a esposa daquele homem. Você é o homem!”

Imaginem como David sentiu-se devastado ao ouvir aquele pronunciamento, de que era ele o homem. E é isto, segundo o Baal Shem Tov, o que pode acontecer conosco. Nós iremos ver pessoas. Nós veremos incidentes, faremos julgamentos. Mas poderá ser um julgamento que faremos para nós mesmos.

Fazemos algo, D’us adia o julgamento, Ele mostra um amigo fazendo algo similar, nós o condenamos sem misericórdia. Nós o sentenciamos: “Este homem merece morrer!” Somente para ouvir as palavras: “Você é aquele homem! Este é você!”

Só há um jeito de evitar este cenário assustador. Só há um jeito de evitar o confronto no Céu, após 120 anos, com estas palavras perseguidoras: “Você é aquele homem!”

O jeito é que, na próxima vez que virmos alguém fazendo algo, não sejamos tão estritos. Porque aquele poderia ser um de nós. Aquele poderia ser você. “Aquele sou eu! Aquele não é ele! Aquele sou eu!”


Ótimo! Após lermos este livreto voltaremos à nossa rotina normal de uma forma mais elevada: amanhã voltamos ao nosso trabalho, vamos à escola, vamos fazer compras. Mas não deixaremos os atos errados do passado novamente acontecer. Daremos às pessoas o benefício da dúvida. Iremos nos lembrar de tudo o que dissemos. E seremos cuidadosos. Lembraremo-nos de:

• Toda a história
• Kol HaAdám
• “Herk, escuto o canhão rugir!”

Lembraremo-nos de tudo isto e ficaremos inspirados.


Entretanto, de um momento para o outro, alguém diz algo para nós. Algo maldoso, cruel e que machuca. É sarcástico e cortante. Não há dúvidas: “Eu ouvi o que ouvi! Ele me insultou! Não há benefício da dúvida aqui! Não sou maluco! Ele realmente me insultou!” O que falaremos então? Não há outro modo de analisar isto. Não há dúvidas. Como iremos explicar isto? Como este livreto explicará este fato?

Sabem qual a resposta para isto?

A resposta, às vezes, é a dor, o sofrimento. Sim, fomos insultados, não há dúvida! Mas às vezes devemos dizer para nós mesmos: “Talvez estas pessoas estejam sofrendo. Talvez o motivo porque disseram isto é porque estão machucadas”. Porque existe muita dor lá fora. E se não é dor, literalmente, é preocupação, é frustração. As pessoas estão preocupadas. As pessoas têm preocupações com seu sustento, com o casamento, com a saúde. E quando sentem dor, atacam os outros violentamente. E nossos Sábios nos disseram que não podemos responsabilizar uma pessoa pelas coisas que disse num momento de dor. Esse é o modo que devemos às vezes explicar estas coisas. “Sim, eu de fato fui insultado! Sim, ele me ofendeu! Mas talvez ele esteja sofrendo e eu seja uma pessoa conveniente para ele descarregar isto tudo”. É isto que devemos dizer.

Fui a um enterro alguns meses atrás. Foi um enterro muito tocante. Não era um enterro de um homem famoso, não era um enterro de um rabino, mas o enterro de um bom e fiel judeu. Um judeu honesto, um judeu que nasceu e foi criado nos anos da Grande Depressão de 1929. Um judeu que serviu o exército na 2a Guerra Mundial. Um judeu que se manteve honesto até seu último dia. E dentre as história que contaram sobre este judeu, há aquela de como este rapaz, recrutado para a Guerra, foi enviado às Filipinas. Permaneceu lá, numa base, sozinho. E manteve seu judaísmo, sua Cashrut, seu Tefilin.

Um dia, um aviador foi atingido e trouxeram-no, ferido, para a base deste rapaz. Ele era o único judeu da base e o aviador também era judeu. O capelão, um não-judeu, veio a ele e perguntou se poderia recitar algumas orações pelo aviador ferido. Foi o que ele fez. E então o aviador morreu. E o capelão aproximou-se e disse: “Você poderia dar a ele um enterro judaico?” E lá estava o jovem, nos seus vinte anos, que nunca fizera nada disto na vida, indo preparar um sepultamento judaico para o aviador.

E este rapaz saiu do exército, atravessou o Pacífico, atravessou os Estados Unidos, até Pittsburgh, para finalmente chegar em casa. No dia seguinte, após voltar para casa, disse:

“Vou encontrar os pais daquele garoto e falar com eles, para que saibam que pelo menos seu filho teve um enterro judaico”. E pegou um ônibus e viajou para Nova Iorque. Procurou os pais do garoto, pegou o metrô, foi até o Bronx, bateu na porta deles e começou a lhes contar como ao menos seu filho teve um enterro judaico. Porém, no meio da história, os pais batem a porta na cara do rapaz.

Ele voltou para Pittsburgh. Seus pais perguntaram-lhe: “Então, você fez os pais dele se sentirem bem?” Ele respondeu: “Eles bateram a porta na minha cara”. E continuou: “Mas vocês sabem por quê? Porque provavelmente foi demais! Demasiadamente doloroso para eles!”

Ele não falou: “Será que isto é forma de se demonstrar gratidão? Eu enterrei seu filho, atravessei o país para avisá-los e eles batem a porta na minha cara?!” Ao invés disto, disse: “É demasiadamente doloroso!” É isto que devemos dizer às vezes. “Eles devem estar frustrados, deprimidos”.


Certa vez um jovem foi até o Rabino Chaim Ozer Grodzenski (Lituânia, 1863-1940) em seu tribunal em Vilna, e explicou que seu pai estava concorrendo a uma posição rabínica em uma cidade da Europa.

Ele sabia que uma carta de recomendação do Rabino Chaim Ozer poderia fazer toda a diferença, poderia conseguir o trabalho para seu pai. O Rabino Chaim Ozer, por algum motivo, sentiu que este homem não era adequado para aquele trabalho e declinou, dizendo para o rapaz que não queria se envolver e que não escreveria a carta para o seu pai.

Ouvindo isto, o garoto descarregou toda sua mágoa em cima do Rabino Grodzenski, o grande tsadik da geração, o equivalente a alguém chegar para o Rabino Moshe Feinstein ZtL (EUA, 1895-1986) e xingá-lo veementemente. O Rabino meramente virou-se e foi embora, sem dizer uma palavra. Quando lhe perguntaram: “Por que o Sr. não lhe deu uma bronca, não o colocou em seu devido lugar? Por que não disse que isto não era jeito de se falar com uma pessoa da sua importância?”, o Rabino respondeu: “Porque o garoto estava muito preocupado, pois seu pai precisa de um emprego. Seu pai necessita de sustento. E quando as pessoas estão preocupadas, frustradas ou sofrendo, dizem ou fazem coisas que não querem ou que não deveriam”.

E esta deve ser, às vezes, a nossa explicação: “Sim, eu fui ofendido, sim fui magoado, não há outra interpretação. Mas eles devem estar magoados. Ou preocupados. Ou frustrados”

Ou ... Eles não têm cabeça!

Nunca ouviram esta expressão: “Ele simplesmente não sabe...”, “Tem boa intenção, mas não sabe nada”, “Diz coisas estúpidas”, “Não quer magoar, só não raciocina”?

Escolhamos uma destas opções: Dor, Preocupação, Frustração, Falta de Cabeça. É isto que devemos dizer a nós mesmos.


E quando isto também não funciona? E quando sim sabemos toda a história? Sabemos que neste caso a dor não é um dos motivos e ainda assim fomos insultados. Não entendemos o que aconteceu nem conseguimos entender como alguém pôde fazer isto? O que dizemos então?

Sabem o quê? Dizemos: “Há uma Mitsvá na Torá chamada ‘Betsédek Tishpót Amitêcha’. Seja caridoso”.

“Não entendo, não sei porque ele fez isto, não tenho explicação, mas esta é a Mitsvá”. A Mitsvá é: ‘Não seja tão arrogante! Não pense que pode entender tudo! Não ache que, porque não tem uma explicação ou não entende algo, então não existe nenhuma explicação. Não somos tão espertos assim. Ninguém o é!’ Esta é a Mitsvá. Há um monte de mitsvót que nós não entendemos.

Não entendemos porque não podemos vestir Shaatnez (uma roupa que tem uma mistura de lã e linho na composição do tecido), mas cumprimos a Mitsvá do mesmo jeito. Esta é uma Mitsvá que diz que, mesmo que não a entendamos, que não tenhamos uma explicação racional, dê a eles o benefício da dúvida. Esta é a Mitsvá.

As pessoas que estudam o Talmud muitas vezes se deparam com trechos muito difíceis, onde aparece algum caso praticamente ininteligível, onde fazemos muitas perguntas para tentar compreendê-lo. Quando aparecem situações assim, há uma grande regra bem conhecida: ‘Ninguem morre por causa de uma pergunta. Siga em frente e continue a estudar!’. Muitas vezes os comentaristas do Talmud fazem uma pergunta e não trazem a resposta. Mas mesmo assim, eles continuam suas explicações sobre o trecho seguinte. Esta é a regra: “Ninguém morre por uma pergunta não respondida”.

Temos alguma dúvida sobre alguém? Não entendemos o motivo de suas atitudes? ‘Betsédek Tishpót Amitêcha’. É sobre isto que esta Mitsvá se refere. É isto que estamos tentando aprender hoje. Frisar o ponto de que devemos conhecer toda a história. Kol HaAdám, a pessoa inteira. E o quão bem achamos que a conhecemos, na verdade não a conhecemos.

Devemos repetir isto de novo, de novo e de novo. E na próxima vez que encontrarmos alguém na loja e dissermos: “Olá, como vai?”, e a pessoa nem se incomodar de responder com um prazeroso ‘Bom Dia’ - ela simplesmente passar reto por nós - sabe o que devemos dizer? “Herk, ouço o canhão rugir!” Isto mudará radicalmente tudo.

Nossa relação com o próximo é uma apólice de seguro para nossa relação com o Criador. E quando mais nada funcionar, lembre-se que a dor e a preocupação explicam muitas coisas! E se ainda não temos uma explicação, digamos a nós mesmo que é exatamente isto o que a Mitsvá diz: ‘Dê Tsedacá, faça caridade’.


Eu gostaria de terminar com um belo pensamento. Sabem, há um livro fascinante sobre esta Mitsvá, cuja leitura deveria ser obrigatória. Chama-se “The Other Side of the Story (O outro lado da história)”, da Editora ArtScroll. É um livro maravilhoso, em inglês, que realmente fará um tremendo efeito em seu leitor. No final do livro há uma oração que está escrita nos muros do túmulo da matriarca Raquel (Rachel), em Israel. A oração é a seguinte:


“Por favor, Todo-Poderoso, permita-me tentar com todas minhas forças dar o benefício da dúvida a todos, mesmo o mais baixo dos baixos. E dê-me a inteligência para poder encontrar um lado bom e dar o benefício da dúvida “.


Eu tenho duas perguntas: Por que desta reza e por que no túmulo de Raquel? Porque lá e, de todas as rezas que poderíamos proferir, por que justamente esta prece?

Pois eu tenho duas possíveis explicações. Uma delas ouvi de meu bom amigo, o Rabino Yaácov Luben:

O motivo número um é porque o túmulo de Raquel está totalmente relacionado com o ato de dar às pessoas o benefício da dúvida. Por que? O que aconteceu no túmulo de Raquel?

A localização do túmulo de Raquel tem sua origem em quando Yaácov estava voltando para a Terra de Israel e Raquel morreu no caminho. Ao invés de trazê-la até Israel e enterrá-la na Maarát HaMachpelá, no túmulo dos patriarcas e matriarcas, Yaácov enterrou-a lá, no caminho.

Anos depois, Yaácov morreria no Egito. Antes de falecer, disse a seu filho Yossêf (José): “Yossef, meu querido filho, leve-me de volta e enterre-me na Terra de Israel”. E vejam o que diz Rashi (Rabino Shlomo ben Itschak, França, 1040-1104), o maior comentarista da Torá, sobre o significado das palavras de Yaácov (Bereshit 48:7):


“.. e mesmo que eu esteja fazendo isto, pedindo-lhe para me levar de volta e enterrar-me na Terra de Israel, apesar de não ter feito isto com a sua mãe! ... Eu não a levei de volta para a Maarát HaMachpelá e sei, Yossef, que você tem dúvidas sobre mim: você não entende porque eu fiz isto.

Agora estou lhe pedindo para fazer o que não fiz com sua mãe, e sei que você não vai entender o motivo. Mas saiba, meu filho, que enterrei sua mãe naquele local porquê D’us instruiu-me a fazê-lo. Porque daqui a 1000 anos, quando os judeus forem expulsos da Terra de Israel e marcharem para a Babilônia, e passarem pelo túmulo de Raquel, atormentados, famintos e exaustos, irão necessitar de alguém que rogue por eles junto ao Todo-Poderoso. E é por isto que a enterrei lá. Porque daqui a 1000 anos, quando os judeus forem à Galut, e as preces de mais ninguém ajudar, Raquel irá chorar e implorar misericórdia ao Todo-Poderoso por eles”.


Yossêf não poderia saber disto, era impossível ter imaginado algo que aconteceria séculos depois . Mas este é a grandeza e o âmbito da Mitsvá de dar o benefício da dúvida”.

O túmulo de Raquel permanece como um testemunho, como um monumento a quão longe devemos ir, muitas vezes, para darmos o benefício da dúvida a alguém. Quão longe, mesmo quando é humanamente impossível descobrir-se o motivo para determinado ato, como no caso de Yossêf, que não poderia saber o que iria acontecer após 1000 anos. E, portanto, no túmulo de Raquel nos rezamos por ‘Dan Lekáv Zechut’.


E a segunda razão, talvez, é que o túmulo de Raquel tem total relação com a Galut (o Exílio do Povo Judeu). Ele trata de nós, que estamos aqui sentados nos EUA, e de todas as demais pessoas, onde quer que estejam. Este é o nosso ponto. Vivemos no exílio e o túmulo de Raquel é o lugar da confluência dos judeus do exílio.

Sabem, a primeira vez que viajei a Israel e fui ao túmulo de Raquel, talvez tenha sido a mais tocante experiência que tive em toda a Terra de Israel. É como se uma pessoa fosse ao túmulo de seus pais e dissesse: “Por favor, Papai e Mamãe, por favor, intercedam por mim!”

Era de tarde e alguém disse: “Vamos rezar Minchá (a prece da tarde)!”. Um rapaz foi ser o Chazán e ele era Sefaradi (de descendência oriental). E começou a rezar no rito Sefaradi. Próximo a mim encontrava-se um chassid, que pôs seu gartel e rezou no seu rito. E entre tantas outras pessoas, lá estava eu, um garoto americano, criado nos EUA, um estudante de uma Yeshivá Lituana, e rezava no meu rito. E eu pensava: “É sobre isto que se trata o túmulo de Raquel!”

É também sobre os judeus que estiveram pelo mundo todo. Foram para Espanha, para a Hungria. Foram para Lituânia, para a Alemanha, para a Síria, o Líbano, para a América do Sul, foram para todos os lugares!

E nós voltamos para o túmulo de nossa mãe Raquel e dizemos: “Mamãe, você fez isto uma vez. Você nos trouxe de volta uma vez! Mamãe, será que você não pode fazer isto de novo? Já se passou muito tempo! Houve sacrifícios demais!” “Mamãe, será que não pode fazer isto de novo, não pode nos trazer de volta? Não pode ir a D’us novamente e implorar por seus filhos? “

E Raquel, efetivamente, diz: “Eu tentarei, mas vocês têm que ajudar. O Beit HaMikdash foi destruído porque vocês não trataram bem uns aos outros. Minhas mãos estão atadas. O único jeito de eu trazer vocês de volta é se melhorarem e pararem de falar Lashón Hará! Pararem de se odiar uns aos outros! Pararem de se vingar um do outro. Pararem de ter queixas um sobre o outro!”

O jeito de conseguirmos isto é lembrarmos o que está escrito naquela parede no túmulo de Raquel e recitar: “Todo-Poderoso, permita-me julgar favoravelmente, deixe-me aprender a dar o benefício da dúvida às pessoas para que eu fale menos Lashón HaRá e odeie menos. E me vingue menos!”

Se aprendermos a melhorar nossa relação com o próximo, isto acontecerá. Nossa matriarca Raquel poderá de fato ir até D’us e dizer: “Todo-Poderoso, já se passou muito tempo! Por favor, traga-os de volta!”

E nós voltaremos lá, ao túmulo de Raquel, com a vinda de Mashiach, breve em nossos dias, amém!

Ketivá VeHatimá Tová!